O LOUCO QUE COSIA O TEMPO

O LOUCO QUE COSIA O TEMPO

Ele tecia nozinhos num barbante para coser o tempo...

Jogava sozinho dominó a quatro mãos, com seus parceiros imaginários...

Fazia “passar” a jogada adivinhando a jogada de seu adversário...

Andava à noite uivando para a Lua Cheia...

Todos os outros internos tínhamos medo dele...

Tinha de ser dele o primeiro prato, o primeiro suco, a primeira sobremesa...

Devorava tudo como quem morre de fome...

Ou como o condenado na última refeição...

Quando teria sido a última refeição em que não conversara com os talheres?...

Ele não olhava para ninguém...

Exceto para a televisão quando discutia política com o presidente da República enquanto este discursava...

Os dois malucos...

Contava as gramas do jardim...

Brigava com o jardineiro que podava as roseiras que ele não podia tocar para não se ferir nos espinhos...

Toda noite gritava e chutava as portas declamando o hino nacional e convocando para o treinamento antiaéreo...

Ia tecendo seus nozinhos que a Desatadora dos Nós não desfaria...

Cada nozinho tinha sua história que ele ia desfiava para os dedos das mãos...

Que tinham nomes diferentes e tratava como quem cuida do filho na noite de febre...

Davam-lhe barbantes pequenos para que não se enforcasse...

Ele os consumia... Quando não cabiam mais nós, o barbante desaparecia...

Talvez o engolisse, como a mãe que deseja proteger o filho no útero...

Primeiro laço no novo barbante...

Depois mais um... E mais um...

Ele ia cosendo o tempo...

Seu tempo já se acabara...

Persistente, ele ia cosendo...

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 03/04/2008
Reeditado em 18/04/2008
Código do texto: T929980
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