Programação musical

[História anterior: "A música e eu"]

Fui recebida na recepção do escritório de contabilidade por uma mulher de cerca de trinta anos, morena, cabelo castanho preso num rabo de cavalo, vestida com tailleur e calças compridas cinza-pérola, blusa branca, sapatos pretos de salto baixo; era o uniforme da organização, como fui informada pouco depois.

- Oi... Kolaiah, né? - Perguntou de modo simpático.

- Eu mesma... e você é?

- Delaney Gallegos, sua chefe - anunciou sorridente.

Trocamos um aperto de mãos e ela discorreu rapidamente sobre o que me esperava no local de trabalho:

- Assiduidade, pontualidade, maquiagem discreta, nada de joias exageradas, usar o uniforme... que você vai receber se for aprovada no período de experiência... nada de fones de ouvido...

- Perdão? - Interrompi-a. - Fones de ouvido?

- Queremos que nossas funcionárias se concentrem no trabalho, por isso há música ambiente. Música apropriada para o ambiente de trabalho - ressaltou. - Algum problema?

- Nenhum problema - assegurei. - Só achei a norma curiosa.

- Música que não seja adequada pode levar à distrações - justificou Delaney em tom professoral, prosseguindo com sua exposição:

- Aqui fornecemos refeições e descontamos um valor bem básico do seu salário. Tem alguma alergia alimentar?

Mordi rapidamente os lábios.

- Nada que eu saiba... como o que todo mundo come.

- Ótimo! Tivemos alguns problemas anos atrás, com meninas que traziam... peixe, esse tipo de coisa... e empesteavam o refeitório. Daí, a diretoria decidiu bancar o custo das refeições e nós pagamos uma taxa mínima pelo serviço.

- Muito bom - assenti. - Mas quando disse meninas... aqui não trabalham homens?

Delaney fez um aceno negativo de cabeça.

- Não, somente mulheres. Homens eram... bem... um fator de distração. Há homens na diretoria, mas não nos escritórios. Até mesmo a gerência é 100% composta por mulheres.

- Legal - comentei. - Parece bem... inovador. Mas, nenhuma mulher na diretoria?

Ela abriu um sorriso amarelo.

- Ainda não chegamos lá... mas, quem sabe um dia?

Balancei gravemente a cabeça. Quem sabe um dia...

Ela então me levou para um tour pelo escritório, que não era realmente grande: um salão, com dezesseis baias ao centro (uma delas vazia), delimitadas por divisórias de compensado imitando madeira. As quatro gerentes (incluindo Delaney) tinham mesas em cada quina do espaço, e a contadora-chefe tomava assento no fundo do salão, de costas para as três únicas janelas do escritório, que davam para a rua Springer, lá embaixo (estávamos no quarto andar). Havia vasos com dracenas e bambus da sorte em pontos estratégicos, o que me pareceu simpático, e numa das paredes, uma foto emoldurada do ex-presidente Carver.

- Não me diga que o presidente é o fundador da empresa? - Perguntei em tom conspiratório.

Delaney achou graça na pergunta.

- Não, a relação dele com o nosso negócio é por causa da música - redarguiu.

A música. A tal música ambiente. Sim, agora eu estava prestando atenção. Era música instrumental, do tipo pejorativamente denominada "música de elevador"; sem letras, para que ninguém se distraísse cantando o refrão, imaginei. As minhas futuras colegas, em suas baias, pareciam realmente concentradas diante dos monitores de fósforo verde dos seus terminais de computador. Ninguém se virou para ver a recém-chegada.

- Depois eu explico - prometeu Delaney, abrindo a primeira das três portas na parede esquerda do salão; ela conduzia ao refeitório. Lá dentro, três mesas longas (duas para as assistentes e uma, menor, para a gerência), um refrigerador, micro-ondas, e uma mesa de café.

- Você pode trazer seu lanche e deixar na geladeira; sem peixe, mas sanduíche de atum é permitido, desde que não use o micro-ondas para esquentar - especificou ela.

- Compreendo - redargui.

A porta seguinte ao refeitório levava a um sanitário coletivo, todo azulejado de branco até o teto: oito cabines, o que achei um tanto exagerado. Mas enfim, com tanta mulher junta, era melhor pecar por excesso. E também havia dezesseis armários de vestiário contra uma parede, pintados de cinza-chumbo.

- Você pode trocar de roupa aqui e levar seu uniforme para lavar à noite ou nos fins de semana - sugeriu, antes de sairmos do recinto.

- E a terceira porta? - Indaguei, apontando para a porta mais próxima das janelas no fundo do salão.

- Ali é "verboten" - disse com uma piscadela. - É o banheiro exclusivo da gerência.

Eram quatro gerentes mais a contadora; sem saber quantas cabines havia, as assistentes estavam no lucro, ponderei.

- Certo. Tem mais alguma coisa que eu precise ver?

- Não, você já viu tudo o que havia para ser visto. E quando precisamos fazer uma reunião ou conversar em particular com alguém, usamos o refeitório.

Onde mais seria, pensei; no banheiro?

- Agora, vou lhe apresentar à chefia - disse por fim Delaney.

Mas antes que ela pegasse no meu braço para me levar até a mesa, atrás da qual estava sentada uma matrona loura de seus cinquenta anos, uma voz masculina se sobrepôs à música instrumental que tocava nos alto-falantes ocultos no forro de gesso:

- Concentre-se no trabalho. Esqueça as distrações. Aumente a produtividade.

Olhei para Delaney, surpresa:

- Isso acontece sempre? - Indaguei.

- Isso o quê? - Ela me dirigiu um olhar genuinamente perplexo.

Foi então que percebi que, aparentemente, ninguém mais ali ouvira a tal voz.

- Um barulho... acho que foi na rua - desconversei.

- Ah! - Ela exclamou aliviada. - Isso acontece muito...

E em seguida, me encarando com um olhar estranhamente vazio:

- Esqueça as distrações. Concentre-se no trabalho.

- [Continua em "Get Carver"]