O Monstro em Mim
Há um monstro dentro de mim.
Ele aparece principalmente quando você está por perto.
Observa pelos meus olhos os seus gestos, me retorce as entranhas num nó de fúria e sussurra, de mim para mim, as lições que eu deveria lhe dar.
Esse monstro me mata, amor. E mata devagar. E ele já se mostrou a você.
Na primeira vez, éramos somente nós, e eu me abri, revelei meu caráter mais íntimo, e lhe mostrei o que existe dentro de mim. Você não disse nada. Mudou o assunto, comprar cerveja, alugar um filme – mas vi nos seus olhos aquele desassossego de quem tenta enganar o medo.
Na segunda vez, tivemos platéia. O erro, o grito, os queixos esmurrados, o escândalo. Lembro-me quase sorrindo dos olhares chocados no bar. Lembro-me quase chorando das suas ameaças, mas não me deixe, não, amor, eu serei bom...
Foi só do muito que eu a quero que consegui fazê-la ficar. Recolhi o demônio ao meu calabouço mais profundo, barrei-o, soquei-o em mim, embalsamado. Então, cumulei-a de flores, perfumes, momentos de calmaria e gentileza, e olhe, amor é a nossa música tocando no rádio. Dancemos.
Chorar, nunca. A besta permite nunca o lamento e sempre o ódio.
Mas o monstro cochila e pisca os olhos sonolentos, muito vivos, para mim. Ele me diz que eu devo ser severo. Para puni-la por tudo o que ainda não fez. Para não deixar que você me engane. Você me engana, amor? Com os abraços e os beijinhos e os amigos que na sua boca são apenas amigos e talvez na sua esperança sejam mais? Você me diz que não há malícia, não há maldade neste mundo a não ser em mim, mas ilude-se e me ilude consigo: há interesse nos gestos casuais desses sujeitos que a cercam.
Você é belíssima. Bela demais para ser de um homem só. Bela demais para que o homem que a tem suporte dividi-la com outros.
A besta que reside em mim vigia seu domínio, querida. Você e eu? Suas vítimas. Seu nome? O ciúme.
Esse monstro me mata, amor. E, um dia, matará a nós dois.