Aos sonhos entranhos I

... Então eu estava indo a algum restaurante famoso de uma cidade, que parecia ser alguma da antiga Alemanha de Hitler, junto de alguns amigos. Quando chegamos junto à porta suntuosa de estilo clássico, uma mulher muito bonita acompanhada de quatro crianças me abordou. As crianças eram criaturas intrigantes e só de olhá-las, confesso ter me assustado um pouco.

Eram quatro.

Duas meninas e dois meninos; todos de idade semelhante.

A primeira menina, de aproximadamente doze anos, tinha um ar de desespero e lágrimas grossas nos olhos; era uma menina bonita de grandes cabelos pretos escorridos, de olhos negros e branca como a neve; ela olhava fixamente para mim como se pedindo socorro logo depois de um estupro. Eu senti por ela um rejeição enorme.

A seguir, me deparei com a outra menina de no máximo sete anos, que tinha o olhar no nada; um olhar vazio, incrédulo e perdido. Era uma menina linda esta. Cabelos loiros e olhos muito azuis, a menina me fazia ter um dó sem tamanho.

Admirando-a, o outro menino, beirando cinco anos, me chamou atenção. Ele tinha um olhar imensamente amável como se guardasse nele todo o amor do mundo, prestes a distribuí-lo, pacificando o planeta; este estava no braço da mulher. Era um menininho de face meiga, mas não consegui ver nenhum detalhe; parecia que ele estava lá, mas estava distante de mim a ponto de eu não poder vê-lo detalhadamente. Senti por ele um carinho imenso.

Logo depois fui surpreendido por um rapazote muito violento de dez anos. Este foi o que mais me intrigou. Ele vinha em minha direção para me envolver em um abraço carinhoso, mas quando eu o sentia, ele transtornava-se e me mordia e tentava me machucar – e como era forte aquele garoto.

Contudo, o que mais me deixou pasmo foram os cabelos curtos e olhos castanhos que me fizeram ver a enorme semelhança comigo mesmo.

Por não gostar de crianças, pedi à mulher que as tirasse de perto de mim, e nesta hora... Nesta hora, ela sorriu da minha agonia; um sorriso morto e com poucos dentes, e o sorriso modificava a face dela que, aos poucos, desfigurava-se. Eu perguntava aos meus amigos se eles não iriam fazer nada, mas eles diziam que nada viam. Mas, como? Como era possível que eles não vissem a mulher desfigurada, a menina desesperada, o menino transbordando amor, a menina perdida e principalmente o menino que não parava de me atacar! Eu falava, falava, falava e nada... Até que a mulher voltou a sua primeira feição e então, conduziu as crianças para dentro do restaurante, um a um.

Logo após, tudo se desfez.

A minha interpretação deste sonho foi péssima, diga-se de passagem. Sonhei ontem, logo após uma de minhas crises existenciais, louvadas por Maysa Matarazzo, sussurrando seus grandes sucessos como “fim de noite”, “meu mundo caiu” e “bom dia, tristeza” em meu ouvido.