GARIMPEIROS URBANOS

“Ganharás o pão, com o suor do teu rosto” assim está escrito na Bíblia Sagrada (Gen. 3: 17-19). Seguindo esta escrita o ser humano tem se aventurado nas mais variadas atividades para conseguir seu sustento e manter uma reserva monetária para as crises e os dias difíceis que vem e vão como uma onda no mar. Shemival é conhecido e respeitado no setor financeiro, como um próspero e bem sucedido comerciante de algumas gemas valiosíssimas, vários tipos de pedras semi-preciosa, bem como jóias de alto valor monetário. Ele possui um rosto quadrado, tem um grande nariz esparramado pelo rosto, e sempre que está longe do seu povo, usa sempre uns óculos escuro o que lhe permite estudar o ambiente sem levantar suspeita dos presentes. Ele é o filho mais velho de uma numerosa família de sírio-libaneses, residente na capital do estado de Goiás. Sendo descendente de árabes, sempre que pode está em reunião eles para comemorações religiosas, tratar de negócios, rever a sua numerosa família; enfim, manter as tradições de seus antepassados. A maior parte do tempo ele e os irmãos vivem viajando pelo interior de alguns estados (Goiás, Minas Gerais, Mato grosso, Pará e Rondônia), comprando gemas e pedras semi-preciosa para beneficiá-las e revende-las nos estabelecimentos comerciais de propriedade de sua família e de outros primos, formando assim, uma rede árabe de distribuição, estrategicamente distribuído por todo o território nacional, para onde as jóias são distribuídas de acordo com o seu valor e o poder econômico dos consumidores. O seu maior concorrente comercial em Goiânia e por toda a região é uma família de judeus liderada pelo respeitável Davi; primogênito e também um próspero negociante. Comprava jóias de procedência duvidosa, trocava Dólar por Reais, e vice-versa. Descontava cheques com ágio e emprestava dinheiro com juros altíssimos. Algumas vezes, Shemival e Davi se cruzavam em viagens, nas ruas de Goiânia e principalmente no banco onde faziam suas transações comerciais financeiras (eles sempre depositavam mais do que retiravam). Na presença um do outro, eles se tratavam com a maior cordialidade e até pareciam ser bons amigos, mas longe um do outro, cada um pensava que o outro atrapalhava seu negócio, pois se o outro não existisse, o preço da matéria prima seria um pouco mais barato, o que lhe permitia economizar nas compras e lucrar um pouco mais nas vendas.

Certa sexta-feira os dois se dirigiram ao banco um pouco mais cedo do que de costume, para fugir do tumulto de fim de semana. Mesmo assim, havia muita gente, mas eles como clientes vips, tinham seus privilégios: Não passavam pela porta comum, não pegavam fila e tinham sempre um gerente à sua disposição e de uns poucos outros clientes também vips como eles. Enquanto aguardavam alguns minutos, usufruíam de um ambiente tranqüilo, com água gelada, cafezinho, poltronas confortáveis e principalmente um banheiro, coisa que clientes comuns não têm, mesmo com a obrigatoriedade de uma lei. Fora do estabelecimento, o sol de outubro castigava toda a população com um calor peculiar da época e que faz cantar as cigarras pousadas nos numerosos coqueiros, mungubas e flamboiants que compõem a arborização presentes nas ruas e avenidas da capital de Goiás. Buzinas de carros e motos alertavam os transeuntes de que o sinal já havia se fechado, os vendedores ambulantes cercavam os clientes nas calçadas oferecendo-lhes frutas (uva, goiaba, caju, pêra, jabuticaba, maçã, e outras frutas regionais como gabiroba e araticum), sucos, picolés, sorvetes e água gelada, ao mesmo tempo em que alguns serviços de auto-falante anunciavam que suas mercadorias em ofertas estavam uma pechincha. Nesse ambiente competitivo, a vida segue com cada ser humano lutando para sobreviver neste competitivo jogo de acumular riquezas para depois, morrer estressado com um ataque cardíaco e deixar tudo para os filhos.

Naquele dia, Shemival levava consigo no bolso interno do paletó, um embrulho discreto contendo um lote considerável de valiosos diamantes arrematados em um leilão da casa de penhores, por um preço acessível, visto que os bancos preferem dinheiro em espécie e não bens materiais mesmo sendo estes muito valiosos. Enquanto aguardavam para serem atendidos, ele e Davi conversavam amistosamente sentados em um confortável sofá da sala vip, pois se sentiam em perfeita segurança dentro da instituição financeira. Por um instante as luzes se apagaram, mas logo voltaram a funcionar e para acalmar os clientes o gerente disse que aquela queda de energia provavelmente foi devido à queda de um galho de árvore sobre a rede elétrica, coisa comum nesta época do ano devido aos ventos e chuvas de verão. Derrepente ouvem-se tiros, barulho de vidros se quebrando e surgem quatro homens encapuzados e muito bem armados anunciando que um assalto estava em andamento e que se todos ficassem quieto ninguém sairia ferido e tudo acabaria bem. Os bandidos estrategicamente distribuídos por todo o banco começavam a coletar o dinheiro e os bens de todos os presentes. Um assaltante parou diante de Davi e Shemival e com gestos pediu os seus pertences, diante de uma arma apontada para o rosto, cada um entregou o que estava em suas mãos, mas o bandido, com uma certeza absoluta enfiou a mão no bolso de Shemival e retirou o embrulho que estava quase imperceptível sobre a sua roupa. De Davi, pegou Dólares e pequenas, mas numerosas jóias de ouro e brilhantes. Com todos deitados ao chão os bandidos foram saindo e deixaram uma arma apontada para eles por trás de uma cortina. Após a chegada da polícia, o comandante do batalhão de combate a assalto a bancos orientou as pessoas a se levantarem ordenadamente e que mantivessem a calma, pois todos os assaltantes já haviam saídos da agência tão secretamente, como tão misteriosamente haviam entrado.

O restante da tarde a agência permaneceu fechada e pouco a pouco os clientes foram sendo liberados após registrar, cada um, a sua queixa e responder as perguntas dos policiais. Muitos avisaram que iriam processar a instituição com intuito de serem ressarcidos dos prejuízos; tanto financeiros como emocionais alem do risco de vida e do stress pelos quais passaram. Tanto Shemival quanto Davi ficaram numa situação embaraçosa ao relatarem o que continha no embrulho que foram levados (pedras preciosas e dólares). Após várias perguntas respondidas e muitas explicações dadas (mais de uma vez) sobre a origem da pequena fortuna levada de cada um, os dois saíram da agência com cara de poucos amigos um com o outro, pois suspeitava que o concorrente tivesse dado dicas do que o outro tinha de mais valioso. Após os trabalhos preliminares de investigação e checagem de todo o cenário, a equipe de limpeza foi autorizada a entrar para fazer a faxina de sempre, apesar de aquele ser um dia atípico; a agência tinha que estar em ordem, pois naquela noite e no dia seguinte haveria trabalhos internos para fazer o balanço do que foi surrupiado e as medidas legais quanto ao seguro dos clientes. Durante a limpeza os operários separavam o lixo conforme sua classificação, pois muitos eram doados para uma cooperativa de reciclados, e uma pequena parte (restos de comida) era destinada ao lixão para serem tratados e reutilizados localmente como adubos pelo departamento de praças e jardins do município. Durante o tratamento, todo o lixo era muito bem misturado a uma grande quantidade de terra por uma máquina especial, deixado para curtir (decompor) por certo tempo, depois de pronto, tudo era reunido em um grande monte; e assim que fosse solicitado, eram distribuídas por toda a cidade que usavam como fertilizantes em suas praças, nos canteiros de hortas comunitárias, tanto das creches e asilos, bem como em lavouras experimentais de algumas escolas públicas.

Enquanto a polícia federal investigava o esquema e os possíveis autores do assalto, Shemival e Davi pedem ajuda às suas respectivas famílias para fazerem suas diligências, pois se ocorreu uma vez, o sinistro poderia se repetir novamente e o prejuízo ser bem maior, visto que alguém deu dicas do que eles tinham de mais valioso para ser levado, era muita coincidência, justamente naquele dia, justamente naquela hora, justamente aquela agência, era muita coincidência; todos concordavam. Através da análise de fotos do assalto, a polícia concluiu que a ação fora realizada com a participação de duas quadrilhas com táticas e objetivos diferentes, mas naquela operação, fora coordenada por uma chefia central. Era gente experiente, profissional, perigosa. Concluiu também que após o assalto somente um grupo teve seus objetivos alcançados: o grupo que retirou o dinheiro dos caixas e clientes, pois o grupo que se interessou pelas jóias não movimentou nada, garantiram os informantes da polícia; ou estavam esperando tudo se acalmar ou as pedras e jóias não saíram do banco com os meliantes, pois alguns suspeitos foram detidos, mas tiveram de ser soltos, pois não portavam nada oriundo do assalto.

Passados mais de dois meses do assalto ao banco, o empresário Barreto Braga procura a polícia e mostra um bilhete que recebeu dentro de uma carta deixada em sua caixa dos correios. O bilhete continha uma ameaça à sua vida se ele não desse conta das jóias desaparecidas no assalto. Então o delegado Menezes lhe contou tudo sobre as jóias e perguntou se ele tinha alguma informação de como elas poderiam ter saído da agência e onde poderiam estar, pois se esse bilhete chegou ate ele é porque as jóias saíram do banco por intermédio dele, ou seja, através do caminhão de lixo, uma vez que todos os seus funcionários da limpeza foram devidamente revistados ao deixarem o local de serviço. Então o delegado se lembrou de te assistido uma reportagem sobre a tentativa de assalto a uma cooperativa de catadores de papel e outros materiais recicláveis, e que na época ainda comentou: assalto a pobres? Isso é muito estranho! Agora começava a fazer sentido: os bandidos estavam procurando as jóias, e o bilhete era a prova de que não a encontraram, de que elas não estavam na cooperativa para onde fora direcionada. Algo aconteceu e o plano deu errado, mas o que? Indagava o delegado Menezes. Barreto Braga disse ao delegado que a parte não reciclada era destinada a um aterro onde era tratada, convertida em adubo, mas que a essa altura, já teria sido distribuída por toda a cidade, visto que as obras em várias praças tiveram em ritmo acelerado para melhor aproveitar o período de chuva farta. Decidido a esclarecer o caso, Menezes levou uma equipe bem equipada para o depósito de adubos orgânicos e após uma exaustiva garimpagem encontrou dois pequeninos diamantes, também denominado xibiu. Era a prova de que as embalagens foram trocadas dentro do banco e as pedras foram literalmente jogadas no lixo; como ali se trabalha a noite inteira, ninguém notou que naqueles sacos tinham uma pequena fortuna em jóias, pedras preciosas e diamantes. A noticia vaza, e um furo de reportagem dando conta do achado de diamantes, rubis, esmeraldas, safiras, brilhantes, pérolas e outras valiosas jóias no adubo fabricado e usado pela prefeitura rapidamente se espalha por toda a cidade, por toda a região, por todo o estado e por todo o país; com exageros cada vez maiores, em cada divulgação, rapidamente via internet, percorre o mundo todo, a notícia de que se pode encontrar um verdadeiro tesouro garimpando em uma praça perto de sua casa.

Após a onda do disse me disse e notícias desencontradas, houve uma verdadeira caça ao tesouro perdido que poderia estar em qualquer praça de qualquer bairro. Fato este que causou a destruição de quase todas as praças da cidade, principalmente as da periferia onde havia pouco policiamento e que recentemente foram inauguradas visando angariar simpatizantes e votos nas próximas eleições: Verdadeiros garimpos urbanos se formaram, pois a necessidade, a precisão e a ganância são elementos destrutivos incontestáveis dos recursos naturais; a busca pela riqueza, pela ascensão social através do dinheiro, a realização dos sonhos de consumo e, sobretudo o medo da miséria e da fome; faz do homem um predador inveterado, um destruidor inconsciente; confirmando assim a teoria de que ele é o único animal que não faz nenhuma falta a este planeta que Yuri Gagarim, um dia vendo-o do espaço disse ser azul.