A DESFORRA DA MALDADE

1

A operária recém-contratada:

- Quer dizer, Maria, que o cara quando se "engraça" de uma menina, acaba levando ela pra cama?

A operária antiga antes de responder, analisa-a. Alta, esguia, aloirada, bonita. E sorri, comparando-se: baixa, gorda, brancosa, "coroa"... Responde:

- É isso aí. O homem é diretor de produção, é chefe, e perigoso.

Silenciam. Encontram-se na calçada defronte à indústria. Outras operárias estão aqui, e também nas calçadas vizinhas. Aguardam o sinal da sirene, quando então entrando na portaria, marcam o "ponto" e começam a trabalhar.

A manhã é de sol claro, de verão. Um ônibus estaciona, e novas mulheres se unem às colegas que aguardam o apito.

- Mas, Maria, comigo a coisa é diferente: não sou uma "qualquer"... Não irá sera fácil pra ele.

Maria então se resume:

- É. Nem todas são iguais. Mas, cuidado.

Compreensiva, a novata sorri. Se o Rufino souber que o diretor anda se enxerindo... Ciumento e violento como ele é...

- Nem é bom imaginar.

Perplexa, a colega se volta:

- Falou?

- Nada não, Maria.

A sirene aí solta o aviso. As operárias encaminham-se à portaria. A rua adquire mais movimento de carros e pedestres. O sol esquenta. Elas cruzam a rua. Apressadas. Responsáveis.

Novo dia de trabalho. Marcam o "ponto".

- Essa gente nunca aprende a bater o cartão. Cuidado pra não quebrar o relógio!

Reclama o vigilante, atrás do birô. Caladas, as operárias descem os degraus ao lado e rumam ao galpão adiante, local de trabalho.

2

Maria segue pensativa. Essa galega ainda é muito nova, não sabe como é o "regime" daqui. Mas, afinal, o que tem ela, Maria, com a vida alheia? Cedo, ou tarde, aprendemos a nos defender, encarar a vida. Sermos resolutos. Assim é que funciona.

A jovem também reflete. O diretor - Dr. Bruno - não sabe, aliás, não poderia mesmo saber, com quem está "bolindo"... Se o Rufino for conhecedor...

Chegam ao gigantesco salão. Maria e a colega trocam-se, vestem a farda, e logo, trabalham, em pé, conferindo e fazendo pacotes com caixas, que a máquina imprime.

Cruzando o salão, Dr. Bruno perscruta. E a moça sente os olhos buscando-a, seguindo-lhe os gestos. Sim, o homem "paquera-a".

Vizinha, Maria procede como se não presenciasse a cena. Cada um que se cuide. A gente aprende através da experiência.

- Bom dia.

A voz grossa. Conhecida. E Maria:

- Bom dia, doutor.

A novata não responde, cabisbaixa. Apressado, ele se afasta. Pensando. No começo é sempre assim: elas se julgam. Depois, terminam cedendo. É tudo uma questão de se ter paciência...

- Bom dia, doutor Bruno.

- Bom dia, Matias. A máquina está boa?

Pára. Sorrindo, o operador achega-se:

- Tá meio "folgada". Mas, eu dou um jeito.

- Tudo bem, Matias.

Retorna a caminhar. A lourinha é muito interessante! Mais tarde, a chamará ao gabinete, para dar-lhe confiança, fazer amizade, aproximação. Sim, tem experiência na arte da conquista. E, ao se agradar de uma operária, só sossega depois que a conduz à cama.

Vence os degraus. Entra na seção de embalagens. Cruzando-a e abrindo a porta, adentra no gabinete onde fecha a porta e se entrega à rotina do trabalho, com a imgem loura interpondo-se ao que faz. A mocinha é mesmo uma tentação!

3

- A Helena anda saindo com um doutor da fábrica.

Os dois homens fitam-no. Comprenetrados. Esperando. Ele continua falando, com a voz pausada:

- Sigam o cara e castiguem ele.

Um dos sujeitos ousa interrompê-lo:

- Castigo, chefe?

Com a indagação, Rufino enerva-se e, gritando:

- Deixe eu terminar de falar, seu merda!

O homem baixa a cabeça, pálido, humilde. Ao lado, o outro conserva o mutismo conveniente.

Então, Rufino:

- Castigo que eu digo é "arrancar" os escrotos dele. Castrar o safado pra ele aprender, deixar de ser "paquerador". Entenderam? Pois bem, façam o "serviço" bem feito.

Nervoso, prossegue falando:

- Segundo eu soube, por fonte verdadeira, o cara leva a Helena às sextas - hoje é dia, depois do serrão - para o motel. Prestem bem atenção: quando ele sair e deixar a Helena na rua onde ela mora, vocês pegam ele, põe no carro e fazem o "trabalho" num local distante. Entenderam?

Ante as cabeças em gesto de aquiescência, ele também erguendo a mão, em gesto, os despede:

- Quero retorno positivo. Podem ir.

Os comparsas ausentam-se, contidos no silêncio cúmplice da nova "tarefa". Presos à lei de que em mulher de bandido, ninguém põe a mão.

- Assim é que funciona.

Assim é a lei do outro lado, a justiça da maldade.

* * *

Paulo Carneiro
Enviado por Paulo Carneiro em 06/11/2008
Código do texto: T1269109