Silhuetas na noite

Fazia calor em Jersey City na noite de 4 de julho, apesar da previsão de chuva. Nas ruas, uma multidão se dirigia às margens do Hudson para contemplar a célebre queima de fogos de artifício. Bares e restaurantes estavam cheios.

Foi sob aquele céu noturno que quatro amigos se encontraram e decidiram jantar em um daqueles restaurantes lotados.

Os rapazes, jovens e solteiros, eram Designers UX/UI. As moças, também jovens e solteiras, eram desenvolvedoras de software. Todos trabalhavam em uma mesma empresa de tecnologia. Eu era uma daquelas moças e chefe dos três. Me chamo Priya. Nasci na Índia e cheguei aqui ainda criança.

Às 8:47 p.m., nos dirigimos à margem do rio em busca do melhor lugar para assistir ao espetáculo da queima de fogos. Já com alguma dificuldade, encontramos um local onde poderíamos ver, ao fundo, os fabulosos arranha-céus de Manhattan, o One World Trade Center e o icônico Empire State Building, entre outros.

Pontualmente às 9:20 p.m., o silêncio — ou o murmúrio coletivo das milhares de pessoas no local? — foi interrompido por estrondos. O show havia começado. Os fogos irromperam com cores vibrantes e estalos estridentes.

Do vermelho ao azul, ao verde e aos tons dourados, as cores se desdobravam com graça. À medida que os minutos avançavam, a intensidade da queima de fogos acelerava. Cada estampido arrancava da multidão suspiros de admiração e aplausos.

No ápice do espetáculo, os fogos explodiam em cascata, criando um véu brilhante que se espalhava pelo céu, iluminando os rostos extasiados dos espectadores.

Passados 19 minutos e 57 segundos, o silêncio voltou a reinar no céu. Na terra, o que se ouvia eram os sussurros e sorrisos compartilhados entre os que testemunharam o espetáculo. O show havia terminado e o caminho de volta para casa, começava.

Foi inevitável me lembrar da última vez que estive ali. Foi em um dia como aquele, um 4 de julho, que Nick partiu e nunca mais voltou. Cada estampido, cada imagem formada no céu pelos fogos me fazia recordar da alegria que meu querido irmão sentia ao ver tudo aquilo, mesmo manuseando um cubo mágico que havia recebido de presente de aniversário. Mamãe e papai quase morreram de tristeza ao perceberem, ao término do show, que seu filho mais novo havia partido sem se despedir de ninguém. Aos olhos deles, restava apenas eu, a filha mais velha.

Para escapar de uma chuva fina que começou a cair lá longe no momento em que ouvimos o último estampido, corremos até a estação de metrô mais próxima, e embarcamos em um vagão lotado.

No metrô, o espetáculo que presenciei era de outra natureza: raças, nacionalidades, idades, profissões e condições sociais se mesclavam. Essa diversidade se mostrava também nas roupas e nas expressões corporais, com pessoas falando em pequenos grupos diferentes idiomas.

Não muito distante de onde eu estava em pé, próximo à porta, havia um africano, jovem, alto e magro, com gestos delicados. Ele exibia cicatrizes distintas em forma de pontos ao redor de cada olho e linhas verticais em ambas as bochechas. Ele estava sentado com as pernas cruzadas e o tronco inclinado para frente, vestindo um longo manto azul imundo com um cravo vermelho murcho na lapela. Suas expressões pareciam implorar por atenção, enquanto pronunciava frases e palavras incompreensíveis, que para mim, ecoavam mensagens semelhantes a estas: “Ei, olhem para mim. Eu existo, vocês não veem?”; “Lacaios.” “Eu tenho alma. Minha mãe me ama”.

Em um momento, eu vi aquela figura exótica, mesmo para os padrões de uma grande cidade norte-americana, erguendo a mão direita com suavidade em direção aos lábios e, em seguida, soprando beijos no ar — ora à sua esquerda, ora à sua direita. Cada gesto estava carregado de carinho.

Para a multidão apertada naquele vagão, ele era apenas mais um dos muitos rostos miseráveis presentes nas ruas, praças e estações de metrô e trem de cidades como New York City, The City That Never Sleeps.

Ele desceu três estações depois, sem que ninguém notasse sua partida, exceto eu, que já estava sem a companhia de meus amigos. Com rapidez, ele se dirigiu à lata de lixo da plataforma, a apenas sete passos de distância. Inclinando-se sobre a lixeira, seu braço direito mergulhou dentro dela enquanto girava o tronco para verificar se o metrô ainda estava parado na estação. “À minha espera?”, deve ter se perguntado, antes de decidir: “Eu não preciso de vocês”. Sete segundos depois, um sorriso iluminou seu rosto enquanto afastava dois ratos que passeavam entre suas pernas, como quem afasta uma flor caída no jardim. Sentado em um dos bancos daquela estação sombria, voltou o olhar para mim e, com reverência, fez o sinal da cruz com a mão esquerda, agradecendo a Deus pelo jantar que havia retirado da lixeira.

Foi só então que vi um segurança da estação, um jovem indígena norte-americano, se aproximar dele segurando a guia de um cão feroz. Por instinto, dei um passo em direção à saída, decidida a descer, mas fui impedida pelo fechamento das portas do vagão. As últimas palavras que ouvi dele, gritando, já em pé diante daquele homem de uniforme, foram estas: “Jack, eu já te disse mil vezes: eu sou Tewodros II, imperador da Etiópia.”

O cão latiu e o segurança olhou para mim. Com o rosto colado no vidro sujo da porta, prevendo o que aconteceria com o pobre africano, implorei: “Por favor, não faça mal a ele”.

O metrô partiu e uma testemunha de minha dor, oculta no vagão, começou a cantar para me acalentar, o seguinte verso:

“No alto do penhasco, à beira do rio,

Uma jovem Katyusha se pôs a cantar,

Sobre um campo distante, um amor partiu,

E ao longe, no horizonte, ela chorou por ele.”

Desci, sozinha, na estação onde faria uma conexão. Quem eu encontrarei no próximo vagão? — me perguntei, chorando.

Lysandra Verdanis
Enviado por J P Berlin Jr em 08/09/2024
Código do texto: T8146864
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