Tigresa (primeira parte)
Sebastian colocou dois croassants de queijo e presunto na pequena bandeja quadrangular de isopor.Agora faltava a sobremesa.Um folheado de maçã que parecia delicioso foi "convocado" da extensa mesa de doces do posto de conveniência 24 horas.Aquilo bastaria para aplacar sua fome,pensou.Depois de pesar e embalar tudo encaminhou-se ao caixa.Enquanto aguardava sua vez de pagar,lembrou-se que não tinha nada para beber em casa além de água.Abriu a porta do refrigerador,que ficava estrategicamente localizado bem perto da fila,e pegou uma bebida energética.Ao reparar nas pessoas que estavam na sua frente aguardando o momento de pagar,seus olhos fixaram-se numa moça em especial.Ela usava boné,calça jeans de cintura baixa,sapatos de salto alto tipo plataforma e uma blusa de alça,sendo todas as peças de grifes famosas.Tinha o cabelo,longo e castanho,preso todo para trás,o que deixava à mostra um pescoço lindo e duas pequenas orelhas de lóbulos presos que pareciam ter sido esculpidas por Michelângelo.Mas o que realmente impressionou Sebastian foi a tatuagem que a moça exibia do lado esquerdo das costas salpicadas de pequenas sardas:as palavras "Muai Thay",com um símbolo oriental desenhado entre elas,encimavam um tigre em posição de ataque.Exceto pelo azul turquesa que tingia o centro do símbolo e pela fina listra amarelo escura no dorso do felino,tudo havia sido feito com tinta negra,o que dava um toque requintado ao desenho.
A beldade comprou um maço de cigarro e um chiclete sem açúcar.Ao pegar o dinheiro na carteira deixou cair algumas moedas e uma delas rolou até os pés de Sebastian,que abaixou-se para pegá-la.Ao devolver o dinheiro à moça,ele sentiu uma espécie de choque elétrico percorrer seu corpo durante o breve toque de seus dedos na palma da mão da jovem.Sem aparentar ter tido a mesma sensação,ela agradeceu a gentileza,pagou a despesa e saiu da loja.
Ainda com a imagem da moça fixada na retina,Sebastian deixou o local.Minutos depois,dirigindo,ponderava consigo mesmo se não deveria ter puxado papo com aquela belezura;mas logo concluiu que não teria a mínima chance e procurou admirar a beleza que a praia da Barra exibia mesmo as dez horas da noite.
O aroma dos croassants o estimulava a chegar mais rápido em casa quando um estouro na parte da frente do veículo o assustou.Imediatamente parou o carro no acostamento,saltou do carro e constatou,desolado,que um dos pneus dianteiros estava rasgado na lateral.Abriu o porta malas,tirou o macaco e o step,colocou o triângulo alguns metros atrás do carro e iniciou a troca.Levantou o carro,tirou o pneu avariado,colocou o substituto na posição,e quando estava dando os últimos apertos nos parafusos,levou um chute que o fêz largar a chave de roda e cair para trás.Não foi um chute tão forte assim,mas o elemento surpresa compensou a falta de potência do golpe.Caído,Sebastian viu dois homens;um deles fechava o porta mala do carro,enquanto outro vinha em sua direção.Ao pegar seu braço,o desconhecido falou rispidamente:
__Vamos dar um "rolé"!
Sem alternativa,ele entrou no banco traseiro junto com um dos assaltantes enquanto o outro assumia a direção.Antes de arrancar com o carro,o novo motorista fez um sinal com umas das mãos para um fiat stilo preto que estava alguns metros atrás deles.O veículo piscou os faróis em resposta e passou a seguir o carro de Sebastian,que tomou o caminho do Recreio dos Bandeirantes.Ameaçado por um revólver 38,o sequestrado não perguntou nada durante a viagem.
Como todo bairro relativamente novo,algumas localidades do Recreio ainda são meio desertas,e foi justamente para um desses locais que Sebastian foi levado.Ao parar o veículo numa rua mal iluminada bem embaixo de uma frondosa árvore,o homem que estava dirigindo virou-se para trás e falou:
__Você vai falar com o nosso chefe.Se tentar alguma gracinha meu amigo passa fogo em você.
O marginal que estava no banco traseiro apertou o cano da arma contra a cintura do cativo.Logo depois os três saíram do veículo e dirigiram-se para uma imponente casa de dois andares ali perto.O fiat stilo permaneceu estacionado logo atrás do carro de Sebastian.
Apesar das luzes externas estarem quase todas apagadas,quando os três entraram no imóvel depararam-se com uma ampla sala de estar fartamente iluminada.Quatro homens,dispostos um em cada extremidade do cômodo, guardavam o local.Praticamente ao mesmo tempo um senhor de seus cinquenta anos vestindo calça de linho e camisa social apareceu,descendo de um mezanino localizado bem em cima do cômodo.Imediatamente fitou Sebastian de cima a baixo.Terminado o reconhecimento visual,o homem disse:
__Você não parece ser do tipo corajoso.
__O quê?__perguntou,surpreso,Sebastian
Mal acabou de falar,recebeu uma cotovelada de um dos seus raptores nas costelas.Ao reclamar do golpe recebido,levou um tapa no rosto.Percebendo que Sebastian tentava controlar seu ódio,o senhor disse:
__Você só fala se eu permitir,entendeu?
Sebastian engoliu sua raiva e fez um sinal positivo com a cabeça.O chefão continuou:
__Como eu ia dizendo;você não tem cara de herói,e ainda assim me causou um prejuízo tremendo.
__Prejuízo?__falou Sebastian,quebrando novamente a regra imposta.
Um novo tapa;desta vez na boca.O chefe continuou:
__Você não devia ter encorajado aquela vadia a relatar à polícia a existência da minha casa de "diversão para maiores" em Jacarépagua.Lembrou agora?
O pânico invadiu todas as células de seu corpo.Ele agora entendia por que estava ali:meses atrás ajudara uma adolescente que batera em sua porta tarde da noite implorando ajuda.Ela lhe contara que trabalhava para um grupo de traficantes que a obrigava a fazer programas sexuais e entregar todo o dinheiro arrecadado para eles.Também revelara que tinha acabado de sair de um dos apartamentos do prédio,onde fizera um "atendimento",e era aguardada na calçada em frente por um dos traficantes,que a levaria para o próximo programa.Comovido,ele acolheu a jovem em seu apartamento e ligou para a polícia.A jovem foi escoltada até a delegacia,onde revelou que tinha vindo do Paraná sozinha,pois brigara com os pais.Sem conhecer ninguém no Rio,caiu nas garras dos exploradores,que prometeram-lhe trabalho com dinheiro fácil.A moça contou também que existiam outras garotas que,como ela,eram mantidas naquela vida contra a vontade,e revelou o local do cativeiro onde todas ficavam quando não estavam "trabalhando".Com o depoimento da menina,a polícia estourou a casa de prostituição de menores e prendeu meia dúzia de marginais.Pelo visto,o bandidão queria vingança.Sebastian argumentou:
__Eu fiz o que qualquer um com o mínimo de humanidade faria.
__Que comovente!Um bom samaritano.__falou o mafioso em tom de escárnio,enquanto fazia sinal para o capanga não bater no prisioneiro desta vez.
Como não queria encarar seu algoz diretamente nos olhos,Sebastian desviou o olhar para o lado.Foi então que vislumbrou quatro vazos de cerâmica retangulares dispostos separadamente em nichos feitos na parede.Pequenas árvores em miniatura cresciam dentro de cada um deles.Tijolos refratários na parte externa da parede proporcionavam a luz necessária.Percebendo o interesse de seu hóspede pelas plantas,o "capo" falou:
__Conhece Bonsai?Eu acho que não.Seria esperar muito de um corretor de imóveis vagabundo.
Sebastian queria falar que além de conhecer tinha um em casa,presente de uma ex-namorada.Na época,com medo de que a pequena árvore morresse,fêz um curso e aprendeu como cuidar da planta.Agora,mesmo com o rosto e as costelas doendo pelos tabefes não pôde deixar de admirar a beleza dos espécimes:um era do estilo Sekijoju,outro do estilo Moyogi,e os dois restantes foram cultivados no estilo Yose-uê.Ele queria esfregar na cara daquele marginal presunçoso todo o seu conhecimento sobre aquela arte,mas,devido as circunstâncias,calou-se.Aparentando naturalidade,como se o que fosse falar em seguida fizesse parte de uma simples rotina,o chefão ordenou:
__Quero tudo do jeito que eu determinei:carro ladeira a baixo explodindo,motorista morto,e ausência de provas ligando o ocorrido a nossa organização;entenderam?
__Perfeitamente__respondeu o capanga que dera os tapas,para em seguida perguntar__Quem o senhor quer que faça o trabalho?
__Ela.
O chefão apontou para a porta da sala,por onde entrava naquele momento uma mulher de corpo atlético.Sebastian virou sua cabeça na direção do vulto feminino e ficou sem ar.A moça do posto de conveniência estava ali,parada,aguardando a hora de levá-lo para a sepultura.