O SUJEITO QUE COMEU UM PARAPLÉGICO.

DESACONSELHADO PARA MENORES DE DEZOITO ANOS.

Alberto era um negro de uns dois metros altura, empregado de uma empresa pública. Auxiliar de almoxarifado. Casado, com uma negra de fechar o comércio. Tipo aquelas mulatas, que na década de 1970, alegravam os programas de auditores: as famosas mulatas do Sargentele.

Pois bem, Alberto, auxiliar de almoxarife, ganhava, como dizia o grande Machado de Assis, o suficiente para se endividar. O salário de auxiliar de almoxarife não dava para sustentar aquele monumento, que tinha em casa, e mais um filho. Portanto, precisava de extras para o leite da criança como ele mesmo dizia.

A inflação galopante assolava o país e ia corroendo os parcos salários do pobre Alberto, cujas perdas salariais eram parcialmente reajustadas somente uma vez por ano e em valores bem inferiores aos da infração. Com o passar do tempo, as coisas foram se complicando e piorando para ele a cada dia, que já não sabia mais o que fazer para sustentar mulher e filho. As dívidas avolumavam-se no mesmo ritmo da dívida brasileira. O governo prometia melhorar as condições de vida da população somente depois que o bolo crescesse, pois aí daria para dividir com todos. Enquanto ele não crescia, Alberto imaginava uma forma de se virar.

Correndo o risco de perder mulher e filho, pois para uma mulher daquelas não faltaria alguém querendo sustenta-la, mesmo que tivesse que assumir um filho de outro. Então, Alberto resolveu ir à luta. E como não tinha uma profissão, muito menos um curso superior que o credenciasse a mudar de emprego, ou mesmo obter uma promoção, não estava muito preocupado com o que teria que fazer, se não fosse praticar crime, topava qualquer negócio, contanto que arrumasse um ganho extra e a família não passasse necessidade. Na empresa, não havia horas extras, portanto, teria que se arrumar fora dela e desesperando, sem ter muitos horizontes, resolveu ser garoto de programa. Michê, como se diz hoje em dia.

Para ele, com aquele tamanho todo, não seria muito difícil. Mais parecia um atleta do basquetebol americano; aqueles negrões da NBA. Embora não fosse bonito, não era feio, o porte atlético o credenciava para a função, e isso facilitou sua entrada no ramo na prostituição masculina. Quem o via, homem que gostasse do mesmo sexo, encarava na hora, pensando nos dotes do negrão. E assim, passou a freqüentar os lugares preferidos pela baitolagem do Rio de Janeiro, e começou a ganhar um bom dinheiro extra, melhorando sensivelmente o padrão de vida da família.

Com o passado do tempo, já experiente no negócio, no intervalo do almoço, na empresa, sem a menor cerimônia, contava suas aventuras amorosas sempre, como ele deixava transparecer, na qualidade de homossexual ativo. Teve casos como gente de toda sorte. Casos narrados para sua platéia com minúcia de detalhes. Para ouvir suas narrativas, o público no almoxarifado, depois do almoço, era grande, visto que a instituição tinha para mais de mil funcionários, que em sua grande maioria almoçava no próprio restaurante empresa e depois do almoço ficava fazendo hora, enquanto não começava o segundo expediente. Como não havia muito o quê fazer, na época não havia internet , o horário de descanso passava-se conversando, a não ser quando se resolvia dar uma volta pelas ruas próximas, ou se tirar um cochilo sentado numa cadeira da sala de trabalho. Portanto, escutar as histórias de Alberto era um bom passa-tempo.

Este caso, entretanto é bizarro, não na acepção de nobre, generoso, gentil, mas de extravagante, esquisito. Pois bem, certo dia, depois do expediente ele foi fazer suas horas extras na Praça Tiradentes. Aquela praça não estava ainda cercada de grades como hoje, e havia um movimento muito grande por lá. Tomada quase que exclusivamente por pessoas ligadas à prostituição, onde ele ficava até faturar um extra, quando então volta para sua casa.

Naquela noite de terça-feira, foi fazer horas extras e ficou perambulando pela praça até tarde da noite. Como todo início de semana, o movimento era fraco e só melhorava a partir de quinta-feira. Naquele dia, Alberto, mesmo tarde da noite, ainda não tinha faturado nada e já estava para ir embora, resignado, quando resolveu dar mais uma chance à sorte e saiu andando pela praça. De repente, parou num ponto qualquer, e aí a sorte lhe sorriu.

No outro lado da praça, por ser muito alto, deu para avistar, por cima de outras pessoas, um sujeito numa cadeira de rodas. Mesmo de longe, a uma distância de uns cinqüenta metros, entretanto, mas devido à sua vasta experiência no ramo, deu para perceber que o cara da cadeira de rodas era veado. E se encaminhou para onde ele se encontrava. De mansinho, foi se chegando. Ao chegar mais perto, o sujeito vendo aquela lapa de negrão, abriu um sorriso de felicidade; de canto a canto da boca. Confirmando, assim, a suspeita de Alberto, que não perdeu tempo, já assediou o cara.

Conversa vai, conversa vem. Entenderam-se. A questão era apenas de quanto e se Alberto conhecia algum lugar propício ao colóquio amoroso. Problema de fácil resolução, para Alberto que conhecia como ninguém todos os ambientes do local.

A Praça Tiradentes, no Centro do Rio de Janeiro, é cercada por sobrados antigos. Prédios da Era Colonial, onde funcionavam alguns cinemas especializados em filmes pornográficos, e onde havia muitos quartos de aluguel para encontro de casais, não importava o tipo de casal, se de homem com homem, mulher com mulher, homem com mulher. Os prédios, como disse, por serem antigos, da Era Colonial, não tinham elevadores. O acesso aos quartos era por meio de escadas de madeira, muito antigas e estreitas.

Alberto depois de se acertar com o sujeito, atravessou a Avenida Passos e se dirigiu a um daqueles bordéis que conhecia, empurrando o sujeito na sua cadeira de rodas, no meio da rua, desviando do trânsito, que ainda era intenso, por se encontrar ali por perto, também, algumas faculdades, cursinho e teatros e devido ainda ao fluxo de veículos vindo da Av. Presidente Vargas em direção à zona sul.

Pois bem, quando chegou ao destino, impossibilitado de subir as escadas com a cadeira, devido ao peso, estacionou-a no hall do bordel, sem a menor cerimônia, pegou o sujeito nos braços, gentilmente, e subiu a escadas com ele, como se fosse uma noiva no dia do casamento. Chegaram ao apartamento, se assim podemos chamar aquilo, deitou, carinhosamente, o paraplégico na cama e se preparou para o trabalho: comer o baitola.

Despiu-se, depois foi ajudar o parceiro que, devido a seu estado, precisava de cuidados especiais. Assim que ficaram nus, Alberto já entrou em serviço, levantou as pernas do paraplégico, colocou-as sobre os ombros, postou-se fora da cama, de joelhos e mandou ver. O sujeito depois de sentiu umas três ou quatros vezes aquele cacete de uns vinte e dois centímetros cumprimento lhe penetrando, delirou de prazer e em êxtase, exclamou:

- Je t´aime mon amour e urrava de prazer.

Findo o ato amoroso, Alberto, refeito do esforço, pega o sujeito, coloca-o desta vez sobre os ombros como se fosse um boneco de pano e desce as escadas, tranquilamente, carregando-o. Põe-no na cadeira de rodas e o carrega de volta à praça, onde o encontrara.

Com dinheiro no bolso, retorna ao lar, doce lar, feliz.

Depois de tudo isso, fica-se imaginando, até que comer o paraplégico pode-se admitir, gostos existem para tudo, como diz o poeta, no mundo tem gente para tudo e ainda sobra um para tocar gaita, mas carregar o sujeito nos braços de volta, depois come-lo, foi demais. Talvez, nem o Nélson Rodrigues tenha imaginado uma cena como esta.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

FORTALEZ ABRIL/2008