O eclipse da loba
Prendeu a cachorra, fez dormir o homem extenuado e, quando a lua reapareceu inteira, esgueirou-se pelo quintal da casa até a cerca de mato natural que dividia o terreno pouco da casinhola pobre em que moravam da mata fechada das faldas do morro. Corria como se a visão não lhe faltasse à noite, ou que nada lhe obstasse o caminho. Em minutos poucos atingira fácil o cume da pequena elevação. Despiu-se. Pôs também as palmas das mãos no chão, balançou para trás a espessa cabeleira ruiva, arrancando brilhos da lua. Contraiu as nádegas e as coxas para encontrar forças ancestrais em algum lugar do corpo ou mesmo no ar que inspirava profundamente. Olhos fixos nos céus, uivou. Loba que fora, necessitava ao menos uma vez por ano, na lua cheia do inverno tropical, no mês de agosto, reapresentar-se a si mesma, tendo encontrado naquele tosco lugarejo o ambiente que mais permitira o ritual sem alardes. Era como se, espreitando a lua no profundo azul, mirasse as feições próprias na água do pântano em que a matilha ia saciar a sede, quando também ocorria o acasalamento da espécie com mais freqüência. Apenas o terceiro uivo, tétrico, um urro medonho havia ecoado, viu-se cercada por archotes empunhados por uma dezena de homens, o que a impelia para a beira escarpada da elevação que formava com o vazio ângulo quase reto... Saltou para o vazio, a luz agora arrancando do corpo em queda centelhas prateadas, faíscas velozes a perfurar o veludo anil da noite fechada. Apertou os olhos, enrijeceu cada um dos músculos do corpo antecipando o impacto possivelmente fatal.
(talvez continue)