Um Crime Passional
James era um homem muito elegante. Nascera em Londres, mas havia muitos anos morava em São Paulo. Aos 48 anos, ainda se vestia à inglesa, com terno, abotoaduras de ouro, sem dispensar o seu já tradicional relógio de bolso. A visão já não era tão privilegiada, o que o obrigava a usar óculos de grau. Era casado com Dinah, uma mulher de 46 anos, fina e requintada. Usava sempre muitas jóias, e onde quer que ela estivesse, podia-se sentir o doce aroma do Channel n° 5, seu perfume predileto. Dinah era consultora de moda, o que a obrigava a viajar bastante, deixando James um tanto “livre”.
Durante uma de suas tantas ausências, James conheceu uma moça de 30 anos. Chamava-se Sandra. O envolvimento entre eles tornou-se mais íntimo e mais freqüente. Dinah não era uma mulher de belas formas, mas tinha seu charme. Começou a observar mais atentamente o comportamento do marido e, discretamente, ligou o desconfiômetro. Ela não achava muito ético verificar as coisas do marido, mas o fez. Uma tarde, após o marido ter ficado trancado no escritório por horas, Dinah observou quando ele saiu muito apressado, sem dar uma palavra. Calmamente ela foi ao escritório e começou a busca. Verificou as gavetas, alguns livros, os papéis sobre a mesa e o jornal. Nada! Nem a coleção de moedas de diversos países escapou à devassa. De repente, ela se lembrou da pequena lixeira dourada escondida sob a mesa. Abriu-a lentamente. Alguns papéis pareciam ter sido amassados recentemente. Tirou-os um a um e algo a surpreendeu: havia um pedaço de cartolina amassada, com algumas manchas de perfume — perfume feminino — constatou Dinah. Além disso, havia uma carta cujos dizeres ela não conseguia decifrar; sem dúvida, a letra era de mulher.
Aquilo a deixou constrangida. Será que seu marido seria capaz? Num último acesso de falta de ética, Dinah foi ao quarto em busca da carteira de James. Estava lá, bem guardada no bolso do terno preto. Era uma carteira de couro importada, também preta. Dinah abriu a carteira e checou-a nos mínimos detalhes. Ao puxar o cartão de crédito, ela encontrou um cartão de visitas com o nome de uma taróloga, Sandra, com telefone e endereço. Havia manchas de perfume no cartão, idênticas àquelas encontradas na cartolina, na lixeira do escritório, com o mesmo perfume. Irritada, Dinah guardou a carteira rapidamente, mas teve de amassar o cartão ao perceber que o marido retornara e se dirigia ao quarto. A pressa e as mãos trêmulas não a deixaram perceber que o cartão de crédito do marido também caíra entre as roupas. Dinah sentou-se à cama, escondendo as mãos para disfarçar sua angústia. James não entrou no quarto, foi direto ao escritório. Ela saiu e dirigiu-se ao banheiro, onde permaneceu trancada por algumas horas.
Algumas semanas se passaram. Dinah não dissera uma palavra que a comprometesse, mas continuava como uma pantera, sempre à espreita. No final de janeiro, o ano era 1983, Dinah comunicou ao marido que precisava ir a Milão, na Itália, num congresso que duraria quatro dias. Ao todo, ficaria quinze dias fora, pois havia outros assuntos pendentes para resolver. Como de costume, James não criou qualquer empecilho. Ao contrário, mostrou-se solícito, oferecendo sua companhia até o aeroporto. No dia seguinte, James deixou-a no Aeroporto e retornou a casa. Seriam muito bons aqueles quinze dias, pensou. Dois dias depois, James convidou Sandra para vir a sua casa, mostrando-se ainda mais ousado.
Sandra chegou pela manhã, o sol já era intenso, o clima típico de verão. Trajava um vestido tipo tubinho preto, sapato com salto Luís XV e óculos de sol; portava uma bolsa em courino preta. Como toda bolsa de mulher, trazia uma infinidade de coisas, entre elas, um espelho pequeno para retocar a maquiagem, um perfume Charisma, da Avon, seu preferido, camisinhas, comprimidos anticoncepcionais, e um punhal de prata, seu companheiro inseparável. Sandra usava anéis em ambas as mãos, mas um era diferente, pois não tinha a pedra. Mesmo sob o sol forte, ela não abandonava o hábito de usar meias Kendal.
James apareceu à porta com um amplo sorriso. Sandra entrou e acomodou-se num lindo e confortável sofá de couro. Ele ofereceu-lhe uma bebida, mas ela preferiu apenas um copo d’água. James trouxe-lhe uma garrafa de água mineral, serviu-a e deixou a garrafa sobre o balcão do barzinho. Sandra tirou da bolsa o jogo de cartas de tarô e, como quisesse agradar seu parceiro, mostrou-o a James. Em seguida, colocou-o junto à garrafa de água.
James dirigiu-se lentamente ao aparelho de som e colocou uma fita do Alan Parsons, em volume bem baixo, quase um som ambiente. Fechou as cortinas, deixando a sala em uma calma e tranqüila penumbra. Aproximou-se de Sandra e deu-lhe um ávido beijo na boca, seguido de carícias e delírios recíprocos. Os beijos e carícias já duravam quase dez minutos, o sofá de couro, apesar de confortável e espaçoso, já se tornara incômodo. Tudo estava quase perfeito, se não fosse aquele vulto em pé no canto da sala, quase uma estátua, um expectador implacável. Era Dinah, que simulara uma viagem a Milão apenas para comprovar suas suspeitas.
Com uma frieza incomensurável, Dinah acendeu as luzes, olhou fixamente para o marido e exclamou:
— Era a última coisa que eu esperava na minha vida! Que decepção, James!
Enquanto James conversava com a esposa, tentando arranjar alguma saída, se é que havia, Sandra colocou-se por trás dele e, discretamente, retirou o punhal da bolsa. Foi em vão. Enquanto ela fazia esse movimento, ouviu um disparo, e James caiu aos seus pés se esvaindo em sangue. Frente a frente, Dinah e Sandra se olhavam nos olhos, cada uma com sua arma. Dinah continuava muda, maquiavélica, sombria. Sandra tentou argumentar: “Olha...”. Tarde demais. O primeiro tiro atingiu-a no peito, seguido pelo segundo na testa. Sandra caiu sobre o corpo de James. Dinah saiu calmamente, deixando para trás dois corpos e três cápsulas do seu Taurus calibre 38. Fechou a porta em silêncio, da mesma forma como entrara sem ser percebida, entrou no carro e sumiu.