Fora de registro

Abihail Aludhe surpreendeu-se quando Corban Adoyo concordou em dar um depoimento para ela, desde que fosse "fora de registro". Se algo trágico ocorresse com ele, todavia, a jornalista estava autorizada a publicar o que julgasse relevante - caso estivesse disposta a correr o risco.

- Não estou falando apenas da hipótese de levar um processo, - alertou - embora isso não possa ser descartado. Mas tem que entender que se souberem que conversamos, passa a correr sério risco de vida.

- Se "quem" souber? - Questionou Abihail.

- Não vou falar sobre isso por telefone - desconversou Corban. - Vamos marcar um encontro, na estrada para Baa Mbili... há uma parada de caminhoneiros, com um restaurante...

Abihail sabia onde era. Ao estacionar o seu Ford Taurus no estacionamento do restaurante, avistou o Cadillac Seville do comerciante parado ali. "Bastante pontual", anotou mentalmente, consultando o relógio de pulso. Corban de fato estava dentro do estabelecimento, praticamente vazio àquela hora da tarde. Ele ergueu-se ao vê-la, e trocaram um aperto de mão.

- Sem gravações? - Questionou ele, após se sentarem e Corban pedir ao garçom uma água tônica para si e uma limonada para a jornalista.

- Sem gravações - prometeu Abihail, retirando da bolsa que levava um bloco de notas e uma caneta esferográfica. - Mas tenho que fazer anotações, naturalmente.

- É justo - conformou-se Corban.

- Bom, vamos começar pelo início - declarou Abihail, depois que as bebidas foram deixadas sobre a mesa. - Quando conheceu Elisheba Odondi?

Corban ergueu brevemente os olhos para o teto.

- Cerca de... sete anos? Sim, creio que foi em 1986 - decidiu-se, voltando a olhar para a jornalista. - Um amigo, Esau Misiani, me apresentou Elisheba numa feira de negócios, na capital. Ela disse que era investidora e que estava buscando novas oportunidades de negócios no interior; falei que tinha um pequeno comércio, mas estava com planos de expandir e abrir um supermercado... se conseguisse um empréstimo. Ela respondeu que se viesse para esses lados, iria me procurar e avaliar as condições de financiamento. Confesso que não acreditei muito nessa possibilidade, pois Elisheba não parecia alguém que emprestaria dinheiro para um mercadinho de vila... mas eu estava enganado.

- Esse seu amigo, Misiani... ele fez negócios com Elisheba? - Inquiriu Abihail, escrevendo rapidamente no bloco de notas.

- Sim, me disse que havia pego um financiamento certa vez... pagou tudo em dia e não precisou recorrer aos serviços dela novamente.

- Certo... e quando ela veio lhe procurar?

- Faz três anos. Me ligou e eu nem me lembrava direito dela, teve que puxar a história da feira de negócios.

- Você ainda estava com o mercadinho.

- Isso.

- E então Elisheba veio e disse que iria se estabelecer aqui?

- Ela disse que havia feito uma avaliação geral da vila e que gostaria de investir na região... um bom dinheiro. Perguntou se eu poderia apresentá-la às autoridades... como todo mundo vinha comprar no meu mercadinho, claro que falei que poderia ajudar. Em troca, ela me daria o financiamento para montar o supermercado... com um prazo bem generoso.

- O que, imagino, ela fez - avaliou Abihail, girando a caneta entre os dedos.

- Sim... e por conta disso, pude não só abrir o supermercado, como construir a filial em Baa Mbili. O problema é que eu ainda tinha que fazer o pagamento final... adiei o quanto pude, mas Elisheba estava me pressionando. Não tive outra saída que não aceitar os termos dela.

- A sua dívida era muito grande? - Questionou Abihail em expectativa. - Já que teve que entregar o supermercado...

Corban lançou-lhe um olhar desesperado.

- Esse é que é o problema... Elisheba não cobra suas dívidas em dinheiro!

- [Continua]