Lubov

Naquele dia de verão, o Sol nasceu esplendoroso sobre as águas tranquilas da English Bay. No Stanley Park, turistas e locais se encontravam à sombra das árvores e ao redor dos totens indígenas, enquanto corredores e ciclistas aproveitavam as trilhas bem cuidadas à beira-mar, desfrutando da vista magnífica para o oceano Pacífico. O movimento nas ruas do centro estava intenso, com cafés e restaurantes lotados. Artistas de rua de diversas nacionalidades, aproveitando o Sol, criavam um vibrante cenário de arte e cultura.

Foi graças à deusa Philotes, neta de Caos e irmã de Éris (a discórdia) e Moros (o destino), que os protagonistas desta história, um homem e uma mulher, se reencontraram após décadas de separação em um dos cantinhos mais encantadores da cidade na tarde daquele dia.

Ele era japonês, homossexual e tinha 87 anos. Vestia uma camisa de linho cinza, desabotoada sobre uma camiseta verde, bermuda bem curta de linho azul e tênis de lona da mesma cor. Usava um chapéu de palha, um lenço roxo em volta do pescoço, óculos escuros, e pulseiras coloridas. Transbordava elegância e requinte.

Ela era russa, octogenária e viúva. Calçava sandálias e usava um vestido leve de algodão em tons pastéis, com cortes simples e mangas curtas. Um lenço de tecido fino estampado na cabeça mantinha seus cabelos brancos no lugar e a protegia do Sol. Ao contrário dele, sua aparência emanava simplicidade e recato.

De agora em diante, referir-me-ei a ambos pelo mesmo nome: Alex. Tudo será esclarecido no final.

Retornando àquela tarde, Alex (ele ou ela) passeava desfrutando da vista espetacular a caminho da estação do metrô Waterfront. Foi quando ouviu um som que lhes era familiar. Instintivamente, começou a caminhar, devagar e depois mais rápido, conforme se aproximava do local onde alguém tocava uma canção. “Quem seria aquele músico tão versátil?”, perguntou para si mesmo.

Aquela canção, executada no violino, transportou Alex (ele ou ela) para um tempo distante. As recordações dos dias difíceis durante a Segunda Guerra Mundial retornaram com força, como se o passado e o presente estivessem se entrelaçando.

Como não lembrar que ambos foram capturados gravemente feridos e colocados em um campo de prisioneiros? É impossível esquecer que, ao serem libertados, se encontraram por acaso e descobriram compartilhar a mesma paixão pelo violino? E como não recordar que, durante a recuperação dos maus-tratos sofridos, uma conexão se estabeleceu entre eles, apesar das barreiras linguísticas e culturais?

Alguns anos depois, quando um já havia desenvolvido o maior respeito profissional pelo outro, eles se reencontraram, desta vez como finalistas de um concurso para a Orquestra Sinfônica de Tóquio. Havia dois candidatos e apenas uma vaga para um posto de primeiro violinista. Como verão, o que aconteceu naquele dia impactou a vida de ambos para sempre.

De volta ao presente. Quando Alex (ele ou ela) chegou bem perto da pessoa que tocava o violino, viu uma senhorinha de cabelos grisalhos com uma tiara adornada com lacinhos, dançando ao seu redor. Ela aparentava ter 65 anos. Seu corpo magro girava com fluidez, deixando sua saia esvoaçar ao seu redor. Seus braços levantavam-se suavemente, desenhando curvas no ar como se estivessem moldando a própria melodia. Seus quadris oscilavam com graça, seguindo o ritmo da música, e seus pés descalços deslizavam pelo chão com leveza. Enquanto dançava, ora olhava com carinho para o esposo sentado no chão — um idoso careca e barrigudo —, ora se aproximava da pessoa que tocava ao violino a canção caribenha e repetia em voz alta diante dela o refrão: Guantanamera, Guajira Guantanamera. Guantanamera, Guajira Guantanamera.

Aquela coreografia e o som do violino fizeram Alex (ele ou ela) cumprimentar a senhorinha e a parar em frente a quem tocava. Os dois se entreolharam por alguns instantes, mas não se reconheceram de imediato. No máximo, foram tomados por incertezas. Seria ele? Seria ela? De repente, aquele momento de dúvidas chegou ao fim. O arco do violino parou de deslizar sobre as cordas. Sem a música que a alegrava, a senhorinha de cabelos grisalhos congelou seus movimentos no ar, enquanto as gaivotas que embelezavam o cais do porto interromperam seus voos e deixaram de emitir seus gritos agudos e estridentes. Nem o ronco frenético dos motores dos pequenos hidroaviões no Harbour Flight Centre podia ser ouvido.

Sem que Alex (ele ou ela) percebesse, uma mulher (ela era apenas alguém em meio à multidão que assistia ao show de dança e música) com um ar assustado, trajando um hijab que revelava os primeiros fios de seus cabelos brancos, se aproximou dos dois. Minutos antes, ela havia relatado à polícia ter visto um homem manco, com um sobretudo escuro, gola levantada e touca de esqui a observá-la. Ao se aproximar, sorriu para eles e, estando tão perto, pôde ouvir o seguinte diálogo:

— Lubov, é você? — perguntou ele, com uma voz cheia de dúvidas.

— Sim, Makoto. Sou eu — respondeu ela, com os olhos cheios de lágrimas.

Makoto (Alex, ele) e Lubov (Alex, ela) se reencontraram sob o olhar do Sol, que havia desparecido por alguns minutos, mas voltara a brilhar naquele fim de tarde de verão em Vancouver.

Lysandra Verdanis
Enviado por J P Berlin Jr em 07/08/2024
Reeditado em 06/09/2024
Código do texto: T8123899
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