CONTO SOBRE A MORTE

Eram exatamente seis horas da manhã – aquele homem sabia pelo seu despertador natural que era hora de acordar – olhou para o relógio e viu que o ponteiro anunciava os primeiros raios solares no horizonte. Ainda sob o impositivo do sono, dava a primeira espreguiçada quando ouviu o primeiro estrondo. Era algo que nunca tinha ouvido antes. Não se tratava de fogos de artifício e nem de tiroteio das ruas, pois ele estava hospedado num Hotel à beira mar, pois era janeiro e estava de férias com toda sua família.

Refeito do susto, procurou despertar toda sua família, pois os entrondos continuavam a persistir cada vez mais intensos. Apressou cada um um deles. Eram quatro contando ele e a esposa. Entre os filhos uma menina de 14 e um filho de 09 anos. - O que foi pai? Perguntou sobressaltada a filha. - Não sei minha filha, mas algo grave está acontecendo, respondeu o homem preocupado. Tentou fazer um ligação no celular, mas nada funcionava. Foi quando resolveu procurar a direção do hotel, quando viu pessoas saindo às pressas e voltou para avisar a família, também pedindo que todos viessem para a frente do hotel. Todos desceram e logo perceberam a gravidade da situação.

Era o início de uma guerra que não havia sido anunciada, embora houvessem pequenas arestas que vez ou outra eram aguçadas. A América do Sul jamais se imaginou enfrentando uma situação dessa natureza.

O que fazer então? A primeira providência de um pai de família é procurar de todas as formas proteger sua família. Procurou um taxis para levá-los ao Aeporporto a uma Estação Rodoviária, mas nada. Todos tinham sumido. Evidente que todas as conduções existentes estavam estagnadas pela iminência da guerra. A única solução palpável era seguir a marcha das pessoas que eram da localidade, pois certamente que estes sabiam para onde ir. Foi assim que a família em questão passou a seguir um grupo de umas cinco pessoas que andavam apressadas para o rumo norte.

No trajeto um moço de aproximadamente 20 anos encorajava a todos dizendo que era do lugar e que conhecia uma palhoça na mata onde poderiam se abrigar. Todos seguiram essa pessoa esperançosos de alcançar esse lugar que naquele momento passou a ser uma tênue esperança para todos. Mas aos poucos todos foram observando que a gravidade da situação não lhe permitiria alcançar um abrigo seguro, pois a bombas começaram a explodir há alguns metros do grupo. Não demorou segundos um estilhaço levava a primeira pessoa do grupo. Nesse instante começaram a aparecer tanques, caminhões, com inúmeros soldados que disparavam a esmo em todas as direções o que ocasionou uma correria desenfreada. Todos se espalharam e aquele pobre homem sempre procurando socorrer alguém da família, mas a correria e o desespero fez que todos se separassem e acabassem se perdendo um do outro.

Depois de serenado o primeiro impacto da artilharia pesada, entre os escombros de uma batalha sangrenta ouviu-se só os choros, lamentos e gemidos de alguém ferido. Aquele pai, desesperado, naquele instante, só podia gritar com todas suas forças o nome dos filhos e da esposa. Depois de muito caminhar e procurar conseguiu achar apenas a esposa que como ele - também desesperada – procurava os filhos. Quando se encontraram parecia que naquele instante teriam forças suficientes para prosseguir na busca pelos filhos. A esposa, as prontos dizia que tinha visto de longe o seu filhinho, mas não pode alcançá-lo, pois estava dentro de um caminhão velho que carregava muitas pessoas e estava sob a proteção daquele rapaz que conheceram no início do trajeto. Dizia a mãe desesperada que seu filho estava chorando, com os olhos cheios de lágrimas e pedindo a presença dos pais, mas o rapaz o consolava. Daí o pai perguntou pela filha, quando a mãe mais desesperada ainda disse que sua filhinha havia recebido um rajada de projéteis e tinha ficado sobre a estrada, mas ela teve que sair à procura do filho. Os dois choraram desesperadamente e o pai – recompondo-se – exigiu que fossem atrás do filho. Caminharam por longas horas, até que conseguiram chegar ao caminhão que não podia seguir em frente naquele momento, porque havia um imenso congestionamento.

Logo que o filho enxergou os pais quis sair a todo custo do caminhão, mas o rapaz o impedia, pois sabia que sua chance de sobreviver seria muito pior. O rapaz pensou um pouco e chamou o pai. Vem você fica aqui com seu filho, pois eu sou jovem e tenho mais condições de caminhar. O pai não aceitou a proposta e exigiu que esse lugar fosse reservado para a mãe. Que lutou um pouco mas entendeu que era necessário alguém da família ficar com o filho. Assim, depois de empreendida nova marcha, o caminhão aos poucos foi se distanciando e logo a dupla constituída pelo pai e pelo jovem altruísta sumiu de vista.

Lá iam os dois, cansados e quase entregues ao seu destino. Nisso novos solavancos e estardalhaços de projéteis e um cheiro incadescente de fogo, numa mistura de pólvora e de sangue. Nisso o pai sofredor sentiu algo penetrando-lhe a entranhas. Era algo quente e estremecedor, mas que continha cheiro de morte. Nesse instante só deu tempo de olhar ao seu lado e ver que o jovem também estava sentindo o mesmo fim iminente. Tudo se apagou, como se fosse uma noite intensa e escura.

Alguns segundos apenas. Logo, uma névoa branca se instalou no ambiente insólito e esse pai - nesse instante - só se apegou às preçes. Pedia veemente que pudesse, agora, - depois de atravessada essa fronteira misteriosa - que Deus o levasse para perto de sua família, onde quer que estivessem e depois disso poderia seguir seu caminho reservado pelo Criador.Sem mais nem menos apareceu um vulto ao lado do pai. Um dedinho conhecido lhe apalpava a clavícula e dizia – Oi, pai! - Estou aqui!. Era a sua filhinha que vinha atender seu chamado. Abraçou sua filha com um longo abraço. Viu que aquele moço cortez – de gesto nobre – também estava ao seu lado. Assim, os três, ainda ajoelhados pediam que Deus os levassem até onde estava o resto da família.

Ainda no entremio das orações, surgiu do nada, um outro cenário. Naquele caminhão velho e esperançoso viajavam inúmeras pessoas desesperadas. Lá num cantinho estavam duas pessoas abraçadas e chorando. Era o filhinho tão querido e a esposa amada. Os três andarilhos do além se aproximaram como num sopro de vento. Logo entenderam a dimensão de sua presença, pois ninguém os ouvia ou os olhava. Eram sombras do passado. Os três rezaram novamente, agora queriam confortar aquelas pessoas queridas. Novamente o milagre. Logo o pai sentiu um aconhego indescritível, uma onda quente e confortável, ouvindo um ruído compassado e uma batida sequencial que de início não conseguia definir. Mas logo decifrou e entendeu o mistério, estava no coração da amada. Tinha penetrado seu corpo e já ouvia seu pensamento. O memo ocorreu com sua filha que dizia estar aconhegada no corpo do seu irmão. Enquanto o rapaz que ainda não tinha quem escolher para fazer sua incursão, fez o mesmo com alguém que chorava ao lado da mãe e do filho.

Esse fenômeno foi o mais reconfortante possível. Logo que perceberam essa incursão foram prercebendo que mãe e filho se acalmavam e não choravam mais. Passaram a falar do pai e da irmã como se fossem as pessoas mais lindas do mundo. Sabiam naquele instante que aqueles entes queridos não tinham conseguido sobreviver àquela guerra, mas estavam ali presentes em seus corações e ali ficariam até se encontrarem outra vez.

Mas logo, tudo voltou a ser desconfortante; aquela sensação infinita tinha desparecido, pois Deus cumpria sua promessa de aproximar o pai da família, mas agora ele (pai, filha e jovem amigo) deveriam seguir sua estrada celestial.

Machadinho
Enviado por Machadinho em 15/04/2008
Reeditado em 16/04/2008
Código do texto: T946455