A FACE DA OMISSÃO
1
Noite de lua cheia.
Insone. No segundo andar. À janela do quarto, recebe no rosto e tronco, o frio agradável.
Embaixo, a avenida estreita deserta. Margeando-a, o muro da indústria. À direita, a portaria, de portão largo para acesso dos veículos. No interior, ao lado esquerdo, encontram-se: escritório-pessoal, salas de vendas, de segurança, laboratório e engenharia. Em sentido horizontal, o laboratório-médico. No oitão desse, a esteira que conduz o bagaço de cana existente em montanha, à sala no primeiro andar, onde há as cozinhadeiras em formatos de enormes bolas de ferro, que o recebendo, lentamente o cozinha. Feito o quê, a massa pastosa é enviada por nova esteira à sala no térreo. Então após processos químicos se converterá no papel que novamente seguirá por esteira para o salão sob as cozinhadeiras.
Esse salão é denominado de ondulado. Nos dias normais, a agitação é incessante devido ao movimento de operários, máquinas impressoras e outras que costuram, colam e empilham as caixas, que são conduzidas nos carrinhos ao elevador, que as deixará no subsolo. Daí após contagem são amarradas e postas nos caminhões, que as remeterá aos clientes.
Atrás da montanha do bagaço se encontra a pista, na qual cruzam os automóveis da diretoria e encarregados. Próximo, o rio, que devido às drogas na lavagem do papel, encontra-se poluído.
Retornando-se, à esquerda do escritório, estão outras seções: marcenaria, mecânica, contabilidade e diretoria.
Dispersos, os vigilantes.
A indústria é poderosa. Contudo, encontra-se de férias coletivas. Somente diretores, encarregados e vigilantes a percorrem.
O plano do novo governo afetou a economia do país, atingindo-a. Quais as consequências?
A cama range: a mulher, semi-adormecida lhe sente a ausência.
Mesmo sem se voltar, enxerga a mão que, tateando, procura-o.
A voz desperta:
- Vem dormir. Nessa frieza, terminas pegando uma gripe.
- Já vou.
Ela se aquieta, retorna ao sono.
Sob a ameaça do desemprego, como dormir? Anos de dedicação para de repente... Mas o que será aquilo? Procura melhor posição para perceber. Um homem correndo. Perseguido.
2
Perseguido passa defronte do escritório. Contudo, adiante é contido por outros três que, escondidos atrás do bagaço, esperam-no.
Devido às roupas e revólveres, conclui serem vigilantes. Como é natural, o preso se debate, tentando a liberdade. Porém o esforço é inútil, pois tem os braços seguros e a cabeça erguida através do "golpe-gravata", enquanto seu perseguidor se avizinha. Chega e ligeiro, retirando de sob a camisa, à altura da cintura, algo que brilha a luz do luar (peixeira ou punhal?) golpeia-lhe o peito vezes seguidas. Então os gritos cortam a madrugada que desponta.
Recua perplexo, trêmulo, banhado em suor. Devagar, evitando fazer ruídos cerra a janela.
- O que foi isso?
Novamente a voz.
- Inês, nada. Nada.
- Você não ouviu? Uns gritos.
- Vá dormir, você teve pesadelo.
Ruma à cama, querendo lhe demonstrar solidariedade, proteção contra outro sonho ruim. Deita-se, sendo abraçado por braços trêmulos, nervosos.
Silencioso, o casal permanece de olhos fixos no teto.
3
O jornal estampa a fotografia e dizeres: homem moreno, estatura média, idade entre trinta e trinta e cinco anos, fora encontrado próximo ao muro da indústria.
Atingido no peito por arma branca, peixeira ou punhal, tivera morte instantânea. A reportagedm prossegue dizendo se tratar de perigoso indivíduo viciado em drogas, procurado pela polícia. Provavelmente trata-se de novo serviço do SINDICATO que, outra vez livra a sociedade de grande mal.
- Tás pálido. Notícia ruim?
- Nada. É que com essas férias forçadas...
- Você não é o único. Tem mais gente na mesma situação.
- Sei. Mas não me conformo. Fico pensando.
- Seu mal é pensar demais. Como se isso resolvesse...
- É, Inês, você tem razão.
Súbito, ela segura o jornal. Antes que descubra, ligeiro se ergue.
- Vais sair?
- Andar um pouco.
O silêncio. Omissão. O preço de sua liberdade e de Inês, ou mesmo, suas vidas.
O sol de verão o acolhe.
Perdido consigo ganha a avenida. À frente, grupinhos comentam o sucedido. Passa. O rosto virado, na indiferença da fingida inocência.
Até quando manterá a covardia como preço à verdade? Por enquanto, apenas tem de se manter vivo.
Seus passos conduzem-no ao futuro, que é incerto.
* * *