RISCO IMAGINÁRIO

Prólogo

Suava frio na noite quente. A lua e as estrelas eram a única iluminação. Graças a Deus! Pois se o sensor acionasse a luz de alerta, certamente o invasor teria adentrado na mansão. Certamente seria a hora do confronto. A duvida então passaria a ser - Quem é o caçador e quem é a caça?

I

A casa foi assaltada duas vezes em pouco tempo e supostamente pelos mesmos elementos. Era isso que evidenciava os poucos rastros deixados, arrombamento com chave inglesa, preferência pelo roubo de mobílias e uma bituca de cigarro deixada não se sabe se por distração ou por provocação. Mas não houve uma perícia especializada, nem sequer polícia, os donos da casa prefiriram não dar alarde, dizem que porque o ex-despachante, atual empresário no ramo de pesca, não tem um passado que valha a pena mexer com autoridades.

O dono da bela casa , lindo jardim, píscina ao centro, área de lazer com churasqueira nos fundos, resolveu contratar seguranças particulares e aqui estou, caído de para-quedas, tremendo de frio e medo. Mas a noite é quente! O som do mar é a única coisa que quero escutar durante essas doze horas de pavor. Talvez o som das batidas do coração, sinal de vida e amor.

O cenário já impunha por si só certo medo. Morcegos tropeçando nos galhos dos coqueiros, uma coruja me observando como se quisesse me dizer algo e uma oferenda pra Cosme e Damião. Machado de Assis e Frederick Forsyth na mesma mesa, um falava do Brasil na época que era Império e outro preferia contar sobre boas noites que teve nos bordéis em Paris. Tudo era arrepiador , até mesmo a própria sombra que a luz dos postes refletiam, mas nada galgava medo tão bem quanto a imaginação.

II

A ultima vez que olhei o relógio naquela noite, já eram 3 e 45 da madrugada, vesti uma luva pra aquecer as mãos, dei a milésima bocejada e encostei a cabeça na parede, mas um pisão no chão arregalou minha quietação. Estava desarmado, não só por está sem arma, mas também pela falta de experiência. Me escondi atrás do sofá e em segundos minha vida toda passou pela minha mente. Questionei comigo mesmo o que era melhor, continuar escondido e morrer como um covarde naquele dia ou anos mais tarde ,ou morrer como herói. Todos os meus erros, minhas dívidas, inclusive meus carnês das Casas Bahia, tudo seria esquecido e perdoado. Um herói não tem deveres legais a cumprir , não tem regra, não tem lei. Durante meu leito de morte possivelmente fariam um discurso, talvez dizendo:

_Foi um grande homem. Um sujeito de bom coração que partiu desse mundo gozando de plena juventude, mas marcou a todos com sua história de coragem, como se não bastasse protegeu uma família e a casa de pessoas de bem, oferecendo heroicamente à própia vida.

...

Era enfim minha oportunidade de não passar por essa vida em vão, sem memória e sem herança. Apostei todas minhas fichas nisso e como um leão rugi, como um Tarzã estufei e bati contra o peito e como um guerreiro medieval corri em direção aos mal-feitores em movimentos lineares. Atirei as duas pernas no peito de um e quando me levantei pra golpear o segundo, o terceiro disparou em meu pescoço, assisti com certo humor o sangue jorrar do meu pescoço, esguinchar daquele jeito, naquela lonjura, sempre pensei que fosse só coisa de filme, pelo menos uma descoberta antes da morte. O segundo disparo veio de um calibre maior e mais barulhento, o som explosivo da bala me despertou daquele terrível pesadelo e ao passar a mão na minha cabeça procurando sangue, só encontrei um galo que fiz por batê-la na parede por susto.

III

Meio sonolento atendi o rádio, era meu irmão embriagado e próximo da casa, pedindo pra tirar um cochilo lá até completar as seis da manhã e ir então embora comigo.

Não estava mais sozinho. Em jogo não era mais apenas minha vida, mas também a do meu irmão, principalmente a dele. Pois meu amor por ele fazia a procupação passar de mão. Sentia como se estivesse ali para protegê-lo ,e também por mais que ele estivesse bêbado, desarmado como eu e dormindo feito um urso, nessas horas somente a presença de alguém já passa uma certa segurança súbita e até um pouco estupida.

Meu medo esvaiu-se feito a noite que lentamente clareia e transforma-se aos poucos em dia.

FINAL

Meus olhos viram a luz do dia. Nunca foi tão mágico ver o sol. Nunca foi tão bom passar a mão sobre o própio corpo e ter a estranha sensação de estar vivo. Pela primeira vez sorri para a vida e compreendi até o que a noite não ensinou. Não há barreira em todo o universo que não pode ser superada, pelo menos enquanto houver um coração batendo dentro do peito.

FIM

Guilherme Sodré
Enviado por Guilherme Sodré em 06/10/2009
Reeditado em 08/10/2009
Código do texto: T1851743