OFÍCIOS
Na cidade de Alcântara do norte, a primavera marcava o tom. Pássaros de mil cores coloriam o céu. É natal, e um ar romântico pairava no ar. Em cada lar um rebuliço frenético, para providenciar os saborosos pratos a serem servidos na ceia. D. Eloísa não perdia tempo, morava no quinto andar do edifício alvorada, e na noite anterior tinha ido dormir cedo, logo após o jantar, para que o dia rendesse ao máximo, e assim que entrou na cozinha, acendeu o forno, pois tinha o pernil e em seguida um peru para assar, e precisava andar rápido, só tinha um forno! E ainda teria outras coisas para preparar, mas para isso contava com a ajuda da família e de sua vizinha, Patrícia, que morava no mesmo andar, solteira independente, alegre e disposta.
Logo depois que colocou o pernil para assar, notou uma muvuca no corredor, um entra e sai danado. O pernil já estava no forno, e a curiosidade a fez se dirigir á porta da sala, e viu que o barulho era de policiais e repórteres, que entravam no apartamento da amiga. Na hora sentiu o pulsar do coração na boca, escorou-se no portal, quando sentiu as pernas fraquejarem. O agente Carlos quando a viu, se dirigiu a ela, e lhe perguntou se estava tudo bem, pois estava pálida, ela o olha sofreguida, espantada, aterrorizada já antevendo uma desgraça.
— A senhora conhece a moradora?
— É a Patrícia, o que lhe aconteceu?
E na mesma hora se vê cercada por repórteres, que alheios a seu desespero, a questionam se conhece a vitima e há quanto tempo enquanto era metralhada, por fleches de maquinas fotográficas.
E do outro lado da cidade no hotel paraíso:
— Bom dia.
Uma voz delicada se fazia presente no apartamento, Justo quando a ouviu, respondeu retribuindo de imediato o bom dia, amigavelmente.
— A que horas abre o restaurante?
Simone com um sorriso nos lábios e com muita determinação.
— Aqui no hotel, o restaurante é diuturno para os serviços básicos e para refeições mais aprimoradas, apartir de seis horas indo até uma hora.
— Suponho então que já deve ter um café quente, pois já se vão alguns minutos das seis.
— Com certeza, encontrara uma mesa farta de frios, assados, frutas, incluindo as típicas da região, e o melhor dos cafés da cidade.
A camareira esmerava-se em atendê-lo, e ele vendo o empenho cuidadoso, agradece as informações, da uma ultima checada em seu vestuário e se dirige ao restaurante, e assim que entrou, notou o farto e apetitoso serviço do hotel. Imediatamente apresentou-se o métre lhe dando um bom dia, perguntando-lhe:
— E o natal? Em paz com a família.
— Trabalhando.
— Mas podendo estar livre, e desejando uma virada de ano diferente, o hotel oferece um dos melhores réveillom da cidade.
Falava enquanto era servido um café, por um garçom.
— Tem alguma paróquia aqui nas redondezas, perguntou ao métre.
— Sim, aqui próximo, o padre a abre ás oito.
Justos, lhe agradece e se acomoda em uma mesa, que lhe dava uma visão panorâmica da entrada do hotel e o metre lhe indica o balcão térmico lhe desejando um bom apetite e diz:
— Precisando de alguma coisa, o garçom lhe atendera de imediato.
Ele se põe a observar cautelosamente todo o acesso ao hotel até a igreja.
Queria estar com um padre, o ano não foi fácil, as agruras do serviço lhe incomodavam, e queria que o ano vindouro, não terminasse o deixando tão sobre carregado.
E D. Eloísa se dirige ao apartamento da Patrícia, aos trancos, pois o policial tentava de toda maneira não deixá-la ver a cena. Ao chegar na porta entreaberta, a empurra, e nota que tem vários policiais em volta de sua amiga, que esta morta e estendida embaixo da arvore de natal, grita o nome dela e desmaia, sendo socorrida de imediato pelos policiais.
E enquanto é socorrida.
O porteiro do prédio, seu Antonio, se aproxima dos investigadores e.
— Eu vi um cara entrar aqui, ontem à noite.
E na mesma hora, e conduzido a um canto da sala pelo investigador Carlos.
— Você estava aonde?
— Saindo do apartamento no final do corredor.
— Ele te viu?
— Não! Claro que não, eu sou porteiro, não posso dar a entender, que estou olhando quem entra ou sai dos apartamentos, sou discreto e por isso me mantenho empregado.
— Conseguiria fazer um retrato falado dele.
— É claro! O vi de relance, para mim, basta uma vez, e nunca mais esqueço.
O cheiro do assado invade o ambiente, e alguém lembra da hora do almoço, e comenta, do cheiro de pernil assando alheio a cena dantesca, de uma falecida e da outra desfalecida.
E no hotel paraíso.
Justos, um homem de olhar sério e uma postura ereta, sempre olhava todo o ambiente, e nunca ficava de costas para a porta ou janela, sempre atento, esse era seu lema, enquanto sorvia pausadamente um café, ouvia o noticiário da tv, que falava do assassinato, ocorrido em um apartamento na véspera de natal. Ouviu e deu uma olhada no seu relógio de pulso, levantou-se e se dirigiu à igreja.
E no caminho, passou por uma viela arborizada, que o fez lembrar de sua infância, de quando caçava pássaros com sua atiradeira, sentia até mesmo uma ponta de orgulho, quando contava as suas matanças, nenhum escapava de sua mira, gostava de desafio, espantava-os para acertá-los voando, e quando tinha um rival, se gabava de sua mira, e quando errava, ninguém caçoava, pois o alvo era certo, a testa de qualquer um, que não padecesse de sua má sorte.
Não tinha amigos, transformava qualquer um em cúmplice nas suas artimanhas demoníacas, lembrou com uma certa melancolia, quando matou o gato, de D. Lurdes com uma pedrada certeira, em sua cabeça, quando ele andava sobre o muro. A pancada foi tão violenta que o fez cair, pela janela aberta, em frente à tv, e ele soltou uma gargalhada, quando se lembrou, dos gritos de pavor, consternação e tristeza de D. Lurdes, quando o gato ensangüentado dava seus últimos estertores para morrer.
Era só um gato, ou melhor, alvo fácil, que andava sempre tranqüilamente sobre os telhados, e ainda parava para observá-lo, como se o desafiasse, quando o abateu, sentiu até mesmo vontade de pedi-lo, para retirar seu coro, era da raça egípcia. E no Egito antigo, eram enterrados vivos junto com seus donos mumificados, assim contava D. Lurdes, ele o queria, seu coro ficaria ótimo curtido e pregado como um troféu na parede de seu quarto.
Mas desistiu, a choradeira e gritos o incomodavam e não queria ficar aguardando, o fim daquela palhaçada, achava aquilo uma perda de tempo, afinal, na sua parede só iria trazer alegria e motivo de orgulho, não incomodaria mais ninguém, com seu cio. Ela ainda teve o topete, de ameaçar a contar pro meu velho, se ela ouvisse o que ele falava dessa droga desse gato, ela ficava na dela, reclamar de mim pro seu Clovis, que me amava e não poupava elogios.
— Esse meu filho vale ouro, aqui na rua ele manda, não tem para ninguém, escreveu não leu a porrada comeu, vê se algum moleque, aqui, tira onda ou cisca na área dele.
Pensava e balbuciava enquanto caminhava, para a igreja, a sua má sorte, a sua triste sina, ter que trabalhar, até no natal.
Nesse ínterim, lá na delegacia.
— Carlos que bom que você veio. Disse a agente Claudia.
— Estou trazendo o porteiro do edifício alvorada para fazer um retrato falado, do assassino, esse cara não escapa.
— O que eu quero não tem nada a ver com isso, as caixas com as doações da campanha do agasalho, chegaram, e tem que ser levadas para o padre Olavo, você ás leva?
— É claro, logo depois que eu for liberado pelo desenhista.
A igreja era uma relíquia do século dezoito, perfeitamente preservada, ficava estrategicamente no centro da cidade, ou melhor, a cidade é que se desenvolveu ao seu redor, por instantes se lembrou do endereço do crime, que era ali perto.
E na igreja.
O sol já mostrava toda sua força, e uma gota de suor, escorria no rosto do Justos. Padre Olavo abria as portas, para os fieis, e ele sente um alivio, pois não queria ter que aguardar, e com um sorriso quase instantâneo, padre Olavo olha para ele assim que se aproximou e...
— Bom dia, padre.
— Bom dia, em que posso ajudá-lo?
— Eu só quero estar aqui um pouco, o ano foi muito cansativo.
— Pois veio, ao lugar certo.
— Eu não me lembro de já tê-lo visto aqui na igreja.
— Não sou daqui vim só para resolver um problema.
— E resolveu?
— Por definitivo.
— Trabalha com o que?
— Sou solução, para todo tipo de problema, seja empresarial, pessoal, corporativo, enfim se é problema, eu resolvo.
Padre Olavo se levanta, e o convida para uma oração. E na mesma hora o celular do Justos toca, e de imediato o padre lhe acena, para não o atender dentro da igreja, e deixá-lo sobre o banco.
— É hora de rezar, deixe-o desligado enquanto oramos
E se dirigem ao altar e quando terminam a oração justos vê diversas caixas encostadas á parede.
— Doações?
— Campanha do agasalho.
— Eu tenho que ir. Viajo daqui a pouco, o senhor não sabe como me fez bem, estar aqui, nesse santuário.
— Sempre que estiver na cidade, venha nos visitar, esta hospedado aonde?
— Hotel paraíso.
Estende a mão para se despedir do padre, e este lhe abre os braços, e justos aceita seu abraço, e ficam assim por longos minutos.
— Fique na cidade, tem muitos lugares para arejar a mente, participe da distribuição dos agasalhos.
— Eu não posso, tenho ordens para seguir viajem, meu vôo sai logo após o almoço.
Agradece ao padre e sai, deixando-o na porta da igreja, logo depois, chegam mais doações inclusive da delegacia, pelas mãos do Carlos, que carrega as caixas apressadamente, pois tem que ir ao prédio e mostrar o retrato falado a todos.
Padre Olavo que acompanha a acomodação das caixas, vê o celular do Justos sobre o banco e quando Carlos lhe acena rápido para se despedir e o interrompe.
— Um turista, esqueceu seu celular aqui, por favor, ele esta no hotel paraíso, leve para ele antes que parta. Carlos pega o celular.
— Sem problema, vou passar em frente.
— Vai com Deus.
O padre se volta para as doações, e chega mais membros da igreja para ajudá-lo a organizá-las, a arrecadação tinha sido um sucesso, e muita gente carente poderia ser atendida, e entra apressada uma de suas colaboradoras.
— Padre, D. Eloísa esta arrasada, sua vizinha foi assassinada.
— Eu ouvi o noticiário estava aguardando uma folga para poder ir vela.
E quando chegam no prédio.
Já era quase hora do sol a pino, quando chegam ao apartamento, é o marido de D. Eloísa, e quando entram, as crianças estavam com ela, em prantos, e o cheiro delicioso do assado abria o apetite de qualquer um, e o padre se aproxima, e coloca as suas mãos sobre as dela, e fala...
— Você acha que ela gostaria que fosse o motivo dessa tristeza.
— Mas Deus não foi justo com ela ou comigo, era minha amiga.
— Alegre e divertida?
— De mais!
— Quem somos? Para questionar os nossos destinos.
— Mas hoje é natal, sinto a minha vida medíocre, insignificante.
— Defina vida.
— Minha família, meus objetivos e minha fé.
— Em nome de sua família, não se deixe abater, para alcançar seus objetivos não credite á vida, o limite na morte, não deixe que os infortúnios, que são na realidade oportunidades para nossa evolução, abalar a sua fé.
E bate uma mão na outra.
— E tem outra esse pernil esta delicioso, levante a cabeça, sacuda a poeira e de à volta por cima, se não, daqui a pouco ele queima, coragem, vamos se anime, afinal é ou não é natal.
Com essa brincadeira, ela esboça um sorriso, e seu marido e filhos se aproximam, e o padre convoca todos a uma oração, D. Eloísa enxuga as lagrimas, e reza com eles e no final, quando a harmonia esta restabelecida, o padre parte para a igreja. E no caminho passa em frente ao hotel, e nota um tumulto na portaria, alguém estava sendo preso, e viu o investigador Carlos, mas se parasse atrasaria a distribuição dos agasalhos, e acenou para ele, e seguiu em frente.
E ao passar pela alameda uma revoada de pássaros e a sombra o fez refletir, sobre os acontecimentos enquanto andava, e começou a fazer orações para aquela família e para a Patrícia, e quando chegou à igreja, mais doações estavam chegando, e pessoas ávidas para dar conta de tamanha tarefa, se punham a trabalhar cantando hinos natalinos, e a vida seguiu em frente.
DiMiTRi
8/1/2007 21:42