Um último “bang”
“É sete horas” ou “são sete horas”? A ressaca não me deixa decidir, mas tenho certeza que é mais cedo do que deveria ser para o metal retinir. Metal mesmo, nada de música alta e estrondosa. Metal. Um barulho infernal que é devidamente amplificado a um mínimo de dez vezes mais pelos vestígios do álcool e o início da desidratação. Três “fritadas” na cama, quatro posições diferentes do travesseiro sobre a minha cabeça e um sonoro palavrão depois, eu estava enfim de pé.
Puto da vida, mas de pé.
Abri a janela só para ver seis peões e uma cratera na porta do meu prédio. Sem cerimônia alguma ela se postou diante do portão da garagem. Digo a cratera, é claro. E olha que eu estava em uma posição boa para ver o estrago: oitavo andar. Dois metros de portão e três de cratera. Se quisesse sair ia ter que voar com o meu carro, esperar ou ir a pé. Depois de quase cinco minutos pensando no que eu faria, dei por mim rindo. Até rir doía, mas era domingo. Minhas ressacas são todas de domingo e eu estava numa das bravas.
Desisti da idéia de distribuir uns tiros pela janela. Ia chamar muita atenção. Um “engove”, quase dois litros de água no gargalo e vários respingos fora do vaso e lá estava eu, debaixo de um jato de água escaldante. Bunda no piso e água no “cocuruto”.
Porque eu havia bebido mesmo? Não lembrava, mas sabia que não devia dizer novamente que não ia mais beber. Eu sempre bebo mais depois que juro nunca mais beber. Invariavelmente eu bebo todos os sábados. Mas ao menos, é só aos sábados.
Helena? Não a desgraçada não valia um porre daqueles. Havia meses que eu troquei as lembranças amargas por palavras amargas. Vaca.
Emprego? Não, eu havia deixado o emprego há mais de três meses. O último “bang” me deixou com mais dinheiro do que eu poderei gastar antes de morrer. Trabalhar para quê? Correr riscos à toa? Sou doido apenas no sentido metafísico da coisa, afinal não rasgo dinheiro, não pulo de janelas e não uso drogas. Vou ter que ficar na moita um tempo, mas o cara era um canalha tão grande quanto a grana que me pagaram.
“Puta que o pariu”.
Orelhas atentas. Foi no vizinho. Não foi?
“Puta que o pariu”.
Não foi no vizinho. A campainha tocou mesmo e aqui dentro. Quem diabos viria na minha casa uma hora destas? Amigo não era porque eu não sou disso e ninguém sabe onde eu me escondo. A água estava tão boa e agora eu tenho que me enrolar nessa toalha, respingar o meu banheiro, molhar o corredor e ir atender a porta. E tudo isso numa ressaca absurda que eu nem ao menos me lembro do motivo.
Eu sempre encho a cara com razão. Religiosamente eu arrumo um motivo e entorno.
“Já vai”.
Quando colei no olho mágico tudo estava escuro. Fiquei “encucado” mas nada foi mais estranho do que a sensação que se seguiu. Aos poucos as duas coisas se iluminaram; o olho mágico e minha cabeça.
Aos poucos o que tampava o olho mágico se afastou e eu vi a forma cilíndrica. Era a porra de um cano. Nove milímetros com certeza. Digo, quase com certeza, pois agora a única certeza que eu tenho é a de que o último “bang” rendeu muito mais do que uma boa grana. Rendeu um inimigo persistente e digno de um porre homérico.
Quando ouvi o “bang” minha única certeza é que nunca mais teria uma boa ressaca.
Definitivamente foi um último “bang”.
Fim.
Richard Diegues é escritor, autor do livro "Magia - Tomo I", colaborador dos sites "Círculo de Crônicas" (www.circulodecronicas.com) e NecroZine (www.necrozine.blogspot.com), além de moderador dos Grupos "Tinta Rubra" e "Fábrica de Letras" pelo Yahoo!