O motorista, o cobrador e os marginais

Irineu, desde criança, sempre quis ser caminhoneiro.

Talvez por influência paterna, já que seu pai, havia décadas, laborava num Mercedes Benz vermelho 1113 trucado, ano 71.

Mas não era, era motorista de coletivo na capital.

Já na idade adulta fora morar em São Paulo com a esposa em busca de oportunidades melhores e com sua carteira de motorista “classe E”, presente do pai, logo iniciaria na profissão de motorista de ônibus.

E assim foi por longo período. Irineu acordava ainda de madrugada e iniciava sua jornada a pé até a estação metro sentido sul ao norte.

Subia em Jabaquara e descia na Armênia.

Já na garagem da empresa de viação inter-municipal tomava posse de seu veículo coletivo e partia na busca intermitente a coletar pessoas, os metropolitanos.

Irineu via por meio de suas retinas, um tanto fatigadas pelo acúmulo de labor durante anos e anos, trabalhadores, desocupados, jovens em busca de um futuro promissor, jovens sem futuro algum, mulheres gestantes, mulheres com crianças, policiais, bombeiros, atletas iniciantes, professores no inicio de carreira, professores quase a aposentar, poetas e filósofos entre outros tantos.

No dia dos pais, porém, Irineu fez o que seria seu último itinerário. Fato que narrarei a seguir.

Estando a conversar com o colega cobrador, ocioso naquele momento, já que quase ninguém fazia uso do coletivo naquela ocasião, percebera a entrada intempestiva de alguns jovens completamente ensandecidos e com um objetivo fúnebre: queriam dizimar vidas e adquirir matéria, não importasse quais, desde que alheias.

Fizeram-no parar.

Irineu um quase herói anônimo não se deixou intimidar e numa tentativa frustrada tentou se deslocar até uma DP que ficava três quadras acima de onde transitava.

Percebendo a alteração de rota, foi, de súbito, covardemente agredido com uma coronhada na cabeça sem chance de defesa pelo líder delinquente.

Caiu para o lado esquerdo e seu corpo se apoiou suavemente na lata do veículo.

O cobrador, dizia em ressonante voz que deveriam ter piedade de todos e poupassem suas pobres vidas.

Num diálogo ríspido e esquizofrênico os marginais ordenaram para que todos descessem.

Antonio, o cobrador não mais ocioso, tentara ainda numa última atitude, arrastar o colega para fora quando se sentiu ostensivamente interrompido por uma mão armada apontando para seu peito suado e pulsante.

Todos desceram, menos Irineu inconsciente.

O pai de três meninas que ainda estudavam o fundamental sucumbiu lentamente às chamas que incendiaram todo o carro coletivo e parte da fiação elétrica e telefônica da rua em que jazia um trabalhador anônimo; em breve, manchete televisiva e primeira página do jornal sensacionalista que correria pelas bancas no dia seguinte.

Não houve gritos, talvez dor.

Mas Irineu ficara inconsciente durante todo o período em que labaredas vermelhas e fumaça preta subiam ao céu parcialmente nublado.

Naquela manhã de inverno, século XXI a barbárie humana prevaleceu na vida daquela família, agora órfã de pai.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 29/07/2009
Reeditado em 17/11/2014
Código do texto: T1725386
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.