Um rato astucioso
Pepe fumava um cigarro em meio à tensão que o consumia. Havia algum tempo que não surgiam oporunidades para exercer seu trabalho e isso o deixava muito nervoso.Dinheiro para ele era a peça mais preciosa da vida.Como era jovem e sadio, não se preocupara ainda com a saúde.Para quê? Dinheiro,muito dinheiro, mulheres, bebida e drogas para fazê-lo "viajar", eram suas preocupações.
O cigarro chegava ao filtro e Pepe usou-o para acender outro.Olhou pela janela do apartamento no Brooklin e pareceu reconhecer um dos seus parceiros. Aguçou a vista que lhe parecia nebulosa.Sempre sentia essa sensação quando estava nervoso ou preocupado.
- Sim, é o desgraçado do Barthes. Cachorro!Age sempre como um rato que abandona um navio que naufraga.
Acompanhou pela janela com olhar curioso os passos do seu colega até que o viu entrar no prédio.
- Pois não é que o cachorro vem pra cá!Que seja pra trazer novidade, mas não pra pedir dinheiro - pensou Pepe, em voz alta.
Não demorou para que a campainha tocasse.Pepe espiou pelo olho mágico, identificando o companheiro.Abriu a porta, ressabiado.
-Bons ou maus ventos o trazem?
-Que acolhimento pessimista, Rato!
Pepe não estranhou ao ouvir seu apelido.Lembrou-se dos fatos que fizeram jus à alcunha recebida por ele no "bas-fond".O apelido foi também adotado pelos policiais que o caçavam.O Rato não caíra ainda na ratoeira armada pela experiente polícia.Que experiência!Pepe sempre se safara.
-O que é desta vez, Barthes?
-Quando te procuro é pra falar de negócios.Alto negócio desta vez.
Barthes pediu um cigarro(era mestre em filar cigarros) e também fogo.
-Puxa, cara, nem convida a gente pra sentar?
-Desde quando foi preciso?Você se refestela no sofá, mesmo que a gente não o convide, portanto...Além disso, sumiu desde que me caçavam pela última vez.
-Claro, claro.Não quis te procurar pra não dar bandeira.
-Tem razão.De vez em quando você é coerente.
-Vamos ao fato.-E Barthes explicou o negócio.
Conversaram por mais de uma hora entre a fumaça de cigarros e goles de uísque barato.
-Vou preparar o plano em detalhes.Me procure amanhã-concluiu.
Naquela noite, o Rato não dormiu.Consumiu o restante do uísque durante a solidão da madrugada.Deixou tudo esquematizado.Riu um riso cínico e irônico para o nada. Não importava.Ria para si mesmo.Seria mais um enigma para aquela polícia filha-da-puta.
Dormiu -o sono tranquilo dos inocentes- só a partir do amanhecer e até o meio-dia, quando foi despertado pelo som estridente da campainha.
-Diabos!- resmungou.- Não se dorme tranquilo nesse pardieiro.-Calçou os chinelos e saiu do quarto, vestindo o roupão surrado.
Pelo olho mágico(julgava-se muito prudente)divisou a silhueta vulgar de Barthes.Retirou a corrente da porta e o companheiro entrou.
-Então?- falou Barthes, indo direto ao assunto.
-Tudo planejado.
Os meliantes confidenciaram ainda,porlongas horas, vez ou outra,interrompidas, para um café amargo.O uísque findara e não havia outra alternativa.
Despediram-se com todos os detalhes planejados para o golpe, incluindo a escala dos ajudantes.
No dia determinado, tudo correu bem para o bando.Mais uma vez o Rato não caiu na ratoeira da polícia e escondeu-se no seu buraco, rindo às gargalhadas por burlar os tiras de novo.Contou as notas entre a fumaça e o último uísque barato que adquirira outra vez, antes do golpe, com dinheiro emprestado.Aquele, por algum tempo, seria o último uísque imprestável que beberia.Jogaria fora as roupas surradas.
Olhou-se ao único e estragado espelho do quarto, vislumbrando sua imagem em trajes finos e elegantes. Gargalhou para o ar numa tentativa medíocre de imitação de "O Fantasma da Ópera".Então, começou a sonhar.
O sonho durou pouco.A porta foi arrombada num impacto misturado aos gritos dos chegantes:
-Polícia!...Mãos para cima!
Ele ensaiou ainda puxar a arma que estava enfiada no cós da calça, entretanto, não houve tempo.Recebeu dois balaços no coração e seu pesado corpo dasabou com os olhos desmesuradamente abertos.