5,2 Richter *** O domador de terremotos***

Vinte dois de Abril de 2008.

Quando J.J Runey sentiu o primeiro desconforto estava se preparando para sair de casa e pegar a estrada; sentiu-se tonto como há muito tempo não acontecia. Agora ele estava em plena rodovia e já quase chegando a seu destino, saiu de sua casa por volta de vinte horas e agora estava em plena via Light aproximando-se do município de Nova Iguaçu.

Seu carro, um Volkswagen Jetta, deslizava tranqüilamente e a toda velocidade sobre o asfalto segundo o ritmo imprimido por seu condutor.

Runey ligou o rádio para tentar desanuviar a mente, pois nunca havia se enganado antes quanto a coisas como aquelas, sensações que sempre mostravam algum tipo de revolta natural. No rádio nenhuma música serviu para distrair; algo estava muito errado naquela noite. Um silêncio estranho, ou um momento como aquele em que o ar está se carregando antes da queda da tempestade.

“A terra vai tremer”_ pensou consigo mesmo de forma relutante.

Não gostava de pensar isso, além do mais, esses fenômenos não eram nem um pouco comuns no Rio de Janeiro e principalmente na baixada fluminense, onde ele se encontrava agora.

Quando jovem Runey havia feito parte de uma irmandade composta por pessoas que costumavam estudar fenômenos da natureza; a parte da qual ele havia estudado por anos e anos era responsável pela terra; desde então sua sensibilidade estava muito mais aguçada do que o normal das pessoas.

Jogou mais uma marcha no veículo e pressionou o pedal de aceleração, o transito estava muito bom naquela noite, era o penúltimo dia de um feriado prolongado e provavelmente as pessoas tivessem aproveitado para viajar à região dos lagos ou serrana do Rio de Janeiro. Ele próprio costumava viajar, mas neste feriado resolveu ficar para resolver alguns problemas de cunho pessoal.

O telefone tocou.

Runey desligou o rádio e se movimentou de forma cuidadosa para retirar o aparelho do bolso, em seguida acionou o dispositivo “bluetooth” e pôde falar normalmente ao volante mesmo sabendo que aquilo não era o mais prudente a ser feito.

_ Como está você J.J? _ perguntou a voz transmitida pelo aparelho celular e reproduzida pelos alto-falantes do veículo.

Era uma voz conhecida. Dam Mackenna, seu sócio norte americano em um projeto ousado; a criação de uma empresa de desenvolvimento de jogos eletrônicos para várias plataformas. Dam representava os interesses de uma das gigantes do ramo de entretenimento digital e estava montando uma empresa em São Paulo, eles já se conheciam desde a época em que Runey morou nos Estados Unidos; em Las Vegas, Nevada.

_ Preocupado, muito preocupado. Onde você está?

Dam conhecia um pouco sobre a vida de seu sócio brasileiro que já o havia tirado de confusões uma meia dúzia de vezes e não costumava desprezar seus “palpites”.

_ O que está afligindo você? _ rebateu o norte americano.

Os faróis do carro varriam a pista à frente em um lugar onde a iluminação publica dos postes não cumpria seu papel.

Ele respondeu:

_ Dam; A terra vai tremer, não sei onde nem em que intensidade, mas sei que vai acontecer.

_ Quando?

_Não faço idéia; estou confuso, mas fique atento. Você vai tomar o avião para o Rio ainda hoje?

_Não. Vou ficar em são Paulo até amanhã e depois de algumas reuniões ligo para você antes do vôo.

Dam fez uma pausa e continuou logo em seguida, pois se lembrou de perguntar algo.

_ São aqueles seus “amigos” antigos que vão fazer isso?

Runey balançou a cabeça dentro do carro de forma negativa, mas não tinha certeza. As outras pessoas com quem tinha partilhado o conhecimento de como a natureza se manifesta geralmente gostavam de se mostrar e realizar “milagres”, como eles mesmos chamavam seus feitos; mas não era isso que ocorreria naquela noite.

_ Não. Não são eles, Ioga e seus dragões parecem não possuir força suficiente para provocar o que vai ocorrer.

A noite parecia estar viva através da janela, as estrelas passavam como se fossem cadentes e sem mais nem menos uma forte dor de cabeça surgiu na mente de J.J, ele já sabia o que era aquilo; Ela, a terra, estava falando com ele e fosse o que fosse não demoraria para começar.

_ O que houve? _ perguntou Dam ao telefone percebendo que seu amigo se calou por alguns momentos.

_Preciso desligar, mas não esqueça do que eu disse. Cuides-se.

Gradativamente o Volkswagen Jetta diminuiu a velocidade e acabou parando no acostamento, seu motorista ainda não sabia o que fazer, mas temia que um tremor causasse danos com os quais os cidadãos da baixada fluminense ou até mesmo da cidade do Rio de Janeiro não pudessem lidar. Com o carro parado junto a marginal da Via Light, Runey pressionou o botão que ativou o vidro elétrico fazendo com que este descesse, imediatamente uma lufada de vento entrou no veículo ajudando a mente dele a relaxar um pouco.

Num impulso totalmente impensado ele abriu a porta do carro e saiu, em seguida se pegou na frente o automóvel retirando o relógio do pulso, desabotoando e dobrando as longas mangas da camisa marrom que estava usando. Ao fazer isso seus braços descobertos revelaram alguns círculos desenhados em letras árabes no pulso e junto aos cotovelos.

Antes de colocar seu relógio no bolso da calça aproveitou para olha as horas e constatou que eram exatamente vinte e uma horas, zero minutos e quarenta e oito segundos; em seguida, após colocá-lo no bolso Runey se abaixou e apoiou as mãos no solo asfaltado da rodovia. Aquela ação era totalmente temerária; abandonar seu veículo em um trecho pouco iluminado da via pública onde poderia ser facilmente uma presa de pessoas com más intenções.

“Não temas os que matam o corpo e não podem fazer mais nada...” _ aquele pensamento invadiu sua mente trazendo um pouco de tranqüilidade.

J.J Runey possuía conhecimentos suficientes para dar cabo de qualquer agressor que resolvesse aparecer naquele momento; na verdade, ele possuía conhecimento para se livrar de uma investida de qualquer ser humano normal; fora muito bem doutrinado nas artes da manipulação natural do elemento terra e nas técnicas de combate com uma antiga arma japonesa chamada wakizashi.

De repente um calafrio percorreu a coluna de J.J e então ele soube que era o momento de usar seus conhecimentos para benefício do próximo, forçou a palma de suas mãos contra o chão e tornou seus pensamentos numa linha sólida; nela, várias imagens se formavam e se dissipavam rapidamente, mas as palavras permaneciam.

“Força...Luz...uma espada com cabo de cruz...Bóreas...Cruzeiro do sul...anjos...acima da tempestade...desertos com céu azul...”.

Ele tinha a esperança de que se conseguisse impor sua vontade contra a vontade elemental, do mesmo modo como foi doutrinado por mestres estudiosos da terra, então seria possível ao menos minimizar os efeitos do que poderia ser um grande tremor.

Quando suas mãos tocaram o chão, Runey sentiu quase que imediatamente a fúria natural correndo pelo solo, porém o epicentro não estava próximo, na verdade ele sentia a origem do abalo a muitos quilômetros de distância da cidade na qual estava. Ele teve que fazer força em sua mente e disciplinar os pensamentos para escutar a terra e saber o que estava de fato ocorrendo.

Perguntou-se quem estaria por detrás daquele fenômeno. Seria seu antigo tutor Iogael? Seria o novo discípulo, “o dragão da terra”? Não percebeu a influência de nenhum deles. Quer gostasse ou não, desde que foi doutrinado nos caminhos da manipulação elemental, recebendo então o título de Primeiro dragão da terra, título este que renunciou quando descobriu as verdadeiras intenções de seu mentor; J.J Runey estava de certo modo ligado ao elemento ao qual estudava, ao tutor que lhe transmitira o conhecimento, a seus antigos companheiros de estudos; os primeiros dragões dos ventos, das águas e das chamas; e, aos novos dragões recrutados para pôr em prática os desejos homicidas de Iogael.

Alguns minutos depois, Runey se levantou mentalmente cansado e por alguns segundos observou todo o local a sua volta, nada parecia estar fora do lugar, a noite estava tão tranqüila como no momento em que deixara sua casa.

_ Será que me enganei?_ Pronunciou as palavras de forma quase inaudível.

Lentamente ele retirou seu relógio do bolso, devolveu-o ao pulso e desdobrou as mangas da camisa abotoando-as na base dos punhos.

Alguns pensamentos vagavam em sua cabeça e aquilo incomodava.

“Eu tinha certeza de que haveria um tremor aqui. O que aconteceu? Não costumo me enganar”.

Era verdade, mesmo não sendo tão comum haver tremores de grande relevância no Rio de Janeiro; a impressão que ele teve foi tão forte que não era possível que fosse um engano, mas de qualquer maneira ele fez todo o procedimento para tentar minimizar uma catástrofe. O certo era que quando forças naturais eram invocadas por alguma forma artificial, elas também poderiam ser detidas do mesmo modo, ou seja, se algum de seus ex-companheiros ou até seu antigo tutor trouxesse a existência algum fenômeno natural por meio de mentalização; Runey era capacitado o suficiente para desfazer tal coisa. Se ao invés disso aquele fenômeno fosse uma manifestação legítima da natureza, ou seja, a movimentação das placas tectônicas, então não haveria muito a fazer que não fosse tentar minimizar seus efeitos danosos.

Voltando para o carro, ele sentou novamente no banco, fechou a porta lentamente e recostou a cabeça; aguardou mais alguns minutos, recapitulando tudo aquilo e finalmente religou o motor do veículo, engatou a marcha e saiu. Pensou em todas as coisas que tinha feito quando ainda praticava os preceitos de Iogael; mas aquilo era passado. E dentre todas as coisa que vieram a sua mente lembrou-se de seus amigos, principalmente o domador de tornados. André.

Já com o carro em movimento e visivelmente desapontado por ter se enganado Runey ligou novamente o rádio e surpreso acompanhou a seguinte notícia:

“Há poucos minutos um abalo terrestre foi sentido em diversas cidades do Estado de São Paulo e em diversas cidades de outros quatro Estados, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina. Especialistas do Observatório de Sismologia da Universidade de Brasília disseram que o tremor foi um dos sete maiores registrados no país atingindo a incrível marca de 5,2 graus na escala Richter. Ainda segundo especialistas o epicentro foi no mar, a 15km da costa de São Paulo e moradores de São Gonçalo e Ilha do governador no Rio de Janeiro já relataram via Internet, ter sentido o tremor.”

Aquela notícia atingiu J.J como um soco no abdômen, realmente seus sentidos não falharam. Realmente era uma manifestação da natureza, mas de alguma forma ele sabia que contribuiu ainda que pouco para que os efeitos não se estendessem mais do que o que já fora sentido.

Seguindo para seu destino inicial J.J Runey sabia que tinha cumprido aquilo que prometera quando abandonou o estudo da manipulação elemental; prometera usar o conhecimento que já possuía para ajudar a outras pessoas. Ao menos naquela noite ele creu que foi bem sucedido.

*Este conto e uma homenagem a um grande amigo que Deus colocou na minha vida. "J.J Runey".

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 26/04/2008
Reeditado em 26/04/2008
Código do texto: T963402