O homem que perdeu a sombra

Ainda abalada pelas revelações de Corban Adoyo no dia anterior, Abihail chegou na redação do jornal naquela manhã e foi direto falar com seu chefe. Ojwang Magero a ouviu sem fazer qualquer comentário. Finalmente, quando ela fez uma pausa para tomar um copo d'água, ele perguntou:

- Acabou?

- Como assim, chefe? "Acabou"? Elisheba Odondi agora é a dona da vila... as principais autoridades estão na mão dela!

E encarando o editor com a testa franzida:

- Não vai me dizer que o senhor...

Ojwang ergueu as mãos em defensiva.

- Não, eu não estou na folha de pagamento de Elisheba... nem a Susan Okeyo, até onde eu saiba.

Susan Okeyo era a herdeira da família Okeyo, e dona do jornal. Mas passava mais tempo na capital do que na vila.

- Que alívio! - Abihail levou a mão ao coração. - Mas entendo porque disse que queria distância dela.

- E agora você está sabendo até mais do que eu sobre Elisheba Odondi - ponderou o editor.

Abihail fez uma careta.

- Confesso que preferia continuar na ignorância... honestamente, nem sei o que fazer com as informações que recebi. Mas entendo porque não vai me autorizar a publicar no jornal.

Ojwang sorriu.

- Você é uma jornalista competente. Se não for aqui, vai achar um lugar.

* * *

Corban Adoyo já sabia o que o esperava e inclusive já mandara sua família passar alguns dias na capital, para que não testemunhassem o que iria acontecer com ele. Quando tocaram a campainha de sua casa, duas noites após o depoimento que dera para Abihail Aludhe, ele olhou pela janela da sala de estar e viu um furgão de uma empresa de entregas, estacionado em frente ao seu jardim. Abriu a porta e deparou-se com dois homens fortes, vestidos com macacões vermelhos de brim.

- Pronto para a mudança, Corban Adoyo? - Indagou o homem mais baixo, de cabeça raspada, que segurava uma embalagem de plástico preto.

Corban olhou assustado para o pacote.

- Nisso aí?

- É o procedimento padrão - declarou o outro homem, entreabrindo um sorriso irônico.

A embalagem foi aberta e revelou um saco para cadáver.

- Entre - comandou o homem de cabeça raspada.

Engolindo em seco, Corban colocou um pé, depois o outro, dentro do saco. Em seguida, este foi puxado até sua cabeça, e o zíper foi corrido.

- Eu vou ficar sem ar! - Lembrou-se de exclamar.

- Deixe de fazer escândalo - disse o homem da cabeça raspada. - Tem uns furinhos para você respirar. Deite-se.

Corban agachou-se, depois deitou-se no carpete da sala. Os homens o levaram até o lado de fora, e o homem mais alto fechou a porta da casa e guardou as chaves num bolso do macacão. Em seguida, o saco contendo o comerciante foi depositado na traseira do furgão. Quando o veículo arrancou, as luzes da casa de Corban apagaram-se todas ao mesmo tempo.