GRANDE MURALHA E A FESTINHA DOS INOCENTES - PARTE IV
Domingo de sol e nós vai para a praia, a orla marítima nos espera como o Cristo Redentor, de braços abertos, não que seja diversão e lazer, mas pra tomar conta de uma rapaziada que adora se divertir "roubando e fazendo arrastão", no cartão postal da cidade maravilhosa.
Tu imagina um lugar com todo mundo semi nu e agente pesadão até os dentes, e, como sempre, doidinho pra jogar um "gas-zinho nos" olhinhos de uma cinderela branquela metida a besta, por sinal, nada mais triste e desconsolador que lugar que tem gringo, e tem até um monte de argentinos (nada contra eles... e nem a favor), com camêra na mão doido pra bater uma fotozinha e falar que aqui é um país de terceiro mundico.
Aquele serviço ia ser uma tragédia, putz, nunca vi tanta gente, parecia um formigueiro, como sombra e águinha fresca num tinha pra gente que a turma odeia as pesadonas porque não são da área e num tem conxavo é pau e pedra sem perdão. O jeito era circular em círculos e eu já tava ficando tonto de ver um monte de mulher pelada e nem poder dar uma piscadinha.
Quanto sofrimento e a rapaziada na maior secura, a noite com certeza, ia ser terrível e todo mundo ia ter pesadelos e sobressaltos, em suma, que serviçinho de M..., tomar conta de quem ta se divertindo é uma lasca.
Os famosos pitibuls são fãs das pesadonas e até que foi legal parar perto deles, super comportados, afinal, orelha cortada é o que não falta na rapaziada e as cicatrizes a mostra em olhares gelados demonstrava o poderio de quem num tava ali de bobeira e num deixar por menos, enfim, evitavam, e aquele dia ia ser lindo e maravilhoso como todo domingo pra todo mundo, menos pra gente.
No vai e vem do calor estonteante, acostumado com aquele sol da beira mar, meu sorriso maroto num tirava os olhos de uma criola marota, que tava de graça brincando com meus olhinhos famintos e se achando, mal sabendo ela, que tava doido pra me lembrar na minha mente onde já tinha dado uma surra nela, e, se eu me lembrasse tava ferrada que quando a dúvida surge na certeza é a perdição de saber onde to e o que to fazendo, pra evitar problemas, era bem melhor nem se lembrar, e ficar keto.
A tarde reluzia e a galera feliz da vida sem dar um pio tava na maior fome, afinal é trabalho pra ficar a pão e água, pois, se acontecesse um estalinho ali o “Maioral” nos capava, não acontecer nada onde acontece tanta coisa é difícil, mas a gente consegue, pois prá isso que todo domingo de sol a gente pagava nossos pecados, que por sinal nem sei se já pequei.
A noite chegava e depois de doze horas a pão e água era hora de esperar o boca de ferro dá a ordem de partida, esta hora, demorava mas do que toda hora que já tinha se passado ali, mas iria chegar e a rapaziada calada apreciava o cansaço na vontade de ficar em pé, pronto pra guerra, com sol ou com sol a gente jamais iria se esmoecer.
Tem horas que você sente a água gelada lavando até o seu coração e os pulmões, refrescando meu corpo e minha alma de tanto calor, tava queimando tudo por dentro depois de um dia sem acontecer nada e a gente de boneco de cara feia numa festa tropical a beira mar, se tivesse de escolher entre aquele serviço e a morte tinha gente que desejaria a segunda opção, é castigo pra castigo nenhum colocar defeitos, mas se passou meu domingo lindo e maravilhoso, era hora de refrescar e dormir sem dormir.
Eu queria saber porque depois da visita de domingo os caras sempre resolvem fazer uma farrinha no presídio e quebrar tudo?
- Será que é porque sabe que a gente ta na praia se “divertindo”?
Se eu não sabia com certeza aquele dia eu iria descobrir, porque quando aquele treco toca com um barulho que todo o quarteirão já sabe que é polvorosa é uma corredeira de sair até pelado pelas escadas e quem chegar por último no mínimo é noventa dias sem ir em casa, é a lei do cão e tem de latir primeiro.
Se te falar que de pelado a pronto em 3 segundos tu num ia acreditar, mas na boa e sem dar de boa, já tava lá de “terninho de festa de quinze anos”, só contando nos dedos quem ia ser o último, chegar com 1 segundo de atrasado é fatal e porrada na certa, tem de ficar esperto que o pau come.
Da Grande Muralha ao “cativeiro dos inocentes”, ou melhor, casa que guarda um bando de jentinha que adora fazer a maior covardia e depois fica de lero lero e falando que tem problemas psicológicos em conflito com a sociedade dominante, eram umas meia hora voando, e a rapaziada doida pra chegar primeiro.
Eu queria saber porque a gente sempre chegava primeiro, eu não sou bombeiro, mas a parada tava pegando fogo e já tinha um bando de repórteres, e um cara de terno com ar de diretor do lado de fora negociando e pedindo calma...calma...calma...eu vou resolver.
Morria de rir, queria saber o que se passa na cabeça de gente que nunca resolveu nada e pensa que vai resolver o que de perto teria de ser resolvido de “outras formas”, e, dentro da legalidade (gargalhadas).
Tem horas que a gente fica parado a espera, principalmente nessas horas, entrar naquele pavio já explodido e queimando tudo, só com ordens, era relaxar e esperar.
Até que a rapaziada da cor vermelha num demorou e tacou um rio de água lá pra dentro sem entrar, também, se pode tacar água sem se molhar é bem melhor, o caldeirão deu uma esfriada no fogo, mas os ânimos estavam pegando fogo lá dentro e a coisa ficando mas fora de controle do que dentro pelo cara que não resolvia nada.
Em suma, 45 tigres famintos depois de passar um dia inteiro numa praia a pão e água que num tava fresca, sedentos de fome em resolver aquela situação e nada de ordem, é nessas horas que num tem como cada ir pra seu lado em busca de aventura, tinha de ser as pesadonas todas pra festinha de domingo ali se tornar inesquecível por um bom tempo.
Uma hora da manhã e sem piscar um olho de olho na missa que não tinha terminado, enfim, ordem do “Maioral” que devia ta com alguma cadela vadia num motel e do radinho já mandava ver.
- Ai tercereba, to te avisando que ta inflamado e num quero morte, tem 112 gaiato ai e tudo inocente, prometi ao diretor que num vai ter morte, num quero ninguém morto pra impressa falar que houve exageros.!!!!
- Sim Senhor.
- Reunir.
- E ai já pode entrar?
- Sim.
- Qual vai ser?
- Quem tiver em cima do telhado que tem uns três andares se num quebrar nada quando cair de lá, tu vai lá e quebra e quem se entregar, tu também quebra.
Que delicia ia ser aquele domingo, comecei a sorrir pois pensava que meu domingo ia ser só sofrimento, a festinha dos inocentes ia ser a nossa festinha.
Os bombeiros iam deixar aquele bairro um bom tempo sem água, que parecia um rio lá dentro, mesmo não sabendo nadar eu ia me aventurar naquela escuridão, o cheiro de madeira podre queimada e a fumaça invadia nossa pele e ia ficar um bom tempo com aquele perfume, a partir dali as rotas pesadonas iriam se dividir e todo mundo já sabia o que fazer, os que tavam nos telhados já sabendo que não tinha perdão mesmo com perdão prometido nem davam tempo de dar um “empurrãozinho”, mergulhavam conscientes da queda fatal, é sempre bom quando nos ajudam mas estragam um pouco a nossa “festinha do bem”.
Me surpreendi ao ver todo mundo trancado em um dos corredores.
-Ué? Trancados?
-Num tamos revoltados e tamos na paz.
- Hoje é dia de festa.
- Nossa festa é outra.
Engraçado, eu sempre achei que a festa de todos é festa de todos e quem num faz parte da festa deve ter algo incomum e como naquela festa pra mim todos eram iguais, eu não deveria fazer nenhuma distinção, pra num ficar dito por não dito que odeio papo mole e incontroverso, num perdi a viagem.
- Naftalina, abre essa tranca com o machado.
- Sim...Senhor!!!
- Deixa eu dar uma olhadinha em cada um de perto....hum, essa tatuagem aqui eu conheço....essa também....Só gente fina, ai rapaziada tratamento de primeira, prá ficarem ligados e um ano sem andar.
Eu não sei se vai ser apenas um ano pelo que vi depois, mas com certeza aquela comunidade toda do complexo ia dar um sossego pra sociedade por um bom tempo e ia ter gente que poderia até ficar de porta aberta que nem se arriscaria, a covardia sempre impera e é a que deve prevalecer neste mundo de morte.
Se alguém naquele dia tinha alguma pretensão de fugir dali pra reivindicar liberdade algum dia, com certeza iria demorar um bom tempo, o que eu já tinha visto de fratura exposta sem saber nada de ortopedia me fazia acreditar que a rapaziada tava cumprido na íntegra as ordens dadas e nada como ver os “resultados” para constatar o êxito da missão.
Um a um se arrastando sem chorar e pelados, marcando o chão de vermelho começavam a ocupar os espaços na quadra interna de lazer – “eles adoram futebol” , e eu bater neles com todas as bolas que meu time prá lá de bom batia redondinha, ia ser um placar de virada com direito a troféu e tudo, adoro futebol.
Aos poucos quem é inocente coloca nos olhos um ar de inocente, da qual jamais pode olhar nos olhos de quem não é inocente, tem horas que o olhar pode ser fatal, e, quem se atreve se já ta quebrado fica mais quebrado ainda que a ordem é todo mundo nu nesta festa de arromba e cabeçinha baixa de respeito.
Eu tava doido pra acabar com aquela festinha a tempos e num demorei nada, afinal os covardes não tem espírito de corpo na hora que a jeripoca arrepia e só lhes resta chorar e temer a morte, pois não sabem e nem a gente também, nossos limites na imposição da ordem. Acabar sem morte era a ordem, e foi cumprida.
A contagem sucedia por cada nome comum, até meu sobrenome tinha na lista e fiquei imaginando se num teria arrebentado um parente distante, mas que posso fazer? Ele ta do outro lado da linha que divide homens a muito tempo e que não fui eu que fiz as regras de liberdade e prisão.
“Maioral”, como sempre rindo a toa das noticias de sua atuação, nem colocou o pé e muito menos os dedinhos, mas a sua carinha estampada de mal reluzia nas primeiras páginas, acho que ele queria ser artista de jornal, adorava ver sua fotinha estampada aos elogios, com direito a almoço com a primeira dama estatal, fazer o que né se afinal a minha festa era outra nos meus sentimentos de liberdade.