PLATAFORMA “H”
De Miguel Perira de Almeida
Vinte e dois de Setembro de 2005, mas um ano que me é passado com a dor e a saudade de minha família... Amigo diário, eu já não sei mais o que escrever, e se outra pessoa vai ler você. Se alguém o ler, espero que não me condene. Pois tudo que faço é conseqüência do ato de uns homens que usou e abusou do seu mórbido poder... Sei que a vida que levo é obscura, é semelhante uma bolha de sabão “dentro expectativa e fora somente sobrevivência ”.
Quando criança, eu queira ser igual ao papai, mas o meu querer foi roubado, arrancando de mim como se arranca uma fruta de árvore. A sociedade sabe que eu existo; pois as perturbo quanto pouso... Na verdade nada produzo, somente cultivo a ira que é o meu alimento do dia e das noites também...
Era primavera de 1980, o papai o senhor Januário Ambrosio, homem corajoso cumpridor de suas obrigações... Além de mim ele tem mais uma filha Ana Rita que herdou o mesmo nome de Mamãe. Naquela primavera a minha família foi destruída... Os seus autores cortaram para sempre os meus sonhos de viver uma vida digna...
Morávamos no alto da Serra do Cabral fazendo carvão para um empreiteiro, apesar das dificuldades, vivíamos felizes. Já tinha o meu machado “Colina”(*), foi um presente de papai e a nossa residência era em um rancho erguido de pau barro e capim. Nas folgas do trabalho, eu, papai e o cão feroz sairmos para a caçada de tatu, sempre nas noites de luar.
Numa manhã nós estávamos preparando para sair para o trabalho, um automóvel da Policia Florestal do Estado de Minas Gerais estacionou em nossa frente da nossa casa, um soldado falou de forma rude com papai, sair chorando... A mamãe me abraçou e reclamou com eles:
- Ele só tem oito anos, mas ela foi retrucada.
- Esta indo pro mau caminho...
Logo depois daquela visita o empreiteiro despediu o papai do serviço, alegou que o estado não autorizava mais o corte de árvore. (O inexplicável que dias depois de nossa saída o terreno foi vendido para uma empresa de reflorestamento do estrangeiro). O papai sem trabalho estava desesperado quando ouviu no Rádio o pedido de trabalhadores para a capital mineira. Ele não pensou decidiu mudar-se para oferecer uma vida mais digna para nós. Quando foi despedir do meu padrinho o senhor Joaquim que o presenteou com um punhal. Na noite de Setembro, a nossa família entra no ônibus que faz as linhas do norte da Minas Gerais a destino a capital do estado. Depois de uma noite de viajem ás 8 horas da manhã o ônibus estacionou na plataforma “H” na rodoviária... O papai na euforia juntou os sacos de nossa mudança e colocou no pé de uma pilastra. A mamãe encostou junto à parede colocou a Ana Rita no seu colo, deitei ao seu lado...
Passou algum tempo o papai saiu para providenciar o nosso destino. Depois de um certo tempo ele não apareceu à demora causou preocupação na mamãe...
Quando o papai demorava lá na Serra do Cabral ia atrás dele, deixei o colo de mamãe e sai assim que avistei do lado de fora da rodoviária avistei muita gente e automóveis assustei, nada pude fazer, voltei para colo de mamãe o mais seguro...Chorei e recebi seus afagos. Afagos que sinto falta até hoje... Além da minha preocupação, sentir a angústia de mamãe. Sem nada pudermos fazer somente esperar, logo adormeci... Não sei quando tempo de o sonho roubou a minha agonia... Acordei assustado com os gritos de mamãe, assim que abri os meus olhos vi uma cena de extrema crueldade dois policiais arrastando o papai. Cena que nunca imaginária presenciar.
- O que aconteceu? Perguntou a mamãe
- Sai pra lá sua vagabunda.
Respondeu um dos policiais.
O papai reagiu, mas estava algemado, olhei para os seus braços que nunca se levantaram contra mim e nem para a Ana Rita. Levantaram sim para cortar árvores de onde retirava o dinheiro pra o nosso sustento... Estavam amarados... No instante juntou muita gente ao nosso arredor, e cada um emitia suas opiniões.
- Tem documentos? Perguntou um dos policias.
- Não. Respondeu a mamãe.
- Então ele vai para o deposito de preso da Lagoinha. Além dele não ter documento estava armado.
- Isto não é arma!!!
Respondeu o papai, e prosseguiu:
- Esta é uma faca que ganhei de presente.
- Vai explicar pra o delegado.
O papai tentou retirar o dinheiro para a mamãe, o policial com uma pinta no nariz, acertou um soco no seu rosto e arrastou como se arrasta um animal. Vendo aquela brutal cena a mamãe grita desesperadamente e eu a chorar e pedindo para eles soltá-lo. Ainda vejo lágrimas derramando no seu rosto melancólico.
- Deus, Deus lamentou a mamãe.
Nada nos podíamos fazer a não ser esperar a volta do papai. Passavam muitas pessoas com olhares estranhos, e eu chorava muito. A mamãe sem saber o que poderia fazer, começou a rogar a Deus. Este Deus que hoje questiono, e duvido da sua justiça. Já passavam das 2 horas da tarde, ainda ontem nós estávamos lá na Serra do Cabral e sentíamos muito felizes e cheio de planos... Papai queria mudar para Belo Horizonte, para que eu e a Ana Rita estudaríamos, pois não queria que nós fossássemos carvoeiros. Ainda lembro-me meu machado colina que todas as manhãs quando o papai afiava-o em uma pedra de areia, fazia companhia, e ele dizia:
- Filho você é o homem da família.
As horas iam passando e cada fez ficava aflito... Sem saber o que estava acontecendo com o papai. Pois deste do meu nascimento ele nunca havia nos deixando sozinhos. Estávamos vivendo somente desgraças nas primeiras horas na capital mineira. A Ana Rita soluçava de fome, e a mamãe continuava a chorar... Então me lembrei que o papai falou, fui até um bar e pedir um pedaço de bolo para o caixa, além de não me dar o bolo ele me maltratou...
Fiquei de cabeça baixa, passava um rapaz que me ofereceu um dinheiro. Qual eu agradeci-o... Dinheiro, que deu para eu comprar além do bolo um saquinho de leite, quando paguei o homem do caixa, prometi que iria matá-lo, por não ter pena da fome de Ana Rita. Aquele lanche deu para nos alimentar...
No outro dia lá pelas 10 horas o papai ainda não havia aparecido. Quando vi os malditos dos policiais que o retirou de nós, tremi de raiva... Se soubesse onde eles o levaram iria procurá-lo, aproximei dos policias e vi a pinta no nariz do desgraçado, falei comigo mesmo:
- Vou matar você...
Depois do meio dia apareceu uma mulher, dizendo que se tratava da assistente social, e veio acompanhada com os mesmos policiais que havia prendido o papai. Perguntei:
- Onde esta o papai?
O infeliz negou dizendo:
- Não sei do que você esta falando.
Furioso eu retruquei:
- Vou te matar.
A mamãe raiou comigo...
- Mas vou matar este miserável, se ele não devolver o papai.
Eles saíram de perto, sem nada responder.
A mulher falou que o papai estava preso e que ficaria alguns dias na cadeia, por não ter documentos e estava armado. A mamãe argumentou que agente era carvoeiro e não sabia se andar com uma faca era crime... Ela respondeu:
- Não pouso fazer nada, pois somente a justiça poderia falar do caso. E prosseguiu:
- As suas presenças estão causando mal-estar e muito falatório, e que já tem muitas reclamações, que o seu filho esta mendigando.
- Dona eu não estou mendigando, estou com fome, por isso que pedi... Pois soldado além de bater no papai roubou o seu dinheiro. Agora o que agente faz?
A mulher não respondeu ficando em silencio, mamãe falou:
- Agente não pode volta para a carvoeira sem o meu marido. Se a senhora mandar soltar ele, agente voltar lá para Serra do Cabral.
- Não posso. Como a senhora se chama?
- Ana Rita.
- Então dona Ana Rita, como a senhora não poderá ficar aqui com os seus filhos. A Senhora poderá ficar por uns dias no abrigo até resolver a sua situação.
- Não tenho dinheiro e não conheço nada nesta maldita cidade.
- Mais um razão para a Senhora ir, pois garanto que no abrigo é muito melhor que aqui. Quanto o resto não se preocupe...
- A mamãe ficou pensativa.
- Dona Ana depois que a senhora estiver no abrigo poderá visitar o seu marido.
A mamãe aceitou a proposta da mulher. Passando algumas horas um automóvel nos levou para o abrigo Belo Horizonte. Ao chegar um homem mandou cortar os meus cabelos para eliminar os piolhos, pela a primeira vez fiquei careca. Foi mostrado o quarto para a mamãe ficar. Tudo ótimo, somente a falta de papai me causava tristeza. O homem que nos recebeu falou para a mamãe que ela teria que trabalhar para ajudar na lida do abrigo. Não posso negar, mamãe era uma mulher muita trabalhadora. Aos poucos foi conquistando os funcionários. Dona Maria depois ouvir a nossa história levou a mamãe para visitar o papai na cadeia. Assim quando ela retornou estava muito triste de vê o papai enjaulado e muito abatido, ele quase não queria falar... Mas havia mandado abraços pra mim e a Ana Rita, e que estava com muitas saudades de nós. Eu chorei, ao ouvir a mamãe, mas revia as imagens dos policias maltratando o papai, imagens que vejo ate hoje... O desejo de vingança entrou de vez em minha alma. Duas semanas se passaram à mamãe recebeu uma visita de uma pessoa, assim que ela ouviu a estranha, saiu em prantos... As suas amigas foram socorrê-la. Tarde desgraçada da minha desgraçada vida, a noticia foi que papai havia morrido na cadeia. Segundo a noticia do seu falecimento foi de mal de chagas. Não acreditei, ele foi morto de tanto apanhar pelos policiais...
Naquele momento as minhas vistas escureceram sair correndo pelo corredor, fui parar num canto do pátio aos gritos.
- Vou matar aquele filho de uma égua que matou o papai.
A mamãe vendo o meu desespero me abraçou e falou:
- Filho agora seja o que Deus quiser.
- Mamãe o que Deus quiser eu não sei... Mas que vou matar aquele desgraçado isto eu prometo o papai.
- Tire esta idéia meu filho.
Passei a reviver todos os momentos que juntos passamos na carvoeira... Mas nas cenas do maldito policial espancando o papai roubavam aqueles últimos e belos momentos... Naquela manhã ainda tinha a esperança de ver o papai vivo para poder abraçá-lo, mas com a noticia de sua morte tudo acabou... Por que deixamos a Serra do Cabral? Gritava em vão. Dias depois o corpo papai foi enterrado como indigente no Cemitério da Paz. Naquela tarde vi no rosto de mamãe toda a tristeza do mundo. Havíamos perdido a pessoas de que mais amávamos. Pedido por causa da maldade de homens que usam uma farda e um distintivo policial. Eu chorava, e chorava e maldiçoava os policias que matou o papai. Nada, nada poderia fazer a não ser soluçar, e derramar muitas lágrimas que até hoje molham o meu rosto quando revivendo lembranças dele... Pai te amo muito.
Passou há primeira semana e a segunda, um mês outro mês depois de três anos, o diretor do abrigo alertou a mamãe que nós não poderiamos ficar por muito tempo. Ele estipulou um prazo para nos sairmos do quartinho. Nesses três anos vivendo no abrigo, juntei com outros meninos, já estava vigiando carros nas ruas e pedindo dinheiro aos motoristas nos sinais. O tempo e as dificuldades roubaram as minhas lembranças da carvoeira do meu machado Colina.
O prazo estipulado da nossa estadia no abrigo terminou. Uma amiga de mamãe conseguiu um pedaço de terra na favela Cabeça de Porco, e com auxilio nós construímos um barraco e passamos a viver em nossa casa. Sentia falta das ruas... Já com os meus 12 anos completos, eu irritando-me com freqüência. Mamãe se viciou em beber cachaça e cerveja... Deixando de ser aquela mãe carinhosa e passou a nos maltratar, estava irreconhecível... Sempre surrava a Ana Rita.
Numa noite foi surpreendido com um homem encima dela, estavam fazendo sexo. Fiquei furioso e gritei:
- Se o papai tivesse aqui, isso não estava acontecendo.
Naquela noite sai de casa passei a sobreviver nas ruas, daquele momento em diante assumi a vida de pivete. Não aceitei de forma alguma que a mamãe fosse mulher de outros homens. Com a velha turma aceitei a suas propostas, passei a cheirar cola de sapateiro e fumar maconha. O dinheiro que ganhava nas vigias dos carros não dava para pagar os traficantes. Então passei a fazer pequenos furtos e bater carteira nas ruas do centro da cidade. Nos meus momentos de delírios causados pelo efeito das drogas, ficava na plataforma “H” onde foi o marco da mudança de minha vida, passava a reviver a dor que papai sofreu na primavera dos anos 80...
A ira tomava todo o meu ser olhava para o caixa que ainda trabalhava e o policias que desgraçou a vida de minha família.
No mês de Dezembro com toda a euforia da cidade por causa das festividades natalinas, senti uma vontade de cumprir uma das minhas promessas... Reuni a galera e intimei uma arma. Rapidinho um dos colegas apareceu com revolver 22. Passei a vigiar o caixa, na noite de 24 de Dezembro decidir vingar a fome de Ana Rita. Quando o caixa deixa o seu trabalho, eu abordei-o e apontei o revolver em sua direção. Ele implorou:
- Pelo amor de Deus leve o que você quiser...
- Hoje não quero roubar...Vou te matar.
- Qual é o seu interesse de me matar:
- Fome, a fome. Além de matar você vou matar o policial seu amigo. Você vai morrer porque não deu um pedaço de bolo, para matar a fome de minha irmã Ana Rita e me denunciou...
- Mas faz tanto tempo.
- Você se lembra... Engraçado tanto tempo para você.
Detonei cinco tiros no seu corpo, ele caído no asfalto sai do local. Aquele crime foi mais um na violenta capital. Mas para mim não era mais um, foi um crime de vingança. Pois a dor que passei naquela tarde Setembro dos anos 80 é profunda, e me fere até hoje... Queria que a família do caixa sentisse a dor e a revolta a qual eu sou portador... Com quinze anos de idade tornei um assassino, não era o sonho do papai.
“Amigo diário deixou claro que sou viciado em drogas e assaltante... Mas este assassinato foi para cumprir parte de minha promessa, sinto me realizado com a alma mais leve nesta noite de natal...”.
Depois daquela noite que vi um homem encima de mamãe, não voltei em casa, continuei a minha jornada de delinqüência... Já não sou mais usuário da maconha e passei a usar a cocaína e o crak. A minha obstinação é vingar do policial. Passei a segui-lo descobri que ele mora lá para as bandas da cidade de Contagem, e que tem um filho o qual lhe era muito querido. Tinha que causar dores profundas no desgraçado. Se o matasse pouco adiantaria. Então roubei os documentos do rapaz e o seu telefone celular, no dia especial de sua vida, a data do seu aniversario o matei e fiquei próximo do local. Entre a multidão o seu pai apareceu, quando ele reconheceu o corpo do filho, e em grande lamentação e jurando vingança... Eu afastei da multidão e telefonei para o seu celular, pois estava gravado no aparelho do seu filho. Ele atendeu a chamada:
- alô
- Como esta passando?
- Muito mal.
- Por que?
- Hoje tive uma grande perca, um vagabundo assassinou o meu filho?
- Lamentável... Por favor, olha no visor do seu telefone.
- O telefone roubado do meu filho! Quem esta falando?
- Isto não importa. Não tente fazer nada, pois estou muito próximo...
- Mas porque isso.
- Lembra de Setembro do ano de 1980, na plataforma “H” na rodoviária você prendeu um homem simples que tinha acabado de chegar do norte. Além de ter pendido foi estancado e roubado por você? Tudo porque ele estava com uma faca que havia ganhado de lembrança. Ele morreu na cadeia, porque você o espancou ate a morte...
- Mas isso faz muito tempo.
- A mesma coisa... Fazia muito! Mas para mim foi ontem e esta sendo hoje, por causa da sua maldade a mamãe viciou em álcool, a minha irmã se prostituiu e eu que vos falo um drogado e assassino. Falando em assassino, foi quem matou o seu amigo, o caixa da rodoviária.
- Mas por que assassinou o meu filho?
- Pra mim pouco importa se ele ou você, ou a puta que te pariu... Decidir matar o seu filho, para que você e sua família possam sentir a mesma dor que sinto, deste daquela tarde onde a sua covardia foi o causador de toda a desgraça de minha família. Hoje me sinto vingado...
- Qual é o seu nome:
- Pouco importa,
- Qual é o seu nome?
- Sou a sua escória...
- Alô, alô. O maldito desligou o telefone.
“Papai eu não sou aquilo que sonhaste, mas sou aquilo que eles fizeram eu ser”.
Carla, no pequeno tempo de nossa existência planetária aprende a maldiçoá-lo, às vezes embrenhamos por caminhas que nos levam em lugar algum. Devemos esperam com sabedoria, jamais ganância, assim eu penso. Obrigado pela sua gentileza.