O HERÓI DE "MENSAGEM A GARCIA"
O Julgamento de Rowan no Paraíso
Marcos Barbosa
Depois de um século, que para Deus é um dia, Rowan foi julgado no paraíso. Sentado à direita do filho do Pai Eterno, São Tiago como porta voz do altíssimo, profere a sentença:
— No dia 22 de fevereiro de 1899, o jornalista Elbert Hubbard tornou este homem imortal para a memória dos terrestres. Sua Santidade, o Verdadeiro Deus Altíssimo, houve por bem fazer este julgamento hoje, aqui na presença de 666.000 funcionários públicos condenados a 30 anos de Inferno. Mas Deus, em sua infinita bondade decidiu fazer a comutação da pena e convocou esta assembléia de funcionários públicos, de todos os países do Planeta Terra, mortos e condenados, para assistirem ao julgamento do herói da Mensagem a Garcia.
— Vocês chegaram atrasados ao julgamento celestial... mas Rowan já está aqui glorificado à direita de um dos filhos de Deus. Ele precisa de anjos assim. Será nomeado mais um dos Santos Anjos do Senhor. Que Sua Santidade, o Verdadeiro, seja glorificado.
— Quanto a vós, senhores - continuou S. Tiago - por necessidade de experiência, estão condenados a nascer no Brasil e vão trabalhar na Explanada dos Ministérios em Brasília. Antes porém , ouvirão a leitura deste texto secular, Mensagem a Garcia, pelo próprio autor, que está aqui, na glória do Pai.
E São Tiago olhando para Elbert Hubbard ordenou:
— Repita a leitura três vezes, para que esta lição fique bem gravada no inconsciente coletivo destes funcionários públicos.
O jornalista levantou-se fazendo as reverências de praxe. Antes da leitura apontou para Rowan, expressando que dedicava o texto em sua homenagem:
— " MENSAGEM A GARCIA, escrito em 22 de fevereiro de 1899.
Em todo este caso cubano, um homem se destaca no horizonte de minha memória como o planeta Marte em seu periélio. Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o que importava a estes era comunicar-se rapidamente com o chefe dos insurretos, Garcia, que se sabia encontrar-se em alguma fortaleza no interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse precisar exatamente onde. Era impossível comunicar-se com ele pelo correio ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente (Mac Kinley) tinha que tratar de assegurar-se da sua colaboração, e isto o quanto antes. Que fazer?
Alguém lembrou ao presidente: "Há um homem chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan"
Rowan foi trazido à presença do presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entrega-la a Garcia. De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após quatro dias saltou, de um barco sem coberta, alta noite, nas costas de Cuba; de como se embrenhou no sertão, para, depois de três semanas, surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé o país hostil e entregado a carta a Garcia, são coisas que não vêm ao caso narrar aqui pormenorizadamente. O ponto que desejo frisar é este: Mac Kinley deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou a carta e nem sequer perguntou: "Onde é que ele está?"
Hosannah! Eis aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze perene e sua estátua colocada em cada escola do país. Não é de sabedoria livresca que a juventude precisa, nem de instrução sobre isto ou aquilo. Precisa, sim, de um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altiva no exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia.
O General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias. A nenhum homem que se tenha empenhado em levar adiante uma empresa, em que a ajuda de muitos se torne precisa, têm sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade de grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição de concentrar a mente numa determinada coisa e fá-la.
Assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho mal feito parecem ser a regra geral. Nenhum homem pode ser verdadeiramente bem sucedido, salvo se lançar mão de todos os meios ao seu alcance, quer da força, quer do suborno, para obrigar outros homens a ajuda-lo, a não ser que Deus onipotente, na sua grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe como auxiliar um anjo de luz.
Leitor amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Estas sentado no teu escritório, rodeado de meia dúzia de empregados. Pois bem, chame um deles e peça-lhe: "Queira Ter a bondade de consultar a enciclopédia e de me fazer uma descrição sucinta da vida de Corregio."
Dar-se-á o caso do empregado dizer calmamente: "sim, senhor" e executar o que lhe pediu?
Nada disso! Olhar-te-á perplexo e de soslaio para fazer uma ou mais das seguintes perguntas:
Quem é ele ?
Que enciclopédia?
Onde é que está a enciclopédia?
Fui eu acaso contratado para fazer isso?
Não quer dizer Bismarck?
E se Carlos o fizesse?
Já morreu?
Precisa disso com urgência?
Não será melhor que eu traga o livro para que o senhor mesmo procure o que quer?
Para que quer saber disso?
E aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a tais perguntas, e explicado a maneira de procurar os dados pedidos e a razão porque deles precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude a encontrar Garcia , e depois voltará para te dizer que o tal homem não existe. Evidentemente, pode ser que perca a aposta; mas, segundo a lei das médias, jogo na certa. Ora, se fores prudente não te darás ao trabalho de explicar ao teu "ajudante" Que Corregio se escreve com "C" e não com "k", mas limitarás a dizer-lhe meigamente, esboçando o melhor sorriso: "Não faz mal; não se incomode", e, dito isto, te levantarás e procurarás tu mesmo. E esta incapacidade de atuar independentemente, esta inépcia moral, esta invalidez da vontade, esta atrofia de disposição de solicitamente se por em campo e agir - são as causas que recuam para um futuro tão remoto o advento do socialismo puro. Se os homens não tomam iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão quando o resultado do seu esforço for necessário para redundar em benefício de todos? Por enquanto parece que os homens ainda precisam ser feitorados. O que mantém muito empregado no seu posto e o faz trabalhar é o medo de, se não fizer, ser despedido no fim do mês. Anuncie precisar de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar - e , o que é pior, pensam que não é necessário sabê-lo.
Poderá uma pessoa destas escrever uma carta a Garcia?
"Vê aquele guarda-livros", dizia-me o chefe de uma grande fábrica.
"Sim, que tem?"
"É um excelente guarda-livros. Contudo, se eu o mandasse transmitir um recado, talvez se desobrigasse da incumbência a contento, mas também podia muito bem ser que no caminho entrasse em duas ou três casas de bebidas, e que, quando chegasse ao seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada."
Será possível entregar a um tal homem uma carta para entrega-la a Garcia?
Ultimamente temos ouvido muitas expressões sentimentais, externando simpatia para com os pobres entes que mourejam de sol a sol, para com os infelizes desempregados à cata de trabalho honesto, e tudo isto, quase sempre entremeado de muita palavra dura para com os homens que estão no poder.
Nada se diz do patrão que envelhece antes do tempo, num baldado esforço para induzir eternos desgostosos e descontentes a trabalhar conscienciosamente; nada se diz de sua longa e paciente procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz do que "matar o tempo" , logo que ele volta as costas. Não há empresa que não esteja despedindo pessoal que se mostra incapaz de zelar pelos seus interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. Este processo de seleção por eliminação está se operando incessantemente , em tempos adversos, com a única diferença que, quando os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre, os incompetentes e os inaproveitáveis. É a lei da sobrevivência do mais apto. cada patrão, no seu próprio interesse, trata somente de guardar os melhores - aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia.
Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas sem a fibra precisa para gerir um negócio próprio e que ademais, se torna completamente inútil para qualquer outra pessoa, devido à suspeita insana que constantemente abriga de que seu patrão o esteja oprimindo ou tencione oprimi-lo. Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia, retrucaria provavelmente: "Leve-a você mesmo".
Hoje este homem perambula pelas rua errante em busca de trabalho, em quase petição de miséria. No entanto, ninguém que o conheça se aventura a dar-lhe trabalho porque é a personificação do descontentamento e do espírito de réplica. Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única coisa capaz de nele produzir algum efeito seria um bom pontapé dado com a ponta de uma bota número 42, sola grossa e bico largo.
Sei, não resta dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como este não é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado. Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também uma lagrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo som do apito e cujos cabelos ficam prematuramente encanecidos na incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor, andariam famintos e sem lar.
Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação em cores demasiado carregadas? Pode ser que sim; mas, quando todo mundo se apraz em divagações, quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que imprime êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de outros, e, que, após o triunfo, talvez verifique que nada ganhou; nada, salvo a sua mera subsistência.
Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jornaleiro, como também tenho sido patrão. Sei, portanto, que alguma coisa se pode dizer de ambos os lados.
Não há excelência na pobreza de per si; farrapos não servem de recomendação. Nem todos os patrões são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.
Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha conscienciosamente, quer o patrão esteja, quer não. E o homem que, ao lhe ser confiada uma carta para Garcia, tranqüilamente toma a missiva, sem fazer perguntas idiotas, e sem a intenção oculta de jogá-la na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro feito que não seja entrega-la ao destinatário, este homem nunca fica "encostado", nem tem que se declarar em greve para forçar um aumento de ordenado.
A civilização busca ansiosa, insistentemente, homens nestas condições. Tudo que um tal homem pedir, se lhe há de conceder. Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso: Precisa-se, e precisa-se com urgência, de um homem capaz de levar uma mensagem a Garcia."
Terminada a leitura, São Tiago dá ordens de serviço rotineiras ao herói da MENSAGEM A GARCIA, agradece a Elbert Hubbard a leitura do seu texto e toma as providências para o nascimento dos 666.000 funcionários públicos no Brasil.