O LOUCO QUE COSIA O TEMPO
O LOUCO QUE COSIA O TEMPO
Ele tecia nozinhos num barbante para coser o tempo...
Jogava sozinho dominó a quatro mãos, com seus parceiros imaginários...
Fazia “passar” a jogada adivinhando a jogada de seu adversário...
Andava à noite uivando para a Lua Cheia...
Todos os outros internos tínhamos medo dele...
Tinha de ser dele o primeiro prato, o primeiro suco, a primeira sobremesa...
Devorava tudo como quem morre de fome...
Ou como o condenado na última refeição...
Quando teria sido a última refeição em que não conversara com os talheres?...
Ele não olhava para ninguém...
Exceto para a televisão quando discutia política com o presidente da República enquanto este discursava...
Os dois malucos...
Contava as gramas do jardim...
Brigava com o jardineiro que podava as roseiras que ele não podia tocar para não se ferir nos espinhos...
Toda noite gritava e chutava as portas declamando o hino nacional e convocando para o treinamento antiaéreo...
Ia tecendo seus nozinhos que a Desatadora dos Nós não desfaria...
Cada nozinho tinha sua história que ele ia desfiava para os dedos das mãos...
Que tinham nomes diferentes e tratava como quem cuida do filho na noite de febre...
Davam-lhe barbantes pequenos para que não se enforcasse...
Ele os consumia... Quando não cabiam mais nós, o barbante desaparecia...
Talvez o engolisse, como a mãe que deseja proteger o filho no útero...
Primeiro laço no novo barbante...
Depois mais um... E mais um...
Ele ia cosendo o tempo...
Seu tempo já se acabara...
Persistente, ele ia cosendo...