A Velha e a Morte

A Velha e a Morte

Autor: Eduardo de Andrade Long

A velha sentada em sua cadeira de balanço, segurava com suavidade as agulhas de crochê. As mãos trêmulas pela fadiga provocada pelo tempo, não obedeciam aos seus comandos. Enfim, no fim da vida a fraqueza corroia-lhe por dentro extraindo-lhe as últimas forças dos ossos.

Mesmo assim tinha sido uma mulher total.

Filha, Mãe e Avó.

Tinha sido grande em latitude e longitude; do tamanho do mundo.

Apesar de nunca ter saído daquela fazenda no sertão, tinha sido feliz.

A vida não tinha sido fácil para ela.

Depois de muitos anos de fartura, as coisas foram piorando, piorando e piorando, o gado morrendo a plantação secando e então com os olhos cheios de água, viu os seus filhos irem embora no último ônibus que passou por aquelas terras inóspitas.

Tanto tempo, que ela havia perdido tudo aquilo na memória.

Eles foram em busca de uma vida melhor no sul próspero, distante e feliz...

“A felicidade é o que todos buscam, não é?” Exclamava!

Por isto, ela não lamentava!

“Mulheres têm que ser fortes”, ensinou sua mãe.

“A vida só vale a pena se você admitir como ela se apresenta” Ensinava seu pai.

Deste jeito foram passando tantos anos, que até pareciam Eras.

E o verde foi caindo das árvores...

Agora seus olhos ressecados pelo tempo, pouco enxergavam.

Olhando por baixo dos óculos de aro fino, enxergou-se criança novamente, brincando na areia em frente da varanda de sua casa.

Aquela menina pequena e linda, com os cabelos dourados feito espiga de milho novo, brotando no calor do verão.

Ciranda Cirandinha vamos todos cirandar.. Bandeira 1. Cabra Cega...Sétimo Céu...

Brincadeiras de crianças...

De bonecas para bonecas...

Sonhos e ilusões. .

Mas agora, seus olhos não tinham mais o brilho de bolinhas de gude soltas sob o sol da manhã.

Uma névoa tênue feito neblina do inverno, cobriam seus olhos e sua vida.

Sentiu-se correndo feliz dentro de casa, como se houvesse uma infinidade de tempo para viver e perder.

Na companhia de amigos e primos, murmurou alguma coisa em vão, num soluço.

Num alvoroço...

Qual pedacinho do mundo teria perdido?

O que restava da vida, dilacerando os seus últimos momentos?

Suas mãos sujas de areia, segurando as agulhas de tricotar, sentada na cadeira de balanço sacudida pelo vento da tarde, não significavam mais nada.

Nuvens no céu anunciavam uma tempestade.

O vento trazia a algazarra das crianças e o latido dos cães das fazendas distantes...

Olhou para o céu e nuvens raivosas, ameaçadoras, passeavam velozmente sobre sua cabeça.

No sertão era assim, ficava muito tempo sem chover e depois chegava o dilúvio...

O momento final...

A morte...

Olhou para a cadeira de balanço e o rosto daquela velha parecia tanto com o seu rosto pequenino e feliz de menina.

Era como se mirasse em um espelho e atravessasse o tempo em direção de um passado distante.

O cheiro doce de casca de goiaba cozinhando no tacho de cobre sobre o fogão de lenha, inundava a casa.

Sua Mãe...

Seu Pai...

Sua vida...

Pingos grossos de chuva começaram a cair.

Olhou para um lado e seu pai vinha chegando, montado em um lindo cavalo branco e suado, como se estivesse eternamente procurando-a.

O mesmo cavalo que ele costumava passear com ela na garupa, percorrendo a fazenda nas manhãs de Domingo.

Da cadeira de balanço onde estava, viu aquele velho homem apear do cavalo indo em direção da garotinha que estava com as mãos sujas de barro.

Tudo estava perfeito.

Nem os sonhos tinham com o que sonhar.

O gado pastava ao longo da cerca de arame e madeira e um imenso pomar a se perder de vista, estendia-se como se fosse um paraíso fundindo um sonho com a realidade.

Mas seu pai havia morrido a tanto tempo...

Sentada em sua velha cadeira, seus olhos marejaram-se de lágrimas.

A garotinha levantou-se e foi correndo em direção de seu pai na maior felicidade do mundo.

Ao abraçá-lo, sentiu o calor de mil sóis aquecendo-a.

A velha na cadeira estava fria como se passeasse nua nas florestas congeladas da Sibéria.

E pai e filha saíram caminhando em direção da luz.

Luz da Eternidade, luz de uma nova vida.

Aqui na Terra, nada se perde...

Tudo se transforma.

Agora tudo estava calmo, a lucidez permeava o momento.

Era como se uma paz imensa tivesse alcançado aquela criatura e ela finalmente estava livre para viajar sem fronteiras, por mundos antes só vistos em sonhos.

E a velhinha continuou dormindo em seu sonho eterno de menina.

A morte vestida de criança, tinha acabado de levá-la embora.

A morte tem mil faces...

Cheia de bichos traiçoeiros,

Cheia de faces de velhos, vestindo crianças...

Cheia de crianças transformadas em velhos...

Andando feito fantasmas pelo mundo.

Enfim,

A vida é cheia de centelhas de vida...

E do fulgor inquietante da morte.

Eduardo de Andrade Long
Enviado por Eduardo de Andrade Long em 05/04/2008
Código do texto: T932206