Conselhos Angelicais

Ayel e Manakel aguardavam pacientemente sentados naquela sala florida, perfumada e cheia de frutas. Manakel comia uma pêra vermelha, enquanto Ayel folheava uma revista e espremia uma enorme jabuticaba na boca.

- Viu as últimas? – Ayel levantou os olhos da revista.

- Não gosto dessas matérias sensacionalistas... – Manakel deu de ombros. – Sempre nos mostram com ar de piedade e doçura, batendo as asas, com aquelas túnicas horríveis e às vezes segurando uma harpa nas mãos... – ele riu e ajeitou o elegante terno preto que usava. – Eu tenho bom gosto...

- Além do quê... tiraram de nós o sexo... – Ayel levantou a sobrancelha loira.

- Veja você! Então, o que chamariam aquilo que fazemos com as moças enquanto elas dormem languidamente em seus quartos depois de pedir nossa proteção e presença? – Manakel falou com olhar conquistador.

A conversa dos dois foi interrompida por passos que eles ouviram no corredor de mármore.

Gabriel era realmente lindo. Tinha aquilo que os humanos gostam de chamar de rosto angelical, mas era um superior rígido e exigente. Ele olhou para os dois anjos subalternos.

- São vocês hoje? – ele perguntou e sorriu.

- Sim... – Manakel foi quem respondeu.

Nas mãos do Arcanjo, dois perfis humanos que ele estendeu aos anjos inferiores.

- Tarefa rotineira... – Gabriel falou e saiu da sala, deixando os dois com os perfis nas mãos.

Por um minuto, cada um leu o humano que tinha nas mãos.

- Ah, não! – Manakel falou quando terminou de ler o seu. – Tô danado! – ele desabafou e depois fechou os olhos e falou – Desculpe Altíssimo...

Ayel o olhou curioso.

- O que tem dessa vez? – ele perguntou quando eles começaram a deixar a sala.

- Sexo masculino, brasileiro, 30 anos, é até religioso... – ele balançou a cabeça – gosta de baladas, mas bebe e fuma socialmente... – ele fez uma careta. – solteiro, mora com os pais, terminou a faculdade, mas está desempregado e veja só... tem um filho que nem sabe que existe...

- Trabalhoso... – Ayel comentou.

- E o seu? – Manakel o interrogou curioso.

- Tranqüilo... Sexo feminino, 40 anos, casada, dois filhos, dona de casa e bastante religiosa... – ele resumiu.

- Monótono... – Manakel sorriu.

Os dois então se despediram e saíram para suas missões naquele dia. Manakel encontrou seu perfil ainda dormindo.

- Vida boa... – ele falou baixo e depois soprou no ouvido do rapaz. – Não vai procurar emprego hoje? – o rapaz acordou sobressaltado e olhou para o relógio que esquecera de colocar para despertar.

- Merda! – o rapaz falou vestindo a roupa rapidamente e foi para o banheiro. Lá, depois de fazer suas necessidades e de tomar um banho rápido, se demorou um pouco mais diante do espelho,onde ajeitou cuidadosamente os cabelos escuros, depois de verificar se não estava ficando calvo como seu pai, passou gel e conferiu se seu sorriso estava perfeito. Depois correu para a sala com a gravata nas mãos.

A mãe do rapaz, uma mulher de meia idade, perguntou se ele não iria tomar café enquanto ajeitava o nó da gravata do filho. Ele pegou apenas um copo de café que bebeu correndo e, segurando uma pequena pasta com seu currículo, deu um beijo apressado na mãe e saiu.

Manakel caminhou apressadamente ao lado dele que pegou um ônibus lotado. O anjo detestava ônibus... ali, encontrou mais alguns anjos com os olhares de quem acabara de despertar, velando pelos seus perfis, que cochilavam, sentados ou em pé no transporte, enquanto seguiam para o serviço... Quarenta minutos depois, Manakel e seu perfil desceram do ônibus e caminharam mais alguns metros até um prédio lindo todo de vidro azul e que tinha até elevador panorâmico.

- Meu Deus... me ajude a conseguir o emprego dessa vez... – o rapaz falou enquanto entrava no prédio.

- É só se manter confiante... e não falar muito. – foi o conselho do anjo ao seu ouvido.

Uma hora depois, Manakel já se via em apuros... ele olhava para seu perfil que se sentara no beiral do terraço do prédio e suas pernas pendiam rumo ao chão que estava cinqüenta metros abaixo deles...

- Idiota! Tinha que esquecer de ligar o despertador? – o rapaz falava angustiado.

- Amanhã você vai atrás de outro... – o anjo tentava fazê-lo se animar. – Não adianta querer se jogar... é melhor enfrentar... – Manakel falava.

- Pra quê enfrentar tudo de novo? – o rapaz falava sozinho com sua consciência respondendo, sem saber, ao anjo. – Meu pai vai me colocar pra fora... já falou que só dou despesa, que sou um vagabundo...

- Ele fala isso da boca pra fora... – o anjo justificou.

- Eu preciso dar um jeito na minha vida... ou na minha morte! – o rapaz falou e se mexeu perigosamente na beirada e Manakel automaticamente o tocou no braço o segurando. – Seria melhor que morresse...

Manakel suspirou impaciente, sabia que o rapaz não queria se matar de verdade... já estivera ao lado de suicidas e eles não costumavam ameaçar...

- Que tal sair um pouco, quem sabe conhecer uma garota? – a sugestão veio do anjo e o rapaz ficou fitando o céu por um minuto e depois se levantou afastando-se da beirada e Manakel arreou os ombros aliviado.

- Acho que vou sair para beber alguma coisa... – o rapaz falou tirando a gravata.

- Isso! É melhor se divertir um pouco...não há risco, não está dirigindo, pode até beber uns goles extras... sem exageros, claro... – o anjo falava com ele enquanto entravam no elevador.

O celular do rapaz tocou em seu bolso e ele atendeu. Manakel vira o nome de uma mulher na tela.

- Calma... – o rapaz falou e suspirou. – Onde você está? Não! Tudo bem... eu posso ir até aí... Não tem ninguém em casa? Tô indo... – ele falou e desligou o telefone.

- Tá vendo? Pelo menos faz sucesso com as garotas... é bom sair um pouco... um pouco de sexo sempre ajuda a relaxar... – era a conversa do anjo.

Um pouco mais de meia hora depois, Manakel parou com o rapaz à porta de uma casa de classe média e o ajudou a tocar a campainha. Uma mulher madura, e bem bonita, abriu a porta com os olhos vermelhos de chorar e abraçou o rapaz, que entrou rapidamente.

Manakel quase se sentou quando viu, ao lado dela, Ayel.

- Teu perfil?? – os dois falaram ao mesmo tempo e assentiram também em conjunto.

- E eu que falei pra ele que não valia a pena se matar, que devia procurar uma garota... – Manakel balançou a cabeça.

- E eu que falei para ela que não adiantava ficar deprimida... que ela era jovem, bonita... aí ela pegou telefone... e eu pensei que ela ia desabafar com uma amiga... – Ayel falou.

Os dois anjos viram o casal se agarrar e se jogar sobre a cama. Achavam até interessante aquelas posições e buscavam ângulos melhores de observação, mas tinham que separá-los...

- Já chega... é melhor ir antes que o marido dela chegue... – Manakel falou ao ouvido do rapaz.

- E se seu marido voltar mais cedo? – Ayel sussurrava ao ouvido da mulher. Mas os dois haviam alcançado uma dimensão onde os sons internos e externos são silenciados...

Os dois anjos então passaram a torcer para que aquilo terminasse logo e insistiam em sussurrar que o marido poderia voltar, que os filhos dela estavam voltando da escola... mas nada. Pelo menos a depressão dos dois havia passado...

No quarto, os anjos se viraram e viram um outro colega que entrou assustado no. Os três se olharam sabendo que estavam literalmente ferrados... O recém chegado olhou para a porta.

- Eu o aconselhei a voltar e fazer as pazes... – ele fez uma careta.