PERSONA
Menelau era aparentemente uma pessoa comum; estudioso, compensava sua falta de intelecto com os estudos; mas procurava apenas assuntos relativos a sua especialização. Personal trainer.
Tinha sua academia, era faixa preta de Jiu-Jitsu, competidor olímpico de luta greco-romana e halterofilista. Conhecia praticamente tudo sobre fitness, vitaminas, proteínas, dietas balanceadas e anabolizantes.
Sua academia se chamava “Templo de Apolo”. Ganhava muito dinheiro com ela; mas por que Menelau foi procurar um psicólogo? Ele achava sua vida um tédio, apesar de não ter tempo para mais nada, e queria descobrir coisas novas.
- Olha Menelau, por tudo que você me confidenciou, ainda é muito cedo para perceber algum tipo de distúrbio que irá lhe atrapalhar no momento. Na minha opinião, o senhor necessita mesmo é de umas férias. – Mencionou o psicólogo.
- Obrigado Dr. Cláudio, então irei tirar um mês de férias começando por semana que vem e na volta passo aqui em seu consultório.
- Estamos combinados – Respondeu Dr. Cláudio.
Se despediram e assim transcorreu o mês.
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Tobias da Silva Oliveira, era o nome de batismo de Mestre Tobias, nascido na Paraíba, terra de sua mãe, onde aprendeu os primeiros pratos culinários e onde iniciou sua meteórica carreira de Chef internacional.
Mestre Tobias tinha as segundas feiras de folga e nesta ocasião preparava seu prato favorito: galinha ao molho pardo, arroz tricolor e salada de beterraba ralada. Cozinhava em seu modesto apartamento de quarto e sala em Santos, no bairro da Ponta da Praia, em frente a televisão, quando reparou pelo noticiário de última hora que “o espartano” havia atacado novamente. Largou por instantes seus afazeres e sentou-se meio distraído na beirada da cama, secando suas mãos sujas do molho e da beterraba desta vez em sua branca camisa pólo. Ainda sem perceber o estrago que havia cometido, pegou o controle remoto, aumentou o volume e tocou no bolso a procura do cigarro, seu vício, sua necessidade.
Não o tendo encontrado, calçou um tênis sem cadarço, pegou R$ 5,00 na gaveta, apagou a boca ainda acesa do fogão e desceu. Nem sequer notou, tomado pela compulsividade do fumo, que o crime anunciado na televisão, havia acabado de acontecer e a vítima, uma pedinte que andava de muletas e maltrapilha pelos ônibus da cidade e orla da praia, tinha sido, assim como as outras 7 vítimas anteriores, espancada e esfaqueada até a morte. E a vítima mais recente do “espartano” jazia morta, sob uma das pontes do canal 7, a poucos metros de sua casa.
Todas as vítimas tinham algo em comum, portavam algum tipo de deficiência ou aparência, segundo os critérios cruéis da sociedade atual, feia.
Vários investigadores estavam no caso, alguns até da capital, em busca da glória de capturar, vivo ou morto, o Serial Killer que a algumas semanas aterrorizava a Cidade desta vez não esperou para agir, como se ele estivesse com pressa. Isso beneficiou o cerco policial. Eles não sabiam seu rosto, mas testemunhas relataram que se vestia de modo comum e repararam em sua camiseta branca.
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Tobias entrou na padaria como de costume e não reparou no movimento. Pediu seu cigarro, não tinha. O desespero já começou a lhe bater e ele agora não lembrava se tinha apagado o fogo ou não. Havia outra padaria a alguns metros dali, então Tobias ignorando os olhares de espanto dos transeuntes, resolveu correr.
Enquanto Tobias corria, duas viaturas dobraram a esquina vindo em sua direção. Quando elas estavam próximas dele, Tobias atravessou rapidamente a rua e entrou triunfante na padaria, que neste momento já estava, talvez pelo horário, talvez pela situação, descendo suas portas de ferro.
Esbaforido, ele deu uma pequena pausa e uma profunda respirada antes de começar a falar.
A menina do caixa que estava distraída e de cabeça baixa, mas tensa com a história do maníaco a solta pela redondeza, ao ver aquele homem corpulento, bufando como que em fuga, com manchas do que parecia ser sangue por todo o peito e mãos, não se conteve.
- AAAAhhhhh!!!!!
- Calma dona, está tudo sobre controle.
Tobias se assustou tanto com o grito quanto com a frase pronunciada, não por ele, mas por um soldado PM que lhe apontava em riste um reluzente 38. Outros com outras armas, de outros calibres não demoraram a chegar, forçando Tobias a se colocar nervosamente de frente a eles, ficando de costas para o balcão.
- Calma moço, tudo vai se resolver. – Falou um investigador deixando escapar um fio de suor pelo seu rosto tenso.
Tobias estava com a mão direita no bolso de trás da bermuda e já havia colocado o dinheiro no balcão quando a situação se configurou desta forma.
- Marlboro Lights – ele gritou sem muito entender e sem tirar os olhos das muitas armas apontadas para ele. – Maço.
A menina ainda pode colocar o cigarro sobre o balcão pouco antes de desmaiar e ele, tremendo pelo nervosismo e pela falta de nicotina nas veias, pegou com sua mão esquerda o maço de sobre o balcão, movimento que fez alguns soldados engatilharem suas armas, abriu com a boca o lacre, e ainda com ela colocou um dos cigarros na boca antes de sacar o objeto prateado que escondia em suas costas.
Foram incontáveis os tiros disferidos contra ele, que morreu no mesmo instante, sem saciar sua tresloucada vontade de fumar seu tão precioso cigarro.
Ao chão, vários cigarros, um zippo, um corpo. Que não tinha família, nem amigos, apenas um emprego promissor e um lauto jantar a sua espera. Acabava assim a história do Serial Killer que recebera o nome de “espartano”, por trucidar apenas vítimas portadoras de alguma deficiência, com extrema frieza e violência nos golpes e nas facadas, assim como faziam os moradores da antiga e lendária cidade grega, Esparta.
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- Oi, Menelau. Como foi de férias? – Perguntou Dr. Cláudio, para seu paciente. E assim transcorreu o diálogo...
- Bem.
- Foi viajar?
- Sim, para Santos.
- Nossa! Você ficou sabendo do Serial Killer?
- Não. Não cheguei a ler os jornais locais.
- Mas saiu em todos os noticiários!
- Realmente não acompanhei. Quando eu relaxo, esqueço tudo a minha volta. Mas o que ele tinha de especial para ser considerado um Serial Killer?
- Só matava, depois de muito espancar, pessoas deficientes.
- Que coisa não.
- Mas ainda bem que a polícia pegou ele.
- Pegou? Como assim? – Perguntou intrigado Menelau.
- Foi fuzilado no cerco policial. Ele resistiu a prisão e partiu para cima da polícia.
- Deveria ser um imbecil também. Mereceu morrer sem glórias.
Ao final da consulta...
- Bem Dr. Cláudio, muito obrigado. Graças ao senhor, consegui liberar minhas tensões nessas férias.
- Disponha, estarei aqui sempre que precisar.
- Está bem, mas a propósito. De que mesmo que chamaram o tal assassino?
- É...Espartano. – respondeu Dr. Cláudio.
- Espartano...
Menelau balançou a cabeça, repetiu a palavra, sorriu e partiu. Para nunca mais voltar.