O segredo das conchas 



  Belvedere Bruno


  Quando Henrique foi chamado para ocupar a vaga de motorista particular da família Martins, ficou eufórico. Ganharia seis  vezes mais do que no prédio em que trabalhava como porteiro na Avenida das Amendoeiras. Não entendia como seu amigo José Luís havia sido dispensado por justa causa, sendo homem tão correto.

  Os dias transcorriam naturalmente. O trabalho era normal, como o de qualquer motorista particular.

  Certa tarde, Margarete , a patroa, chamou-o para levá-la à clínica de estética.
 
- Henrique, estou precisando de uns tratos. O carnaval está chegando, adoro desfilar em escola de samba, e preciso, urgentemente, dar uma endurecida na bunda, uma  levantada nos peitos, fazer  umas massagens....

  Henrique  a ouvia em estado de perplexidade. Como podia falar assim com um empregado?

   No caminho para a clínica,  Margarete pediu-lhe que desviasse, pois queria dar um mergulho na Praia das Algas, local preferido pela elite da cidade.

   Quando estacionou o carro, ele,  que  não conhecia o lugar, ficou extasiado ao olhar aquele céu azul, a água cristalina, as conchas  em profusão.
 
 - Que sensação de paz! -  pensou.

  Ela, esfuziante, começou a retirar as roupas, peça por peça, até mostrar-se em toda exuberância. Correu pela areia e mergulhou. Ao sair da água, encontrou Henrique de braços abertos e transformaram a praia em verdadeiro paraíso de explosões orgásticas.

  O fato passou a repetir-se com freqüência, ficando Henrique cada vez mais apaixonado por aquela mulher tão livre de preconceitos.

  - Não vejo a hora que ela largue o marido.... O cara é um velho,  tem vinte anos a mais do que ela, eles  não têm filhos, tudo vai ser fácil pra nós. -  E assim ele fazia  seus planos.

  A festa de Natal estava próxima. Margarete  decidiu fazer reformas na varanda da mansão. Havia uma equipe de trabalhadores em movimento. Ela fazia questão de supervisionar os serviços diariamente. Henrique  sentia falta das idas à praia.  Margarete quase não lhe dirigia  a palavra nos últimos tempos.

  Certa manhã, enquanto tomava o café, ouviu um dos pedreiros comentar, em meio a risadas,  sobre ida à Praia das Algas. Henrique chorou convulsivamente. Sentado em um canto, cabeça baixa, sentia  que  os pensamentos  o martelavam como se fossem estourar sua cabeça.  Tremia.   Não conseguia sequer articular  palavra .

  Naquele mesmo dia, Margarete pede que a leve ao dentista. No caminho, Henrique  faz um desvio e ruma à Praia das Algas, sob veementes protestos dela.

   Parando o carro, observa a praia deserta .  O mesmo céu azul , a mesma água límpida e a profusão de conchas. Não mais aquela sensação  de paz. 

 Henrique a  puxa bruscamente para fora do  carro, rumando ambos para o mar.

 O som que Margarete passa, então, a emitir é ofegante. Gritos e gestos levam-no à lembrança daquele dia, quando se encontraram pela primeira vez . Misto de dores e prazeres...


E vem o silêncio.

  Caminhando sobre a areia, Henrique  contempla o horizonte, imaginando a longa estrada  que terá que percorrer até que chegue ao seu destino.