Um Conto Misterioso - parte 01
Não sei ao certo qual foi a primeiro passo que dei para estar aqui.
Pode ter sido aquele conto que escrevi sobre a morte do presidente, não tenho certeza.
Também pode ser aquele dia em que conversei com alguém, via teclado, pela Internet lhe contando sobre o conto e em seguida veio a resposta de um fulano pedindo a continuação, lhe falei que não mandei a continuação porque achei estranho aquele fulano, que nunca tinha se manifestado, de repente querer o final de um conto, mais especificamente aquele.
Fazia seis meses que eu estava naquela lista e nunca tinha ouvido falar nada daquele fulano. Eu estava usando meu “ Nick” comum, do outro lado estava alguém com um “Nick” chamado “opertus”. Eu lhe falei do meu medo de estarem todas as listas da internet sendo vigiadas. Ele me convenceu que era idiotice de minha parte, nunca conseguiriam fazer isso. Segundo ele existiam milhares de listas, jamais eles conseguiriam isso, e depois, disse ele, o que um simples conto teria de tão importante?
Esse ultimo artificio me fez sair perdedor, uma derrota gostosa, pois já estava preocupado para valer.
Dois dias depois dessa conversa recebi um e-mail estranho de um tal Sr. X. Me perguntava se eu sabia realmente o que havia escrito, e o que aquelas páginas poderiam se tornar.
Quando terminei de ler, eu estava pálido, a sensação de ter feito algo errado me bateu forte, e eu sabia que não tinha como voltar atrás . Quem era esse Sr. X? Como obteve meu endereço eletrônico? Era policial? E se não fosse? Era algum terrorista?
Eu tremia e minha irmã notou o estado emocional em que eu estava. Preciso dizer, para vocês se situarem, que meu computador ficava no escritório de minha irmã, e que, graças a Deus , ela não entende patavina nenhuma de informática, porém o que tem de inepta nessa parte, compensa com a liderança da empresa. Perguntou o que estava acontecendo e eu desconversei, não posso dizer se ela percebeu o quanto eu estava com medo.
Mil idéias me povoaram a mente. Fui ao serviço e de madrugada voltei ao escritório para usar o micro. Tinha que passar uma resposta para o tal Sr. X. Lhe escrevi que aquilo era simplesmente um conto e que se eu havia cometido algum crime foi sem querer, mas enfatizei que crime maior era o que o governo fazia conosco.
Sem controle e sem me aperceber o que fazia descarreguei então minha indignação contra o sistema que nos controla.
Minha resposta mais parecia um jornal descrevendo os atos podres do presidente e de toda a clase dominante.
Falei da minha vergonha em fazer parte de uma geração que se calava e abaixava a cabeça para os abusos e as cargas que nos infligiam.
Disse, no e-mail, que não adiantava acabar com um, tinha de estourar a panela. Lembro da frase escrita por mim “ não tem diferença tirar um feijão de uma feijoada “ o resultado continua a ser uma indigestão, é o que deveria ter completado.
Mandei aquela resposta e por uns dias eu tive medo de caminhar na rua. Olhava desconfiado para todos os lados, quem sabe alguém poderia estar me vigiando. Eu me sentia um herói , mas ao mesmo tempo morria de medo. Herói porque a mim era como se estivesse enfrentando o estado, sozinho, abrindo minha boca e espalhando sementes em meio as pedras e ao cimento armado do governo. E tinha medo, medo de nada daquilo ser real e eu estar ficando louco; medo de alguma coisa estar acontecendo, devido ao meu e-mail, e eu não saber de nada, medo de ter falado demais e algum “acidente” me acontecer. Enfim, minha mente estava em polvorosa. Eu temia que houvesse passado do limite.
Duas semanas se passaram, enquanto ficava nessa insegurança horrível. Eu não ficava sentado em um restaurante se não fosse de costas para a parede. Não podia ter ninguem atrás de mim , era uma sensação horrível e não podia falar nada do que estava acontecendo a ninguem. Poderiam me achar louco, iriam dizer que era besteira, igual ao rapaz “opertus” me disse.
Tentei entrar no IRC depois de duas semanas. Depois daquela resposta eu não mais tivera coragem de lidar com a internet, nem no escritório da mana eu aparecia.
Demorou mais eu consegui.
Temendo alguma coisa, que ainda não sabia o que era, mudei meu Nick e localizei o “opertus” .
Depois de alguma conversa no canal aberto o chamei em PVT.
Perguntei se lembrava de mim, ele disse que não, então lembrei que estava com outro Nick. Voltei a usar o nome comum e ao me reconhecer ele disse que alguém estava querendo falar comigo.
Um arrepio frio me percorreu a espinha. Incrível, mesmo tão distante eu sentia medo, um medo crescente.
Quer dizer, eu imaginava que estávamos distantes pois a Internet tem esse lado da segurança que é a real posição do indivíduo nunca se revelar.
Me convidou para irmos até um canal que havia sido aberto pra nós discutirmos.
Canal estranho, nicks ainda mais. Era chamado de “celebração’ o canal. Lá estavam “carne-seca”, “pé-de-feno”, “opertus”, “magnum88”, que logo descobri ser quem dirigia aquele canal. Foi meu primeiro contato com eles .
Era algo parecido a você chegar em uma festa e não conhecer ninguém, e ficar só ouvindo, no caso lendo, o que os outros falam. Disseram que souberam do que eu escrevera e que estavam a fim de tentar alguma coisa para mudar o país Pediram o que poderiam fazer, como fazer, coisas assim. Pareciam colegiais, talvez universitários, porém alguma coisa no papo me parecia superficial demais. As perguntas para mim, quando foram eles que me convidaram para o canal?
Combinei com eles que toda sexta-feira depois das 02 da madrugada, já no sábado, nós iríamos nos encontrar. Entramos em acordo e eu desliguei o computador.
Na segunda vez que os encontrei no IRC eu passei a eles alguns textos e pedi para imprimirem e colarem ou distribuírem nas cidades onde viviam. Nas universidades, nas escolas, aonde houvesse uma reunião de jovens.
O tempo ia passando e eu sentia minha confiança ir voltando aos poucos.
Meu medo havia passado, eu agora me sentia como um líder revolucionário. Nenhum de nós disse em que cidade morava, isso fazia parte para proteger nossa identidade.
Na terceira vez em que nos encontramos todos já escrevíamos alguns textos e por votação escolhíamos os melhores para serem distribuídos.
Eu já havia esquecido o Sr. X, e a minha resposta. Estava engajado agora em algo que eu via sentido.
Dois meses depois de começarmos a largar textos nas ruas e avenidas, além das universidades onde morávamos, saiu uma pequena nota do nosso movimento no JB ( Jornal do Brasil). O texto era do “carne-seca”. Um texto que havia sido eleito na última sexta de Julho. Falava da venda de votos para a reeleição, do projeto da desestatização para enfraquecer o estado como nação soberana e da fraqueza dos esquerdistas frente a força do dinheiro. Também falava sobre a política no centro dos sindicatos.
Vibramos todos no primeiro encontro virtual após essa publicação, nosso grupo agora já contava com 08 pessoas agregadas frente ao longo questionário eletrônico que Magnun88 fazia questão de colocar nas mãos dos “mais favoráveis’ a nossa causa . Os mais novos “ mão-branca” , ‘banana34” e flor38” nos pareceram mais confiáveis, visto suas respostas, mas a mim pareciam crianças querendo parecer mais velhos colocando os dígitos numericos.
Nunca cogitamos um encontro pessoal entre nós. Isso estava descartado, foi o que ficou acertado desde o nosso primeiro encontro.
Porém depois dessa publicação eu vi que alguns já estavam esquecendo nosso verdadeiro intento. O orgulho e a ostentação da fama. “Carne seca’ disse que queria ir até a televisão, queria mostrar seu rosto, mostrar ao pai que não era um bunda- mole como o velho o tratava.
‘Banana 34” foi firme e disse que se ele fizesse isso nunca mais iria encontrar um de nós, e também disse que era muito perigoso, pois agora estávamos incomodando de verdade. Não era uma coisa regional era nacional. Aguns de nós, disse ele, eram do Nordeste, outros do sul, e ainda tinha gente no Sudeste.
Me assustei quando ele disse isso.
Nenhum de nós até então havia dito de que região era. É certo que notávamos alguns dizeres tradicionais com “viste” “tu” , “ malandro”, maninha”, mais poderiamos estar brincando ou fingindo.
“Magnum 88” pediu ao “Banana 34” como ele sabia desse negócio de região falando por nós todos, e o inquirido disse saber que várias universidades no país inteiro tinham em seus murais nossos manuscritos, e ainda nos muros da cidade, em praças e até mesmo em supermercados havia sempre alguém lendo nossos textos.
A turma vibrou com a resposta achando que isso queria dizer que estávamos tendo sucesso em nossa empreitada. Porém eu me calei. A sensação de que algo de ruim poderia acontecer a qualquer momento era como um sino dentro de minha cabeça.
Fazia agora noventa dias que tínhamos formado um grupo chamávamos “ o octógono” a nossa pequena equipe idealista.
Um dos nossos conseguiu colocar uma matéria na folha de São Paulo no dia 07 de Julho. Do lado da matéria sobre a coincidência da morte de Tancredo Neves e de Tiradentes, os dois vultos morreram no mesmo dia, apesar de em épocas diferentes. Nosso texto era sobre a diferença entre ser colônia Portuguesa e ser colônia Americana.
Dia 22 de Agosto.
Um dia depois da publicação recebi um outro e-mail do Dr. X.
Dizia estar contente com o nosso sucesso e disse que poderia nos ajudar a ir mais longe. Ofereceu dinheiro para que pudéssemos montar uma pequena gráfica. O desgraçado disse que era só passar para ele o número da conta que ele depositaria em menos de vinte e quatro horas uma quantia que dava para comprarmos uma gráfica todo mobiliada com equipamentos de ultima geração.
Era tudo o que precisávamos, porém eu havia aprendido a desconfiar de tudo e de todos devido ao meu oficio secreto.
Com o n.º da conta ele poderia localizar-me ou a algum outro membro do “Octógono”. Eu sabia que os outros não importavam para ele. Era a mim que queria. Pois nenhum dos outros jamais tocou no nome dele. E por diversas vezes eu tentei tocar no assunto do primeiro e-mail recebido mas me falaram para calar-me.
Não respondi a este segundo comunicado.
Depois me arrependi amargamente disso. Poderia ter poupado o “pé-de-ferro”. Cabe uma explicação. Não era “o”, era “a”. Encontraram o corpo dela em um barranco, fiquei sabendo depois, cheio de mutilações, com corte nos seios e queimadura na sola dos pés. Era de Santo André, no ABC paulista.
Enfim eles chegaram até mim.
Uma tarde, no ínicio de Outubro, minha irmã recebeu um telefonema pedindo se não queria fazer uma pagina na internet e fazer o domínio de graça. Eu só fiquei sabendo disso no outro dia, quando o pessoal já tinha ido até o escritório.
Quando ela me disse isso eu tentei entrar no navegador e um vírus atacou a tela do meu micro, parecia um ping-pong, porém mais rápido e maior. Logo a tela do meu computador ficou parecendo uma teia de aranha, toda riscada de branco. Então eu soube. Não era um, mas vários. Desliguei o micro e fiquei desesperado dentro da sala.
Eles tinham me descoberto!!
Pedi a minha irmã se ela tinha um cartão da firma, ou telefone deles , me passou o cartão. Um X enorme no meio do cartão e um numero de telefone abaixo eram os únicos caracteres no cartão.
Tremendo, peguei o aparelho e liguei para ouvir a voz do Dr. X.
- Ainda bem que ligou rapaz! Precisamos conversar sério.- era uma voz grossa, pausada. Como se fosse um estrangeiro. Havia sotaque. Apesar de haver vários Argentinos na cidade alguma coisa me dizia que aquele sotaque não era hispano.
- Puta que pariu! Que conversar nada! Você fodeu com meu micro.
- Calma garoto! Temos coisas mais importantes para tratar.
- Seu merda, fodeu meu micro.
- E você tá fodendo com o teu país, seu verme! Será que não enxerga a diferença? O que é um computadorzinho desses aí, comparado ao que você esta aprontando.
- Olha eu......- lembrei da minha irmã na sala ao lado - Onde eu te encontro?
Marcamos o encontro, para ás 15:00 hs na praça XV. Escolhi o local por ser bem movimentado e porque estava tremendo de medo. Na verdade estava apavorado. Não sabia o que podia me acontecer, também não sabia dos outros do “octógono”.
Resolvi tentar um contato com eles.
Fui até a sala de um escritório de um amigo e depois de convencê-lo a me deixar usar o computador, tentei entrar em contato com “a turma”. Mas não obtive sucesso. Nenhum deles estava no nosso canal. Como nós havíamos combinado, ninguém tinha o endereço eletrônico de ninguém. A única forma de nos comunicar-mos era no canal. Por medida de segurança, sequer o número de ICQ alguém possuia.
Cheguei na praça com uma hora de antecedência. Sempre gostei de me antecipar aos encontros, desde os amorosos quanto mais nessa questão.
Conversei com dois taxistas conhecidos. Lhes contei uma história de que alguém iria se encontrar comigo e queria que eles observassem bem o cara caso algo acontecesse comigo. Ficaram preocupados mas lhes acalmei informando-os que era um marido ciumento que me vira conversando com a esposa e que agora queria tirar satisfação. Deram risada e falaram para ficar tranquilo que iriam ficar de olho.
Fiquei numa posição estratégica onde os taxistas me viam pelas costas mas no entanto poderiam ver que se aproximasse de frente.
Eu tremia. Estava usando uma botina e meus pés estavam suando. Não estava usando meias, nunca gostei delas com a botina. Comecei a esfregar um pé sobre o outro, quando um engraxate se aproximou.
Pediu se queria engraxar, eu o dispensei lhe dando um real, no que ele me disse que um homem velho queria falar comigo do outro lado da figueira. A figueira fica bem no meio da praça e devido a grossura do seu tronco não era possível observar quem estava do outro lado.
Falei para o garoto que lhe daria dez reais se ele me mostrasse o velho sem que esse pudesse me ver. O garoto falou que não tinha jeito a não ser esperar o outro se levantar.
Tentei dominar meu medo e a ansiedade que me dominava.
Comprei um jornal para mim e um sorvete para o pequeno engraxate e ficamos ali parados. Eu é que não iria até eles. Foram eles que me acharam,. Se queriam falar comigo, então que viessem até o banco onde eu estava.
Porém eu estava curioso, curioso e com medo.
Mesmo que o medo não fosse tão grande, a ponto de não poder mover as pernas, eu não deveria sair da minha posição pois perderia a vigilância dos taxistas amigos. Não poderia, em hipótese alguma sair do raio de visão deles.
Depois de uns quarenta minutos o menino me deu um toque quando um homem aparentando uns sessenta anos, cabelos grisalhos se aproximou. Fumava, em um cachimbo “Norklee”, um fumo barato.
----- O chefe quer lhe ver!- disse ele. E emendou ao ver que não me mexia - Não se faça de esperto e me siga, rapaz! -- exagerou no rapaz e acho que não gostou de me ver sentado com as duas pernas sob meu corpo, como um Yoga.
Quando o vi chegando me perguntei se esse era o Dr. X. Mas conclui, quando ele disse aquilo, que me enganara, pois a voz no telefone era diferente. Claro, o que eu queria? que um cara como ele aparecesse em Público? Um cara que disse ter milhões disponíveis. Idiotice da minha parte.
Segui o homem estranhando suas feições enrugadas. Mas tarde eu saberia que era uma máscara facial feita de silicone e látex.
Antes de entrar no carro em que ele abriu a porta, eu olhei em direção aos taxistas. Não os vi. Tava fudido. Eles estavam fora das minhas vistas, o que queria dizer que eu também estava fora do angulo de visão deles.
O engraxate?! Cadê ele? Pura ilusão, o menino já tinha se mandado, provavelmente embolsando mais uma grana desse pessoal.
Entrei no carro com o rosto virado para fora tentando localizar os meus vigias. Quando sentei no banco uma mão forte tapou minha boca usando um pano com éter.