Dadeu e a prisão das putas

A terceira promoção de Dadeu assegurou-lhe a posse no comando de uma Delegacia de Polícia numa cidade do nordeste gaúcho, em franco crescimento graças à instalação de um frigorífico de frangos, onde havia poucos meses o Tribunal de Justiça instalara uma sede de Comarca, com direito a Juiz togado e Promotor de Justiça , ambos jovens que estavam na chamada “primeira investidura”, ou seja, eram marinheiros de primeira viagem.

O Delegado Dadeu nem bem desmanchou suas malas, tomou conhecimento de uma crise que havia se estabelecido no município, decorrente da decretação da prisão preventiva de todas as donas de prostíbulos . O jovem promotor havia recebido uma denúncia de uma mãe , porque sua ingênua filha de apenas dezessete aninhos de idade , estava “trabalhando” na zona do meretrício, acompanhada de outras menores. Ele não pensou duas vezes em pedir a prisão das empresárias do amor ...

O Juiz que era “unha e carne” com o Promotor nem terminou de ler o pedido e já foi redigindo seu despacho, acolhendo o pedido e determinando o recolhimento imediato das cafetinas ao Presídio Municipal , naquele tempo chamado de “cadeia pública” , recomendando, contudo em decisão muito bem fundamentada que as mulheres fossem mantidas numa mesma cela, distante dos demais presos , “para evitar confusão” ...

Dadeu, já homem maduro e com a bagagem de ter vivido anos em lugarejos onde ele era a maior autoridade – para não dizer única – percebeu que aquilo , além de constituir-se numa “baita” dor de cabeça , era uma ação estéril que só iria trazer desgastes para todos os envolvidos , mas ficou esperando um chamado do Juiz e do Promotor, já se preparando para um diálogo conciliador. Não queria problemas, mas tampouco abria mão de fazer suas considerações.

Não durou uma noite a expectativa do policial, pois na manhã seguinte recebeu um telefonema do Fórum, convocando-o para uma reunião a portas fechadas. Quando ingressou na sala do Juiz o magistrado estava cevando um mate para alcançar ao Promotor. Dadeu sentou-se e logo ouviu do Promotor: - “E aí Delegado como estão as cafetinas ? – no que foi secundado pelo Juiz: - “Vamos eliminar essa praga social !!” ...

As duas jovens personalidades cruzaram olhares quando Dadeu não lhes respondeu nada acerca do questionado, limitando-se a dizer – “Espero que vocês se adaptem logo à vida no interior” ... e logo foi tomando um chimarrão e avançando no bate-papo disse: - “olha eu vivo no interior há muito tempo e tenho que ensinar algumas “manhas” para vocês – é claro que com a devida permissão – mas creio que poderei ajuda-los ...

Intrigados os dois jovens que haviam sido criados na capital – filhos da classe média alta – se detiveram a escutar a “voz da experiência” . O Delegado Dadeu demonstrando um cabedal de conhecimentos que nenhuma faculdade passa , foi ponderando ao Juiz e ao Promotor que as putas existem desde quando Jesus Cristo andava pelas ruas da velha Jerusalém e que na Babilônia elas eram comuns nos palácios do poder. E tem mais uma coisa, aqui nestes lugarejos elas são arquivos vivos e sabem tudo da vida pessoal dos poderosos e até das pessoas “influentes” ... ao final, sem meias palavras sentenciou : - “Olhem meu conselho é que vocês chamem os advogados das putas e façam um acordo – eles apresentam alguns documentos de bons antecedentes e declarações de boa vizinhança e com mais alguns dias de cadeia soltam-se as vagabundas” . E arrematou – “sem necessidade de Hábeas-Corpus” e sem nenhum desgaste para ninguém ...

Sem condições de dar uma resposta às sábias ponderações a dupla invadiu a madrugada trocando opiniões, mas já no outro dia foram convocados os advogados das prostitutas que providenciaram na mesma tarde em juntar declarações abonatórias às condutas das mulheres e que eram assinadas por todos os Prefeitos da região, diversos Vereadores, fazendeiros, comerciantes , profissionais liberais e – pasme-se – até pelo Vigário da cidade que atestou a “alma caridosa” de uma delas , e as significativas contribuições com a Paróquia ...

No final da tarde, perplexos com tudo aquilo e livrando-se de um fardo, os dois moços encerraram uma audiência onde acolheram os pedidos de relaxamento da prisão preventiva e no mesmo ato determinava-se a expedição de Alvará de Soltura para liberação das putas . Alívio geral ...