Café com asfalto
Amanheceu. Nós ouvimos o ronco de um motor se aproximando, seguido do som de pneus queimando o asfalto e da sirene. Desesperados, eu e Dimitri tratamos de fechar todas as cortinas da casa. O carro acabou desviando o rumo em direção à outra rua. Tínhamos certeza que eram eles e estavam perdidos nessa cidade.
- Raul, você acha que eles erraram o endereço? – perguntou-me Dimitri.
- Espero que sim, espero mesmo que sim.
Enquanto aguardávamos o telefonema com as instruções, o refém não poderia ser tocado. Apenas o amarramos embaixo da mesa da cozinha para que não fugisse. Ele merecia coisa pior. Judeu imundo fez-me arriscar a vida por mais de uma vez. Fazia duas semanas que Dimitri me segurava para eu não atirar na cabeça desse sujeitinho de merda. Porco! Não sou preconceituoso, queria apenas seu dinheiro. Ele era de uma família rica. Muito rica.
A campainha tocou. Dimitri foi quem abriu a porta. Eu havia me escondido na cozinha, caso fosse a polícia, fugiria pela porta dos fundos com o refém. Sorte que era apenas um enviado do Chefe com um telegrama. Quando ele se foi pedi que meu amigo lesse o que continha dentro do envelope.
- Eu ainda não sei ler, Raul – disse-me envergonhado.
Lembrei que ele faltou a todas as aulas na escola da prisão. Era um cara legal, o primeiro amigo que fiz na cadeia. Só se preocupava com os músculos e com as drogas que tomava para aliviar as dores nas articulações causadas pelo excesso de musculação. Isso facilitava nosso entendimento: eu dizia o que fazer e ele obedecia. Os outros que conheci no tempo que estive preso e que participaram da fuga, retomaram suas atividades no tráfico. O que eu jamais volto a fazer.
Peguei uma xícara de café e li o telegrama. A ordem era esperar o resgate ser pago, do contrário, se o dinheiro não fosse entregue, o telefone tocaria duas vezes e então deveríamos matar o refém. Enquanto explicava tudo para Dimitri, percebemos outro ronco de motor. Ficamos em silêncio. Outra vez a sirene. Eles voltaram e sabíamos que nos encontrariam. O refém iniciou suas orações. Eu queria matá-lo.
Vi entre as cortinas a viatura se aproximar em alta velocidade. Um policial inclinou-se para fora do carro e atirou. A bala atravessou o vidro da janela e atingiu meu amigo no peito que caiu violentamente sobre a estante da sala. Deitei-me no chão. Dimitri gritava de dor. Nesse momento eu ouvia pelo menos três veículos se aproximando. Procurei as chaves do meu carro. O telefone tocou. Uma... Duas vezes e em menos de dois minutos eu já estava diante do volante fugindo pelos fundos ainda com a xícara cheia de café na mão. Havia deixado para trás apenas Dimitri, meu melhor amigo e o Judeu, com um tiro na cabeça.