Quando a fé é demais...

O relacionamento era conflituoso, o divórcio era uma previsão lógica, e até mesmo um assassinato poderia ser justificado pelos constantes entreveros, que toda a vizinhança assistia; o casal não escondia de ninguém a proximidade do fim.

Marx já teria afirmado, talvez não com estas palavras, que todas as relações estavam assentadas em “valores”, e no caso em concreto o marido seria o grande beneficiado com a morte da esposa, ela era a milionária. Nutria um profundo desprezo pela mulher, via enormes vantagens com a morte da mesma, daí à consecução do fato seriam necessários: coragem, oportunidade e álibi.

Coragem poderia ser conseguida com mais de uma dose de uma bebida forte; uma das fases conseqüentes do consumo do álcool é a valentia; oportunidade repetia-se a cada instante, viviam juntos, só o álibi não completava o trinômio homicida.Mas a grande verdade é que ela apareceu morta, fato ocorrido na ausência do marido, ele que havia viajado na véspera, não teria como envenenar a esposa, no almoço do dia seguinte. Ela mesma havia preparado seu lanche, ela comprara um refrigerante, depois do marido embarcar, não se utilizara de gelo, sal ou vinagre, supostamente envenenados, e sua morte transformou-se em um grande mistério: como o veneno chegara ao seu alimento?

O corpo foi encontrado pelo jardineiro, que atendia aquele jardim, no final de um determinado dia da semana, a hipótese de um suicídio foi completamente descartada, ainda que quisesse morrer, o que não era o caso, não morreria para não presentear seu marido, eram sócios em todo o patrimônio, e ele seria o grande favorecido.

O assassino, e todos referiam como assassino o marido ausente, a mais de 400 quilômetros do local do “crime”, fato a que todos citavam como crime. A lógica condenava o marido, a distância inocentava o marido.

Ela levantara-se quase que à hora do almoço, não abriu a casa, ninguém entrou e as trancas afiançavam que ninguém saíra. A dúvida se estabeleceu, e o suicídio passou a ser uma opção para a explicação do caso, por mais inverossímil que pudesse parecer.

Volúvel é o inconstante, aquele que alterna seus comportamentos de acordo com a ocasião e idiossincrasia é o comportamento próprio de cada pessoa, que o leva a tomar sempre as mesmas atitudes, de forma quase que previsível, e isto pode conduzi-lo.....à morte.

Religiosa, fervorosa, a todo ano, a véspera do dia de Santo Antônio buscava na Igreja, de seu padroeiro, o pãozinho abençoado, que seria seu primeiro petisco na manhã seguinte, hábito que vinha se repetindo por decênios. O marido, conhecendo todos os costumes da mulher, marcou sua viagem para o dia de Santo Antônio, fez suas malas, e envenenou o pão, sabendo que uma fatia seria ingerido pela sua “amada”.

Todas as investigações recaíram sobre o que a vítima preparara para seu almoço, ninguém ousou a pensar no pão sagrado, envenenado na véspera, guardado devotamente, e que nem apareceu no cardápio do dia, uma fatia ser desprezada, como realmente fora.

Velhos hábitos e repetições de comportamento levaram aquela mulher à morte, não está incluída aqui a fé, como agente que tivesse contribuído para o crime: o marido, bom observador, literalmente valeu-se da boa fé da esposa, para alcançar seus fins, fica a pergunta: contra a fé existem argumentos?

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 17/12/2009
Reeditado em 23/10/2010
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