A CONFRARIA DO MAL
APRESENTAÇÃO
Neste romance policial, Jorge, um homem de meia idade, pacato, dono de uma banca de jornal na cidade de São Paulo, se vê, de repente, envolvido em uma trama jamais imaginada. À partir de uma simples conversa entre dois clientes ele descobre que há algo a mais por trás daqueles cidadãos bem trajados. Com a ajuda de Encarnacion, sua vizinha argentina, ele irá tentar desvendar o mistério que envolve aqueles homens de sotaque espanhol e acabará se deparando também, por uma incrível coincidência, com o mistério que envolveu a morte de Ernesto, marido de Encarnacion.
Mas qual será o segredo daqueles homens? Jorge irá mesmo se arriscar para descobrir? Terá ele coragem para levar essa ideia adiante? Como sua vizinha poderá ajudá-lo?
Mergulhe nesta aventura em companhia dessa dupla de pessoas comuns e descubra que na vida tudo pode mudar num piscar de olhos.
CAPÍTULO I
Jorge era um homem tranquilo vivendo uma vida pacata na agitada cidade de São Paulo, a maior metrópole brasileira. Uma vida sem sobressaltos, seus movimentos eram sempre calculados e o único compromisso que tinha era com o seu trabalho na pequena banca de jornais de sua propriedade, numa praça não muito movimentada num bairro próximo do centro financeiro da cidade, onde chegava diariamente às seis horas da manhã e saía às oito da noite, menos aos domingos quando fechava por volta do meio-dia. Fazia as refeições ali mesmo, sentado atrás do pequeno balcão. Sua banca era um cubículo onde ele circulava apertado em meio a revistas, jornais e guloseimas.
Homem de meia-idade, boa aparência, de poucas palavras e sem amigos, mas era atencioso com seus clientes, na maioria moradores de casas e apartamentos próximos da praça que sempre vinham comprar revistas e jornais, além das crianças que viviam brincando ao redor da banca e consumindo guloseimas. Diariamente sua rotina era a mesma. Saía de casa, um quarto e sala de fundos que alugava num bairro não muito distante do seu local de trabalho, ia caminhando e levava cerca de meia hora para chegar. Andava sempre pelo mesmo caminho, encontrava as mesmas pessoas, conversava os mesmos assuntos e voltava para sua casa solitária. Além dele, os outros seres vivos que habitavam o ambiente eram algumas baratas e dois camundongos que andavam por ali arrastando os restos de comida que ele deixava na pia. Mas Jorge não se sentia só, era um homem de leitura, sua estante era repleta de livros que eram seus companheiros de noite. Porém sua vida daria uma guinada total à partir de um encontro com um homem misterioso.
Certo dia apareceu na banca à procura de literaturas em língua hispânica, um homem baixo e com aspecto andino, vestido num terno bem cortado cinza-escuro, camisa preta, gravata cinza-claro com um broche dourado afixado nela e sapatos finos bem lustrados. O homem mudara-se recentemente para um apartamento de um dos condomínios em frente à praça. Comprou também um jornal de grande circulação e a Gazeta do Amazonas. Passou a frequentar a banca diariamente mas nunca trocava mais do que um bom dia com Jorge. Este por sua vez procurava ser amável e respondia com um “buenos dias”, pois vira que o homem falava castelhano. Jorge notara que o homem sempre abria a Gazeta do Amazonas imediatamente no caderno policial, mas nunca dera muita importância. Um dia, logo cedo, aquele homem veio à banca com outro em sua companhia, igualmente bem trajado e os dois conversavam em castelhano num tom de voz muito baixo, quase em sussurros. Eles falavam rápido demais e Jorge não conseguia entender o que diziam, mas percebeu que falavam algo sério e ouviu a palavra "cofradía". Jorge, que era um amante das letras ficou intrigado com o pouco que ouviu. Mais tarde, em casa, pegou um dicionário espanhol-portugês e procurou a tradução da palavra "cofradía" e viu tratar-se de "confraria". Imediatamente apanhou o dicionário da língua portuguesa e encontrou o seguinte: "confraria: irmandade, sociedade de pessoas com o mesmo modo de vida". A curiosidade de Jorge fora aguçada. Aquele era um assunto que merecia atenção, pensou ele.
À partir daquele dia, os dois passavam em sua banca diariamente. Jorge procurava ficar atento ao que eles conversavam para ver se entendia alguma coisa, mas era sempre da mesma maneira, falavam baixo e rápido demais e ele compreendia umas poucas palavras esparsas, mas a palavra "cofradía" geralmente estava presente nas conversas.
CAPÍTULO II
Como era estudioso e interessado, levou para casa um encarte de um curso de espanhol contendo um livro e uma fita vhs. À partir daquela noite sua rotina fora mudada. Logo que chegava em casa tomava um banho, fazia uma rápida refeição, ligava o vídeo cassete e punha-se à frente da televisão com o livro na mão e, concentrado estudava. Queria aprender espanhol para entender o que aqueles homens misteriosos tanto conversavam. Os dias foram passando, os homens continuavam comprando literaturas em espanhol e os jornais, conversavam em frente à banca e saíam. Jorge comprara uma caderneta onde anotava algumas palavras que conseguia ouvir da conversa e à noite, ao chegar em casa, fazia sua lição e buscava no dicionário as palavras que anotara. A cada dia ele se maravilhava com seu progresso no estudo da língua hispânica e podia testar seus novos conhecimentos ouvindo aqueles dois e entendendo pouco a pouco o que falavam. Descobriu que o homem que morava no prédio em frente à praça era peruano e se chamava Pablo e que seu companheiro Ramon era boliviano. Já era um bom começo na tentativa de desvendar o mistério que rondava aqueles homens.
Passaram-se alguns dias sem que os dois aparecessem na banca. Jorge ficou intrigado e ao mesmo tempo chateado porque pensou que poderia jamais vê-los novamente e assim perderia a chance de desvendar o mistério sobre a tal confraria. Mesmo assim não desanimou do estudo e como de costume, todos os dias fazia sua lição e praticava lendo algumas literaturas em espanhol que havia na banca. Lembrou-se de dona Encarnacion, uma argentina viúva, aparentava uns quarenta e poucos anos, bonita, que morava na casa em frente à sua e com quem tinha tido um pequeno desentendimento meses atrás por causa de um dos gatos dela que entrara em seu cômodo, certamente para caçar camundongos, e fizera uma tremenda bagunça deixando sua cozinha ainda mais desarrumada do que de costume. Mas não havia sido nada sério, ela o xingara em espanhol e ele nem se aborrecera porque não havia entendido nada mesmo. Ela não vivia só como ele, mas na companhia de seus dez ou mais gatos por quem daria sua vida se necessário fosse. Jorge pensou em procurá-la para tirar algumas dúvidas sobre as lições de espanhol e aproveitar para aprender algumas palavras e quem sabe até travar uma conversação para se aprimorar. Ficou relutante pensando que poderia ser mal interpretado pela viúva, mas o desejo de aprender falou mais alto e então encheu-se de coragem e procurou-a naquela noite ao retornar para casa. Para sua surpresa ela o recebeu muito bem.
-Boa noite dona Encarnacion.
-Boa noite señor Jorge! Entre por favor.
Dona Encarnacion ficou surpresa com a visita mas foi amável e lhe serviu um chá com o bolo que havia preparado naquela tarde.
-A que devo a honra de sua visita? Para mim é uma surpresa o señor aqui, mas estou feliz pois raramente alguém vem à minha casa. Desde que Ernesto morreu há dois anos só recebo a visita de uma sobrinha da Argentina, e ainda assim, muito esporadicamente. Infelizmente não tivemos filhos.
-Bem dona Encarnacion, primeiro quero lhe pedir desculpas pelo episódio do gato, fui muito grosseiro com a senhora.
-Ora señor Jorge, eu também lhe devo um pedido de desculpas, não devia tê-lo ofendido.
-Tudo bem, eu mereci. Mas já passou e não vejo motivos para não conversarmos, já que somos vizinhos.
-Certamente señor Jorge.
-Mas tenho uma coisa para falar com a senhora. Eu comecei a estudar espanhol e gostaria de saber se pode me ajudar.
-Puxa, que maravilha! Claro que posso, será um prazer e além disso vou poder praticar minha língua pátria, desde que Ernesto morreu não falo espanhol com ninguém.
Então combinaram que ele a visitaria três noites na semana para revisar as lições que aprendia em casa.
CAPÍTULO III
O progresso no aprendizado era notório e em poucas semanas Jorge já conseguia travar alguns diálogos com dona Encarnacion e ficou empolgado com isso. Alguns dias depois, para alegria de Jorge, lá estava novamente em sua banca o tal peruano, Pablo, desta vez sozinho novamente.
-Buenos dias - disse-lhe calorosamente Jorge.
Pablo apenas assentiu com a cabeça, pegou as literaturas e os jornais de seu interesse, abriu imediatamente o Gazeta do Amazonas no caderno policial, deu uma rápida olhada nas manchetes e saiu como sempre com o jornal embaixo do braço.
Um misto de alegria e frustração envolveu Jorge naquele momento. Alegria pela possibilidade de voltar a tentar desvendar o mistério, e frustração por Pablo estar sozinho e não conversar nada para que ele pudesse começar a descurtinar aquela história. Mas pelo menos seu alento estava de volta com as possibilidades. Os dias foram se seguindo e Pablo passava rotineiramente na banca e como sempre, mudo. Até que uma certa manhã algo diferente aconteceu. Enquanto Pablo estava na banca seu telefone tocou e ele atendeu imediatamente. Jorge pôs-se a ouvir discretamente a conversa. Seguro de que não estava sendo entendido, Pablo falava sem discrição, pois não havia mais ninguém por perto além de Jorge, que com aquele aspecto simples não aparentava saber outra língua, mal e mal o português. Mas enganara-se Pablo. A esta altura Jorge, com a ajuda de dona Encarnacion, conhecia muitas palavras em espanhol. E foi aí que tudo começou a ficar mais intrigante para ele. A conversa de Pablo ao telefone era com um tal de Santiago e ao que parecia estava ligando da Venezuela. Não era uma conversa amistosa porque Pablo se mostrava nervoso, andava pra lá e pra cá em frente à banca e gesticulava muito, além de estar com o semblante sombrio. Jorge ouviu parte da conversa e novamente a palavra "cofradía" fora citada, e desta vez ele pôde entender mais, falavam também de uma reunião dentro de alguns dias e que Santiago viria para participar e Pablo se encarregaria de efetuar uma reserva de hotel. Jorge estava eufórico agora. Pablo desligou, pegou as literaturas e os jornais e nem abriu o Gazeta do Amazonas como de costume, saiu apressado cruzando a praça em direção ao prédio onde morava.
Jorge estava ansioso para saber detalhes do que ouvira. Agora ele sabia que Pablo iria receber visitas dentro de alguns dias para tratarem de algum assunto sério referente à tal confraria e precisava descobrir mais a respeito. Lembrou-se de já ter conversado algumas vezes com Severino, um dos porteiros do condomínio onde Pablo residia. Era um cearense muito tranquilo e falante, sempre alegre. Agora Jorge estava tentando pensar em algo para falar com Severino e conseguir, de alguma maneira, ter acesso a mais informações sobre Pablo e seus hábitos. Nada lhe ocorria e naquele dia fora embora com a cabeça a mil por hora. Era dia de visitar dona Encarnacion para tirar dúvidas do idioma espanhol. E lá se foi, cumprir sua rotina, só que agora com os pensamentos voltados para o peruano, a reunião e a tal confraria. Após tomar um banho e fazer sua refeição, dirigiu-se à casa de dona Encarnacion, só que aquela noite não quis recapitular a lição, preferiu contar à ela o motivo do interesse pela língua espanhola e o que estava acontecendo.
-Sabe dona Encarnacion, preciso contar-lhe o motivo pelo qual resolvi aprender espanhol.
-Ah, então tem um segredo señor Jorge! Diga-me o que o fez despertar o interesse pelo meu idioma?
Jorge contou a história do peruano e de como ficara curioso à respeito da tal confraria de que ele tanto falava. Foi aí que teve uma revelação da viúva que caiu como uma bomba sobre a cabeça de Jorge e que mudaria totalmente o rumo dessa história.
CAPÍTULO IV
Então, naquele momento dona Encarnacion fez-lhe uma revelação.
-Señor Jorge, meu marido Ernesto também fazia parte de uma "cofradía" e na verdade morreu envenenado e não de infarto, como foi divulgado na época.
Jorge ficou mudo e não podia acreditar no que estava ouvindo, afinal, sempre vira o senhor Ernesto passeando pelas ruas do bairro com aspecto tranquilo ao lado da esposa, sem que ninguém pudesse imaginar que ele participasse de alguma coisa do tipo que tem segredos mortais. Mas era verdade.
-Eu nunca soube em que meu marido estava envolvido porque ele jamais comentava nada a respeito das reuniões que participava, sabia apenas que não se tratava da maçonaria pois o símbolo que havia no broche que ele usava na gravata era diferente do símbolo da maçonaria que eu conheço bem, pois meu pai era maçom. Mas eu sabia que era algo sério, pois muitas vezes o via com semblante preocupado, inclusive, dias antes de sua morte percebi que ele andava muito aflito, não comia direito, dormia pouco e fumava muito, além do normal e falava apenas o necessário. Eu respeitava seu silencio e não fazia questionamentos.
Nesse momento ela pediu licença, foi ao quarto e voltou com um estojo preto em suas mãos, de tamanho pequeno, semelhante ao estojo de uma joia e entregou-lhe. Ele imediatamente abriu e viu algo que não conhecia, um broche dourado com um desenho diferente de tudo o que havia visto até então.
-Vi broches nas gravatas do Pablo e do Ramon, mas não prestei atenção no formato pois muitos executivos de empresas usam broches.
Analisou aquele objeto em sua mão, era pequeno e dourado, com formato de uma estrela só que quadrado e com quatro pontas, na verdade quatro setas apontando cada uma para um ponto cardeal, com cerca de dois centímetros de diâmetro, com um alfinete na parte de trás no sentido horizontal. No centro, as letras “F” e “N”. Jorge percebeu que na verdade tratava-se de uma joia mesmo, pois o broche era verdadeiramente de ouro e as letras em madrepérola. Aquela havia sido uma noite e tanto para ele. Nem conseguiu treinar seu espanhol, ficara tão chocado com a história do senhor Ernesto e com o broche que não conseguia pensar em mais nada. Assim, totalmente tomado por um misto de euforia e curiosidade, despediu-se de dona Encarnacion e fora para casa dormir.
No dia seguinte Pablo apareceu na banca no mesmo horário de sempre, deu um "buenos dias", pegou as mesmas literaturas e os mesmos jornais, abriu o Gazeta do Amazonas como de costume e saiu. Ele estava com seu broche na gravata e Jorge agora dera uma olhada mais demorada, porém cuidadosa para que o peruano não desconfiasse de nada. O broche era exatamente idêntico àquele que a dona Encarnacion lhe mostrara. Não havia dúvidas, Pablo pertencia à mesma confraria que o senhor Ernesto, quem sabe ele mesmo pudesse ter algo a ver com a morte do argentino. Naquele instante um arrepio subiu-lhe pela espinha, poderia estar diante de um assassino, mas não queria tirar conclusões precipitadas, não era do seu caráter. O restante do dia passou sem maiores incidentes.
À noite foi até a casa de dona Encarnacion e contou-lhe o que vira:
-Dona Encarnacion, o broche do peruano é idêntico ao que o seu marido usava.
Ela ficou pálida e sentiu uma vertigem. Jorge ficou preocupado, foi até a cozinha e trouxe-lhe um copo com água, ela bebeu e sentiu-se melhor.
-Conte-me mais alguma coisa sobre os hábitos do senhor Ernesto.
-Ah, ele era um homem comum, de hábitos simples e trabalhava como contador numa indústria de cosméticos na Argentina e veio transferido para o Brasil há 8 anos, exatamente quando começou a frequentar as reuniões da tal confraria. Após a mudança nossa vida continuou normal, apenas haviam as tais reuniões uma vez por semana, nas noites de terça-feira, em lugar desconhecido por mim, sabia apenas que durava cerca de quatro horas, pois ele sempre saía de casa às oito da noite e chegava por volta de uma hora da madrugada. Ele nada comentava sobre o conteúdo das reuniões, apenas dizia-me que era coisa de homem, nada muito importante e eu aceitava pois ele era um bom homem, bom marido e de bom caráter.
Essa informação fora preciosa para Jorge. Agora ele sabia que Pablo certamente participava dessas reuniões e precisava dar um jeito de descobrir onde era o local.
Eles repassaram a lição e ficaram um longo tempo conversando amenidades.
CAPÍTULO V
No dia seguinte Pablo passou pela banca e novamente acompanhado por Ramon. Falavam coisas triviais e Jorge não conseguiu captar nenhuma informação sobre a reunião. Naquele mesmo dia, Severino, o porteiro do prédio onde Pablo morava, veio até a banca em seu horário de almoço buscar uma revista de culinária para uma senhora idosa, também moradora naquele condomínio. Jorge não se conteve e puxou uma conversa com Severino:
-Bom dia Severino, como vai? Sabe, tenho muitos clientes que moram no seu condomínio e especialmente um peruano de nome Pablo que é fiel, comparece diariamente para comprar literaturas de língua espanhola e seus jornais prediletos.
-Ah, o seu Pablo. Ele é muito gentil, me dá boas gorjetas quando lhe entrego as correspondências, principalmente nos dias em que tem um envelope amarelo grande, uma vez por semana.
-É do exterior?
-Não, é da cidade mesmo, eu vi pelo carimbo dos correios, mas sem remetente, apenas com um timbre diferente.
O coração de Jorge acelerou naquele instante, estava ali a chave para descobrir o endereço do local das reuniões.
-Severino, qual dia da semana chega o envelope?
-É sempre na quarta-feira e seu Pablo pediu para entregar-lhe imediatamente assim que chega, e eu faço prontamente e por isso sempre ganho uma boa gorjeta.
Jorge agora tinha diante de si um desafio, descobrir uma maneira de ver o carimbo e o timbre no tal envelope. O próximo chegaria no dia seguinte e ele precisava pensar em algo. À noite encontrou-se com dona Encarnacion e expôs o ocorrido. Ela pensou, pensou e deu-lhe uma sugestão:
-Olha señor Jorge, amanhã eu posso ficar na banca de manhã para o señor ficar na espreita e ver quando o carteiro chega com o envelope, aí o señor terá de dar um jeito de conseguir ver o carimbo, só que isso eu não sei como.
-A ideia é boa. Vou pensar em como me aproximar do envelope sem levantar suspeitas.
Ficou assim combinado e ele foi para casa, não sem antes passarem a lição de espanhol. No dia seguinte ele teve uma ideia. Dona Encarnacion chegou por volta das nove horas, Jorge já estava aflito, mas sabia que o carteiro ainda não havia chegado. Deu algumas instruções a ela, pegou uma revista de culinária, dirigiu-se ao outro lado da praça, sentou-se num banco e ficou observando o movimento no portão do condomínio, de maneira discreta para não ser percebido. Ficou ali quase duas horas e de repente viu chegar uma moto amarela e parar na portaria. O carteiro desceu e tocou a campainha. Nesse momento Jorge atravessou a rua e aproximou-se do portão, ao lado do carteiro. Severino demorou alguns minutos para vir receber as correspondências e nesse momento Jorge puxou uma conversa com o carteiro:
-Olá, sou amigo de Severino, o porteiro. Sou o dono daquela banca na praça e que vim entregar uma revista para uma moradora e posso entregar as correspondências para ele se quiser.
O carteiro, com sua costumeira pressa e vendo que Jorge parecia de confiança, pediu-lhe então que levasse as correspondências ao porteiro. Jorge não podia acreditar no que estava acontecendo. Pegou o envelope amarelo em suas mãos e olhou o timbre, era exatamente o desenho do broche. Nesse instante Severino chegou ao portão e Jorge conseguiu ainda ver rapidamente o carimbo da agência dos correios onde o envelope fora postado antes de entregar tudo ao porteiro, contando-lhe que o carteiro havia lhe pedido um favor e dizendo também que estava ali para dar uma revista de culinária como cortesia àquela senhora idosa que morava no condomínio. Severino nada percebeu, pegou as correspondências e a revista, agradeceu sorridente e entrou. Jorge suspirou fundo e voltou para a banca. Contou a dona Encarnacion o que vira e na empolgação os dois se abraçaram comemorando o acontecido, o que gerou um certo constrangimento em ambos, já que nunca haviam feito isso antes.
A alegria só não foi completa porque ainda não sabiam o endereço de onde saíra o envelope, mas já era um começo. Dona Encarnacion aproveitou e foi a um ateliê onde fazia um curso de artesanato, depois passaria no supermercado que havia nas redondezas e combinaram de voltarem para casa juntos em seu carro, já que então não faltaria muito para o expediente de Jorge terminar. E assim, depois das compras passou na banca e foram embora conversando animadamente. Eles se tratavam com cerimônia, ele a chamava de dona Encarnacion e ela o chamava de señor Jorge. Ela tinha uns quarenta e poucos anos mas aparentava menos. Era uma mulher charmosa, de gestos delicados e que cuidava de sua saúde e da aparência muito bem. Ali, naquele caminho de volta ela tomou a iniciativa e disse:
-Senõr Jorge não precisa me chamar de dona Encarnacion, só de Encarnacion, afinal, já somos amigos e me sinto velha quando me chama de dona.
Jorge por sua vez ficou sem jeito, não conseguiu dizer muita coisa:
-Tudo bem, à partir deste momento não a chamarei mais de dona, apenas Encarnacion, para mim soa ainda estranho, mas me acostumarei, mas a senhora, ou melhor, você também deverá me chamar apenas de Jorge.
Ela concordou imediatamente. Chegaram e cada um foi para sua casa, naquela noite Jorge não foi à casa de Encarnacion porque era a noite de estudar em sua casa, e assim o fez.
CAPÍTULO VI
Na manhã seguinte Jorge percebeu um movimento estranho em frente ao edifício do outro lado da praça. Viu que dois carros pretos de luxo pararam e de cada um desceram três homens de terno cinza escuro e dirigiram-se à portaria. Imediatamente imaginou que deveriam ser da confraria e que iriam ter com o peruano Pablo. Acertara na mosca. Naquela manhã Pablo não viera buscar suas literaturas e os jornais. Eram quase treze horas quando saíram do prédio os seis homens juntamente com Pablo e Ramon e entraram nos carros que haviam ficado estacionados na rua ao lado da praça. Depois não viu mais aqueles carros voltarem ao prédio. À noite foi à casa de Encarnacion recapitular a lição estudada na noite anterior. Contou a ela que vira os dois carros com os seis homens e os dois concluíram que provavelmente haviam vindo para a grande reunião da confraria. Eles precisavam descobrir onde era o local e qual a data e horário da reunião.
-Meu palpite é de que será na próxima terça-feira, já que nunca meu marido saiu em outro dia para as reuniões. Como faltam ainda alguns dias teremos tempo de procurar o endereço correto. Posso ir nas redondezas da agência dos correios de onde partiu o envelope e vasculhar cada rua de ponta-a-ponta até encontrar alguma pista.
-Está mesmo disposta a fazer isso? Perguntou Jorge.
-Claro que sim - respondeu ela.
De manhã Encarnacion deu carona para Jorge até a banca e de lá partiu para realizar a investigação. Era num bairro residencial tranquilo com casas de alto padrão. Deixou o carro no estacionamento ao lado dos correios e saiu à pé procurando alguma pista. Caminhou por uma das ruas olhando cuidadosamente cada casa mas não via nada suspeito. Foi quase meia hora de caminhada até o fim da rua. Entrou numa padaria, sentou-se num banquinho próximo ao balcão, tomou um copo d'água, descansou e iniciou a caminhada novamente. Andou por várias outras ruas do bairro e nada encontrou que pudesse levar ao endereço da reunião. Assim, voltou à banca de Jorge desanimada. Nesse momento ocorreu uma ideia a Jorge:
-Geralmente reuniões são regadas a comes e bebes e esta certamente não será diferente. Percebi seus dotes culinários e pensei que poderíamos fazer alguns cartões de visita anunciando um buffet e fazer com que pelo menos um chegue às mãos de Pablo através de Severino, o porteiro.
-Grande ideia. Tem uma gráfica rápida na avenida, vou até lá mandar confeccionar os cartões com meu nome e telefone. Mas precisamos de um nome sugestivo para o buffet.
-Que tal "Buffet Los Andes"? Falou Jorge - é um nome que irá com certeza chamar a atenção de Pablo.
-Excelente! - concordou ela, e foi à gráfica fazer os cartões.
Isto feito, Jorge entregou todos os cartões a Severino e pediu que o ajudasse a divulgar o buffet pois era de uma amiga sua que precisava muito de dinheiro para sustentar a família. Severino, homem de bom coração, imediatamente passou a distribuir os cartões. Colocou um junto com as correspondências do peruano e entregou-lhe em mãos. Como Pablo era o encarregado de organizar a grande reunião, ocorreu-lhe que seria uma ótima ideia contratar um buffet para servir o coffee-break aos companheiros, pois aquela seria uma reunião demorada. E assim fez, ligou para Encarnacion naquela mesma noite e combinaram o preço e o cardápio, o local e horário onde deveriam ser entregues os quitutes. Porém, salientou o peruano que ela deveria entregar tudo, receber e sair do local. Jorge, que estava na casa de Encarnacion ouvindo a conversa pelo viva-voz do telefone não gostou da conversa. Ainda não era o que eles queriam, pois assim não ficariam sabendo do conteúdo da reunião, mas Pablo havia mordido a isca e conseguiram a preciosa informação, o endereço da sede da confraria.
No dia seguinte, Encarnacion foi até a rua informada por Pablo para se certificar onde era exatamente a sede da confraria. Enquanto ela descia a rua, percebeu dois homens vestidos como Ernesto se vestia para as reuniões e ficou observando-os entrarem numa casa grande com muro alto e portões de ferro. Entrou numa lanchonete e ficou esperando para ver o que acontecia. Depois de mais ou menos duas horas saíram vários homens da casa e entraram num estacionamento ao lado, logo em seguida ela viu dois carros pretos de luxo saindo para a rua. Não havia mais dúvida, o lugar era aquele mesmo. Então ela voltou para a banca de Jorge, contou à ele o que vira e novamente os dois se abraçaram e se alegraram. Agora precisariam arquitetar um plano para descobrir o conteúdo da reunião. Havia mais a ser planejado. A estratégia quase funcionou. Agora precisariam de outro plano, algo mais arriscado pois o tempo urgia e talvez fosse essa a única oportunidade que teriam para desvendar o mistério que envolvia aqueles homens e a morte do marido de Encarnacion.
Conversaram muito à respeito e chegaram a uma conclusão, Jorge deveria acompanhar Encarnacion na hora da entrega dos comes e bebes e de alguma maneira entrar no recinto sem ser notado. Era uma estratégia perigosa pois sabiam que estavam lidando com pessoas perigosas, porém talvez fosse a única chance de atingirem o objetivo. No dia seguinte o peruano Pablo fora à banca de Jorge sozinho e fizera o costumeiro. O fim de semana passava devagar para Jorge e Encarnacion devido a ansiedade que estavam para chegar a terça-feira, quando finalmente realizariam o plano para desvendar o mistério da confraria do mal. Encarnacion convidou Jorge para almoçar em sua casa no domingo e ele aceitou prontamente.
Assim, no domingo ele fechou a banca pontualmente às doze horas e às treze já estava na casa dela. Jorge era um homem educado e por isso passara numa mercearia que havia no caminho para casa e comprara um vinho argentino Dante Robino como forma de agradecer a gentileza de Encarnacion. Ela, por sua vez, gostou muito do gesto porque era uma apreciadora de vinhos, sobretudo os da sua terra.
-Há muito tempo não tenho um almoço tão agradável. Você tem mãos de fada para cozinhar e tudo estava delicioso.
-Obrigada. Você acertou na escolha do vinho, muito apropriado para acompanhar este bife de chorizo.
Após o almoço ele ajudou-a a organizar a cozinha e convidou-a para um passeio vespertino num parque, e assim fizeram. Jorge aproveitava esses momentos na companhia de Encarnacion para treinar suas lições conversando em espanhol. Assim o domingo terminou e cada um foi para sua casa. Encarnacion sentou-se no sofá na companhia de seus gatos para assistir à televisão e Jorge foi para seus livros.
CAPÍTULO VII
A segunda-feira correu normalmente, com o peruano Pablo vindo comprar suas publicações e nada de mais. À noite Jorge foi à casa de Encarnacion para combinar os últimos detalhes do plano que seria levado a cabo no dia seguinte.
-Eu entrarei com você ajudando-a a levar os quitutes para dentro da casa e tentarei ficar escondido lá em algum lugar.
-Certo, mas temos que ter cuidando para você não ser visto por Pablo.
Na terça feira, logo pela manhã Pablo estava agitado e veio à banca como de costume, desta vez na companhia de outro homem desconhecido e os dois conversaram pouco, mas Jorge conseguiu ouvir a conversa e concluiu que falavam da grande reunião de logo mais à noite. As horas se arrastavam e a ansiedade de Jorge era notória. Finalmente chegou o fim do dia e Encarnacion passou na banca para pegar Jorge, o carro estava cheio com a comida que eles entregariam na sede da confraria. Jorge fechou a banca mais cedo e foram para o local e tiveram sorte, apenas um homem vestido com terno cinza-escuro, camisa preta e gravata cinza-claro com um daqueles broches afixado nela estava lá e os recebeu. Puseram as comidas na cozinha e enquanto o homem acertava as contas com Encarnacion, Jorge fez menção de ir para o carro e escondeu-se atrás de uma porta próxima a um corredor no interior da casa. Ela foi embora aflita. Combinaram que ele daria notícias através de mensagens pelo celular. Jorge percebera que a casa era grande e tinha uma escada que dava para a parte de cima. Subiu-a e deparou-se com três cômodos grandes e um banheiro, todos com acesso por um largo corredor. Não havia nada nos cômodos, estavam completamente desprovidos de móveis e o banheiro parecia que não era usado há muito tempo. Concluiu então que a reunião deveria acontecer na parte térrea da casa e que ninguém subiria aquelas escadas, por isso acomodou-se próximo da escada, num canto do corredor. Aos poucos foram chegando outros homens. Jorge não podia vê-los mas ouvia perfeitamente o que falavam. O idioma predominante era o espanhol, que a esta altura ele já entendia muito bem graças à convivência com Encarnacion, mas percebeu também que haviam alguns integrantes falando português.
Os homens se saudavam com uma frase em espanhol: "fuerza nuestra, nuestra fuerza"! Todos que chegavam falavam a frase e os interlocutores respondiam da mesma forma. Eles começaram a comer e beber até que alguém fez a convocação para a reunião iniciar dentro de quinze minutos. Jorge estava apreensivo, sem saber ao certo quantos homens havia ali e se realmente ninguém subiria as escadas. De repente alguém comentou que o banheiro estava com problemas e que teriam que usar o do andar superior. Nesse momento Jorge sentiu um frio na espinha, deveria pensar rápido em como não ser visto por quem subisse ali. Foi então que ouviu os passos de alguém subindo a escada. Jorge suava e tremia, se fosse visto não sabia o que poderia acontecer-lhe, não sabia exatamente do que aqueles homens eram capazes. Imediatamente entrou em um dos quartos e escondeu-se atrás da porta, porém, quando movimentou-se fez uma sombra na parede e fora percebido pelo homem que subia. Este por sua vez chamou alguém e disse ter visto alguma coisa estranha mexendo-se ali. Os outros homens riram e disseram que poderia ser o fantasma de Ernesto que voltara para assombrar-lhes. Jorge estremeceu. Ernesto era o nome do marido de Encarnacion. Agora não havia dúvidas, aqueles homens haviam matado Ernesto. Enquanto dois homens subiam a escada com cuidado Jorge tremia e suava frio sem saber o que fazer. De repente percebeu que no quarto onde estava havia um grande tapete e resolveu dar uma olhada embaixo. Para sua sorte encontrou um alçapão e imediatamente abriu-o e entrou sem saber o que poderia encontrar ali, mas era sua única chance de não ser visto. Os homens entraram no quarto, deram uma olhada rápida, então dirigiram-se aos outros quartos e posteriormente ao banheiro e nada encontraram. Desceram para a reunião. Jorge estava atônito, imóvel e suando muito dentro daquele cubículo escuro. Percebeu que havia um saco plástico preto no alçapão onde ficara. Suas roupas estavam totalmente empoeiradas e o saco plástico também. Esperou alguns minutos e como não ouvia nada resolveu sair dali. Abriu lentamente a tampa do alçapão e o tapete escorregou para o lado. Jorge saiu e levou o saco plástico consigo. Não conteve a curiosidade e o abriu. Para sua surpresa e terror encontrou ossos humanos lá dentro. Deu um salto para trás e quase um grito, mas controlou-se. Assustado, fechou imediatamente o saco e o devolveu ao interior do buraco, fechando a tampa e colocando o tapete por cima. Estava atordoado com o que ouvira, fizera e vira. Refeito do susto, voltou ao lugar próximo da escada onde podia ouvir os homens. Jorge entendeu que a reunião que estava acontecendo era uma espécie de tribunal. Ouvia nitidamente um homem falar com voz grave e em tom assustador, no idioma espanhol, sobre uma traição, na verdade outra, era o que ele ouvia o homem dizer, “outra traição”. Houve um burburinho quando o homem falou a palavra traição seguido por um silêncio funesto. Jorge estava com medo, muito medo. A palavra fora dada a outro homem e este começou a defender-se da acusação de traição. Foi então que Jorge percebeu pela voz que se tratava do peruano, seu freguês Pablo. O homem falava rápido e emocionado, parecia chorar e implorar. Jorge percebeu que o homem pedia pela sua vida e que os outros diziam que ele conhecia as regras. O ambiente ficara cada vez mais tenso. Instalou-se uma confusão lá embaixo e Jorge não conseguia entender o que estava acontecendo. De repente ouviu o homem que falava com voz grave dar um grito e todos se calaram. Agora apenas um homem falava, e desta vez em português. Jorge ouvia atentamente e as palavras daquele homem mexeram com as emoções dele. O homem falava sobre a sentença que deveria ser aplicada a Pablo pela traição que ele cometera, morte igual a de Ernesto. Jorge quase passou mal ao ouvir aquilo. E agora, o que fazer? Ele não podia deixar simplesmente que executassem uma pessoa sem fazer nada. Foi então que teve a ideia de passar uma mensagem para o celular de Encarnacion: “criminosos, mande a polícia já”.
CAPÍTULO VIII
Ao receber a mensagem ela ficou estática, sem saber o que fazer. O medo tomou conta dela e ficou muito confusa. Temia enviar uma mensagem pelo celular e algo dar errado, afinal, não sabia o que estava acontecendo na casa e temia também em chamar a polícia pois não sabia qual seria a reação dos policiais diante de uma denúncia daquele tipo.
Encarnacion pensou: "Será que acreditarão em mim e mandarão averiguar? Ou será que acharão que é um trote? E se forem até lá e não encontrarem prova de crime nenhum? Bem, de qualquer maneira a denúncia será anônima e se Jorge me pediu é porque a coisa é séria. Vou ligar para a polícia".
-Alô, polícia militar, boa noite.
-Oi, eu quero fazer uma denúncia.
-Pois não, de que se trata?
-Olha, tem algo suspeito acontecendo numa casa no Jardim América.
-Que tipo de suspeita a senhora tem?
-Tem um monte de homens lá e parece que estão tramando um crime.
-E como a senhora sabe que estão tramando um crime?
-É difícil explicar, mas é verdade.
-Senhora, para atender a solicitação precisamos de algo concreto.
-É, eu sabia que não iriam acreditar, mas amanhã vão ver nos noticiários.
-Senhora, isso é sério?
-Sim, é. Mas infelizmente se não acreditam eu não posso fazer nada, mas temo pela vida de alguém.
-Qual o endereço?
-Avenida Brasil, 800.
Após um breve silêncio...
-A senhora disse Avenida Brasil, 800?
-Isso mesmo.
-Ok senhora, iremos averiguar agora mesmo.
Assim que desligou o telefone, Encarnacion pegou seu carro e dirigiu-se até próximo do local para ver se a polícia realmente iria lá. Ela estacionou seu carro na mesma quadra, do outro lado da rua em frente a uma padaria e ficou ali. De repente ouviu sirenes e um grande movimento de carros de polícia. Enquanto isso, lá dentro sem saber o que estava acontecendo, Jorge ouvia os gritos e as súplicas do condenado à morte Pablo. Resolveu dar uma espiada na escada e pôde constarar que havia um homem segurando uma grande injeção enquanto Pablo era amarrado a uma cadeira. Nesse momento Pablo, que estava de frente para a escada arregalou os olhos ao ver a sombra de Jorge na parede. Isso chamou a atenção dos seus algozes e no que olharam, viram-no. Este, quando percebeu que fora descoberto, correu para um dos quartos e fechou a porta, mas não havia nenhuma chave e alguns homens conseguiram abri-la e encurralaram-no. Havia fúria no olhar daqueles homens, a situação de Jorge era péssima, havia sido descoberto e isso era a única coisa que não poderia acontecer. Na sua cabeça passavam inúmeros pensamentos naquele instante, mas o que mais o afligia era o medo de juntar-se a Pablo e ter o mesmo destino que ele e o marido de Encarnacion. Eles o pegaram e amarram-no também a uma cadeira, amordaçado. Pablo, que conhecia aquele homem dono da banca de jornal na qual ele comprava suas publicações diariamente, estava estarrecido, espantado com o que via. Jamais imaginara que aquele pacato jornaleiro pudesse estar envolvido com algo daquele tipo. Agora estavam ali, o jornaleiro e seu freguês frente a frente, por motivos totalmente diferentes mas com o mesmo destino, a iminente morte por envenenamento. Um não entendia o motivo da morte do outro, mas o fato era que, ao que tudo indicava, teriam o mesmo trágico fim, nas mesmas circunstâncias e no mesmo momento. Trouxeram outra injeção e quando o homem que iria executar a sentença dos dois infelizes preprarava-se para aplicar a injeção no peruano, uma sirene e gritos de “polícia” na porta da casa. A esta altura Jorge já estava molhado de suor, imaginando que em poucos minutos estaria morto. Os homens estavam armados e começaram a atirar contra os policiais. Lá fora Encarnacion ouvia os tiros e temia pela vida de Jorge. A ação da polícia foi rápida mas um policial se feriu no tiroteio. De repente invadiram o local disparando vários tiros dois homens foram mortos naquela sala. A notícia se espalhou pela rua e do outro lado Encarnacion estava muito aflita. Em poucos minutos já havia uma multidão lá fora para ver a ação da polícia. O tumulto em frente à padaria foi inevitável. Encarnacion desceu de seu carro para ver melhor o que acontecia. Ninguém saía da casa e isso a deixou nervosa, precisava saber o que estava se passando com Jorge. Ficou muito aflita e percebeu naquele momento que se preocupava muito com ele, além do que imaginava e sentia um aperto no coração só de pensar que algo de ruim pudesse ter-lhe acontecido, quem sabe, antes de a polícia chegar ou até no tiroteio. A angústia tomou conta dela, até que começou a perceber um movimento diferente na casa. A polícia começou a sair com homens de terno cinza enfileirados, algemados e sendo conduzidos para os camburões. Mas ela não via Jorge e isso a preocupava. Pensou que ele poderia estar escondido lá, não querendo envolver-se, deixando que a polícia tomasse conta do caso. Mas logo em seguida viu dois corpos sendo carregados para dentro de uma ambulância que havia sido pedida pela polícia. Ela estremeceu. De repente viu Jorge saindo na companhia de um policial. Ele não estava algemado, nem tampouco o outro homem ao seu lado. Mas todos entraram nos carros de polícia e se foram. Ela, por sua vez não podia fazer mais nada e foi para casa, sentindo um certo alívio por ver que Jorge estava bem, mas apreensiva por não saber nada do que havia acontecido dentro daquela casa naquela noite.
Na delegacia Jorge aguardava para contar ao delegado tudo o que havia presenciado. Enquanto isso ficou ao lado de Pablo, que estava calado e visivelmente assustado. Jorge olhava para ele e ficava imagianando o que ele teria feito para merecer a sentença de morte, que tipo de traição teria cometido para uma pena tão cruel, e afinal, que diabos de organização era aquela que simplesmente matava pessoas? Ao que ele pôde entender, Pablo era uma vítima naquele episódio mas estava diretamente envolvido no episódio da morte de Ernesto, marido de Encarnacion, então, não era digno de pena. O delegado chamou Jorge para a sala e pediu explicações. Jorge foi minucioso e contou tudo ao delegado, desde as primeiras conversas que ouvira sobre a confraria até as suspeitas sobre a morte de Ernesto, que acabaram se confirmando na casa. O delegado ouviu atentamente e achou a atitude de Jorge muito corajosa, pois afinal tudo indicava tratar-se de uma quadrilha internacional, a polícia só não sabia ainda do que se tratava e era exatamente isso que iriam investigar à partir daquele momento. Parecia coisa de cinema, mas era real. Jorge estava pasmo, quando começou a interessar-se pelo caso não imaginou os rumos e as proporções que aquilo tomaria. Mas estava muito cansado e precisava se recompor, tudo o que queria agora era um bom banho quente e uma cama macia, pois já eram quase cinco horas da manhã. O delegado mandou levarem-no para casa mas com o compromisso de já naquela tarde retornar à delegacia para dar um depoimento oficial.
EPÍLOGO
Após o merecido descanso Jorge foi para a casa de Encarnacion. Contou-lhe tudo o que havia acontecido, inclusive sobre o que ouvira a respeito da morte de Ernesto, seu marido. Ela ficou atônita, jamais imaginou que seu marido fizesse parte de alguma organização perigosa. Depois de sua morte em condições estranhas ela ficara intrigada e com medo até, mas nunca fora procurada por ninguém, nem pela polícia. À tarde Jorge retornou à delegacia para o depoimento. Após relatar o que sabia, ouviu do delegado que aquela era a organização denominada de “Fuerza Nuestra”. Tratava-se de uma confraria que reunia homens poderosos da Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela e Brasil. A sede da organização era em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Seus integrantes eram, na sua maioria, empresários da indústria de madeira, de minérios e de cosméticos, juízes de direito, promotores, advogados, banqueiros e até políticos. A ideologia da confraria era tornar a Amazônia uma região independente, desmembrada dos países onde está situada e torná-la um território dominado por eles para que pudessem explorar as riquezas lá existentes. Essa confraria era uma rede que agia corrompendo autoridades para facilitarem a realização de seus objetivos. Era uma organização muito bem estruturada e com ramificações em todos esses países. O delegado estava muito satisfeito porque aquele flagrante inesperado rendeu-lhe nada menos do que a prisão do homem mais poderoso da confraria, a quem chamavam de “Cabeza Mayor”. Seu nome era Gabriel Hernandez, um poderoso madeireiro Boliviano procurado pela Interpol. Ele viera àquela reunião para dar pessoalmente a sentença ao traidor, como sempre fazia. Havia sido assim na morte de Ernesto e agora seria a mesma coisa com Pablo. Os dois haviam cometido o mesmo deslize, contaram o que sabiam a membros do ministério público de seus países, porém, para sua infelicidade, os promotores a quem confiaram o segredo também faziam parte da confraria. Tanto Ernesto quanto Pablo não eram homens poderosos, mas funcionários de empresas pertencentes a estes e que eram transferidos ao Brasil com uma bela proposta de trabalho e quando aqui chegavam eram informados do esquema e coagidos a participar. Foram escolhidos por serem especialistas em contabilidade e com o conhecimento contábil conseguiam esquentar os processos de contrabando de produtos da Amazônia sem levantar suspeitas, contando, claro, com a participação de funcionários públicos dos diversos órgãos de fiscalização. Como não concordavam com o esquema, procuraram as autoridades para denunciar, mas como a confraria é muito ramificada, as provas que eles entregaram caíram em mãos erradas. Pablo nada sabia sobre Ernesto, pois havia sido incorporado à confraria há pouco tempo, justamente para substituí-lo. Jorge agora se sentia mais aliviado e realmente com pena de seu cliente Pablo, pois, afinal, ele era do bem.
Após ser dispensado, Jorge não conseguiu ir para sua banca. Fora direto para a casa de Encarnacion contar-lhe tudo o que ouvira do delegado. Agora ela poderia dormir tranquila, sabendo toda a verdade sobre seu marido e entendendo que a razão pela qual ele não lhe contara nada a respeito da confraria fora para protegê-la. Os dois conversaram longamente sobre tudo o que havia acontecido desde o dia em que ele a procurou para ter aulas de espanhol.
-Sabe Jorge, minha vida ganhou outro sentido desde que começamos a estudar espanhol, eu conto as horas que faltam para você vir e nos dias em que você não vem eu me sinto muito só. Aprecio muito a sua companhia.
-Encarnacion, desde que a encontrei pela primeira vez, ainda no episódio do gato, senti-me atraído por você, mas como um simples jornaleiro tímido que sou nunca tive coragem de me aproximar e quando enfim descobri um motivo para isso, não hesitei. Tenho um grande carinho por você.
Encarnacion por sua vez, abriu seu coração:
-Jorge, estou apaixonada por você. Nunca imaginei que depois de Ernesto eu fosse amar outro homem, mas aconteceu.
Jorge deu um largo sorriso, abraçou-a e beijaram-se longamente.
F I M
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