Estação Jamaica

Era fim da primavera em New York City. Uma brisa suave pairava sobre as áreas próximas ao Hudson. O céu estava nublado e uma chuva fina havia caído sobre a cidade. Na estação de metrô Jamaica, no Queens, um ponto de acesso para o Aeroporto JFK, turistas puxavam suas malas, espremidos pelos corredores e plataformas, enquanto olhavam mapas impressos. Estudantes com mochilas e fones de ouvido se moviam em um ritmo acelerado, muitas vezes digitando mensagens em seus celulares 3G ou conversando em pequenos grupos. O som dos alto-falantes da estação, com orientações e alertas de segurança, se embaralhava ao ruído dos trens e das conversas em vários idiomas. Aquela estação era um lugar de encontros, desencontros e despedidas, onde cada pessoa, anônima, carregava sua própria história.

Foi em um dia dos anos 1990, nesse microcosmo de New York City, que duas mulheres extraordinárias, Miss X e Miss Y, se encontraram de maneira improvável entre turistas e estudantes apressados.

Miss X estava de partida de New York City. Seus longos cabelos negros estavam presos. Vestia uma calça jeans desbotada, uma camiseta com gola preta e um lenço em volta do pescoço.

Miss Y, por outro lado, havia acabado de chegar à cidade. Ao contrário de Miss X, que vestia roupas ocidentais, Miss Y trajava uma vestimenta tradicional da cultura islâmica: cabelos cobertos por um hijab, uma túnica de mangas longas e uma calça larga.

— Hey. Você é novaiorquino? — perguntou Miss Y, à pessoa mais próxima.

— Não sei quem você é e nem quero saber — respondeu, em um inglês precário, um sujeito de traços andinos. — Estoy con prisa — completou ele, destacando seus olhos esbugalhados, cada um de uma cor.

Miss X notou que Miss Y, mais jovem que ela e com lágrimas nos olhos, se aproximava aflita, olhando para trás como se estivesse sendo seguida.

— Good morning. Você é daqui? — perguntou Miss Y, com uma leve excitação na voz.

— Não. Sou do Rio de Janeiro e trabalho na França. Estou só de passagem por New York City. E você? Precisa de ajuda? — respondeu Miss X, com um sorriso.

Miss Y hesitou por um momento, como se estivesse decidindo se deveria responder.

— Yeah. Como posso ir até Manhattan? — assentiu Miss Y, acrescentando uma pergunta. Sua expressão denotava pavor.

— Pegue a Linha E. Desça na estação WTC — respondeu Miss X, com objetividade.

— World Trade Center? — perguntou Miss Y, já sabendo que a resposta seria sim.

— Exato. Você está bem? — perguntou Miss X, notando a expressão preocupada de Miss Y.

— Não, não estou bem. Estou fugindo — respondeu Miss Y, suspirando de alívio por ter a coragem de compartilhar sua angústia com alguém.

— Fugindo? De quem? — perguntou Miss X, surpresa com aquela revelação.

— Estou fugindo daqueles que me proíbem de estudar e que exigem que eu acredite em algo que não creio. Estou fugindo daqueles que querem me obrigar a casar com quem eu não escolhi… — respondeu Miss Y, sem concluir o pensamento, com um olhar que transmitia uma mistura de medo e determinação.

Miss X ouviu aquelas palavras e, ciente da gravidade da situação de Miss Y, estendeu as mãos para ela em um gesto de reconfortante de solidariedade.

— Entendo. Como você se chama? — perguntou Miss X, querendo estabelecer uma conexão mais pessoal.

— Mahira. E você? — reagiu Miss Y, suavizando sua voz diante da empatia de Miss X.

— Ana Maria.

Mahira olhou ao redor nervosamente, os olhos fixos em uma figura que parecia se aproximar.

— Ana Maria, você consegue vê-lo? — perguntou Mahira, angustiada.

— Quem? — indagou Ana Maria, com preocupação.

— Aquele homem manco de sobretudo escuro com a gola levantada e touca de esqui que está se aproximando de mim — respondeu Mahira, soluçando.

— Oui. Je sais qui il est… — disse Ana Maria, antes de ser interrompida.

— O que você disse? — ingadou Mahira, sem esperar que Ana Maria terminasse a frase.

— Não importa o que eu disse. Eu sei quem ele é — respondeu Ana Maria, apavorada.

Percebendo que o homem se aproximava delas gritando “Mahira Yousafi”, “Mahira Yousafi”, Ana Maria parou por um instante, olhou para ele, e suplicou: “Monsieur Horvat, laissez-la en paix.”

Foi então que Ana Maria pegou a mão de Mahira e a ajudou a entrar no vagão lotado do metrô que as levaria para um lugar seguro. O voo que a levaria ao Brasil partiria sem ela.

Mahira olhou para Ana Maria com gratidão, sentindo um peso sendo levantado de seus ombros ao encontrar alguém disposto a ajudá-la. Juntas, aquelas duas mulheres, que anos depois se tornariam uma bailarina consagrada e uma reverenciada defensora dos direitos humanos das mulheres, seguiram para o coração de Manhattan. Daquele encontro casual na agitada estação Jamaica, em uma manhã qualquer de primavera em New York City, floresceu uma grande amizade.

Lysandra Verdanis
Enviado por J P Berlin Jr em 06/09/2024
Código do texto: T8145740
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.