O HOMEM GATO

O dia deu sinais de que iria ir embora e só voltaria no ciclo seguinte. Ele nem ligou. Continuou na cama, quieto... A noite chegou, taciturna como as árvores do pomar ao serem balançadas pelo calmo e forte vento de verão. Sem poder esperar mais, ele senta na cama. Deixa a cabeça cair nas mãos sofridas. Mais uma noite quente estava começando.

Se dirigiu lentamente ao ventilador desligado. As pernas, preguiçosas, pareciam levar nas canelas 20 quilos cada uma. Girou o botão que estava acoplado na base do ventilador. A ação aparentemente não surtiu efeito. Desanimado, foi para a sala de estar. Mexeu no interruptor. Nada das luzes se acenderem. Neste momento, teve vontade de fazer mil coisas desesperadoras ao mesmo tempo: gritar, correr, chorar... Mas não fez nada disso, apenas caminhou lentamente até o alpendre. Sentiu algo nas pernas...

Lembrou-se de 3 dias atrás. No alpendre, o homem acariciava o gato preto.

- Meu bichano...

Num gesto instintivo, o gato sorri para o dono com seus dentes brancos com cheiro de peixe. O gato tem a face humana. O homem olha para ele por muito, muito tempo.... Os bigodes, os pelos, as orelhas peludas, tudo era de um gato comum. Mas este é um humano!

Examina o gato, passa a mãos eu seu tronco e chega até o rabo. Humano. Olha mais uma vez para a sua face. A cena é angustiante: Um homem, no alpendre de sua casa grande que se encontra nos confins do mundo, olha para um gato com face humana. Analisa esse seu termo e cria uma nova espécie de gato, ou de homem. O homem-gato olha para ele... Mas se passam 3 minutos e ele volta a lamber a própria pata.

Voltou ao presente. No terreiro, as corujas gritavam e os pernilongos atacavam sem dó. Mas ele tinha nos pés, docemente, o gato. Lembrou da infância, quando ele era ágil como um gato.... Agora entendeu tudo. O gato se achava tão humano quanto o homem. Nisso residia sua fadiga.

O homem pestanejou. Entrou em casa. Dormiria, sem ventilador, até o dia amanhecer...