“E Cain saiu da presença do Eterno e habitou na terra de Nod, ao oriente do Éden. E Cain conheceu sua mulher, que concebeu e deu à luz Enoque. E Cain edificou uma cidade a qual chamou pelo nome do seu filho Enoque.”

 

 

§§§§§§§§§

 

 

Causa espécie em todos que aprenderam essa história pelos cânones considerados dignos de crédito a informação de que Cain, ao aportar na terra de Nod, casou-se, conheceu sua mulher e teve um filho a quem chamou de Enoque, e que inclusive construiu uma cidade a qual deu o seu nome. A questão que põe, nesse caso, é de onde teria vindo a esposa de Cain, sendo o casal humano a primeira cria de Jeová sobre a terra e o próprio Cain o primeiro filho deles nascido?

A questão se resolve se voltarmos alguns lustros atrás e recuperarmos a informação de que Eva não foi a primeira mulher de Adão, porque antes dela houve outra, chamada Lilith, que abandonou Adão porque não concordava em ser uma mera depositária da semente dele para gerar filhos. Sua recusa, se não nos falha a memória, se ancorava principalmente no fato de não querer se deixar por baixo dele para que ele a penetrasse, e essa foi, ao que consta, a razão dessa que foi a primeira separação entre casais na terra, para não dizer um divórcio ou desquite, porquanto nesses vetustos tempos esse recurso jurídico ainda não havia sido instituído para desfazer um nó que, dizia-se antigamente, não devia ser desatado porque o que Deus juntou não era lícito separar. Lilith, no entanto, a primeira feminista da história, só não queimou os sutiãs porque naquele tempo não se usava esse suporte para manter eretos os peitos; e também não ficou no caritó, como dizem os nossos caros conterrâneos nordestinos das mulheres que ficam sem homem para o resto da vida. Como só tinha à mão o Arcanjo Samael, o Dragão sedicioso e herético, foi com ele mesmo que ela se embolou, gerando uma família de gigantes que recebeu o nome de nefilins, nome esse que não nos estranha porquanto todos os seres de origem celeste recebiam terminologia semelhantes, como tais eram os elohins, aufanins, querubins, malaquins, serafins e que tais. Seja por fontes canônicas ou apócrifas, essa informação nos dá conta de que havia um povo, ou no mínimo, quem sabe, uma família de homens de alta estatura e corpo cabeludo que vivia na terra nesses vetustos tempos, e evidentemente, não haviam nascidos da semente de Adão e do útero de Eva, mas sim de outra etnia que Jeová não havia criado do barro da terra como Adão. Há informações, ainda que de caráter apócrifo e não confirmadas, que a tal esposa que Cain arrumou foi a própria Lilith, que ficou, diríamos não viúva ― porquanto Samael, o seu marido, ou amante, como quisermos ver essa relação, é um ser de origem celeste e não está sujeito ao destino de todos os mortais ― mas soltinha no mundo porque Samael, sendo um personagem com um papel a cumprir nos destinos do mundo, teve que deixá-la tão logo fez nela os filhos suficientes para começar a já referida família de nefilins. A propósito, temos informação de que Lilith, essa que foi apodada pelas fontes canônicas como a mãe dos demônios, também se tornou conhecida por vários outros nomes, como Astarte, Ishtar, Vênus, Afrodite, etc, e naquela terra onde Cain aportou ela também era chamada pelo estranho nome de Inanna, a que possuía o segredo do conhecimento, a ela dada pelo deus Enki.  Essa informação, que dá conta de que a tal esposa de Cain era a própria Lilith, justifica inclusive a tradição que desde aqueles tempos se propaga pelo mundo, de que a estirpe de Cain é a estirpe do mal, não só porque Cain era filho do anjo caído, mas que também amasiou-se com a mãe de todos os demônios, e que foi através deles que o mal entrou no mundo.

Maledicências, já se sabe que essas narrativas propagam, porquanto agora já estamos informados que o mal nada é mais do que a face oposta do bem e que a existência do segundo depende da convivência que temos com o outro. E que ambos fazem parte do catálogo de atributos do Senhor, porquanto ele é o único Deus, o que é o mesmo que dizer que, sendo ele a única fonte de poder que existe em todas as dimensões conhecidas e desconhecidas, tudo que existe tem origem nele. Obram, portanto, em crasso erro aqueles que pugnam pela extinção, pura e simples do mal no mundo, porque no dia que ele deixar de existir o bem igualmente desaparecerá. Afinal de contas, Deus é Deus da matéria e do espírito. E se foi ele que gerou, com a energia que lançou no vazio cósmico, todos os céus ―porquanto não se pode falar que exista apenas um ― e a terra ― já que hoje também já sabemos que o planeta onde vivemos não é único na vastidão cósmica que pode hospedar criaturas como nós ― parece-nos um contra senso sem tamanho dizer que a matéria é má e o conhecimento que procuramos ter dela também é um mal, já que o mundo material é o  que podemos chamar de existência positiva de Deus, que é o mesmo que dizer, o seu corpo material. Assim, fica-se com a opinião que também é a nossa, de que o conhecimento em si mesmo, não é um mal, mas sim o que fazemos com ele. E se ele pode nos afastar de Deus, pode também aproximar-nos dele.

Dito isso, voltemos a Cain para vê-lo chegando à terra de Nod, que ficava ao Oriente do Éden. Durante todo o tempo em que andou errante pelo deserto ele não teve contato com pessoa e muito menos com mulheres. Aliás, a única mulher que Cain conhecera até então era sua mãe, Eva. De sorte que ele era ignorante nessas questões de sexo e nada sabia dos prazeres e das encrencas que uma relação entre homem e mulher podem trazer. Mas a função sexual é algo inerente a todo ser vivo, e no ser humano, desde que ele passou a refletir os próprios pensamentos, essa função sublimou-se em algo que transcende os próprios sentimentos, aliciando, junto com a testosterona e o estrogênio que fazem funcionar a máquina sexual, um forte componente psíquico, que às vezes, até mais que esses fluídos, é responsável pelos nossos desejos. Cain era jovem e a força da sua libido tinha se desenvolvido a ponto de sentir um intumescimento no falo que carregava entre as pernas quando nele tocava. Mas Cain, por essa época, ainda não conhecia mulher e não tinha ainda a sabedoria de que aquele intumescimento que lhe fazia o falo aumentar de volume toda vez que tocava nele era o sinal distintivo de um desejo que seria para todo o sempre chumbado ao homem como um símbolo do pecado, da luxúria e da concupiscência, por isso deixava que suas mãos o tocassem e o excitassem. É logo começou a manipulá-lo, como à teta de uma vaca quando dela se extrai o leite, até que dele saia, numa golfada que lhe provocava um imenso prazer, uma gosma embranquecida e pegajosa. Dessa sorte Cain se satisfazia, enquanto caminhava, errante pela terra de Nod, até chegar naquela cidade que os nefilins haviam construído para os descendentes que haviam gerado na terra.

 

Cabe aqui registrar uma informação que nas crônicas tidas como canônicas não se encontra, mas de fontes apócrifas apuramos notícia que justifica essa que parece ser uma lacuna impreenchível nessa história, ou seja, a de que os nefilins tiveram comércio carnal com as filhas dos homens e geraram os gigantes que se tornaram os grandes guerreiros daquelas remotas épocas. Na verdade, se quisermos, podemos ver aqui o elo de ligação entre o que os doutos chamam de criacionismo e evolucionismo, tido o primeiro termo como a crença de que o homem apareceu no mundo já prontinho e perfeito, criado a partir de um molde de barro, com todos os seus órgãos e processadores em condições de serem usados, cada um na função que lhe compete, e o segundo uma proposição assaz recente que sustenta que o ser humano é resultado de uma longa evolução biológica que começou há milhões de anos em alguma forma de vida. A darmos como possíveis ambas as hipóteses ficamos entre a cruz e a espada, porquanto uma infirma a outra com iguais laivos de autoridade, que só nos resta aquela solução, já referida, de Hitler, quando foi confrontado com o problema de resolver se a terra era oca e o céu estava dentro dela, ou o contrário, se era ela que estava boiando dentro de um espaço sem fim, que era o céu. Já sabemos qual foi a resposta dele: tanto pode ser uma coisa como a outra. Para certos assuntos não há necessidade de termos uma resposta coerente.  

Se os filósofos não fossem tão teimosos e ciosos da sua seriedade intelectual todos os problemas que a nossa mentalidade especulativa nos coloca poderiam ser resolvidos dessa maneira. Simplesmente não temos necessidade de respostas coerentes e lógicas para questões que não afetam o nosso dia a dia. Com isso desmontamos, já de início, qualquer objeção que se venha a levantar contra esta nossa narrativa, posto que, até hoje não se encontrou nenhum vestígio dessas raças antediluvianas que se informa terem vivido nesses dias aos quais estamos nos referindo. Mas se alguém registrou que existiram, então existiram, ainda que sejam apenas fruto de uma imaginação fértil, pois sabemos que a mente humana não cria informações, mas apenas as processa. E nesse sentido ela não trabalha no vazio, o que quer dizer que ela precisa de matéria prima para operar. Daí, se alguém conseguiu imaginar um nefilin, no mínimo algo de parecido com isso deve ter havido. Nesse sentido tudo pode ser. Daí, se dissermos que os chamados descendentes dos nefilins, que eram tanto machos como fêmeas, foram o resultado do conúbio entre aqueles arcanjos sediciosos com a raça simiesca que se encontrava já no limiar da evolução e que esta deu como resultado o homem, como hoje o conhecemos, tanto pode ser. Aqui, nesse fato, poderíamos explicar a chamada emergência descontínua de que fala o filósofo Teilhard de Chardin, que possibilitou a evolução de uma espécie do seu estado animal para o humano, e esta, concomitante com o episódio da sedução de Eva por Samael, pode ser considerada a responsável pela adição daquela camada de neurônios subjacente que fez o cérebro humano dar o passo da reflexão.  

E desse modo tudo se revolve, bastando para tanto dar tratos à bola quando se quer uma narrativa para explicar coisas que não se explicam e dessa ordem se fazem os contos e contas que dão conta desses mistérios da origem. E dessa ordem também é que iremos encontrar o nosso personagem Cain, chegando à terra de Nod, que os habitantes do local chamavam de Sanaar, país cheia de urbes nada mesquinhas, com uma civilização já bastante desenvolvida, considerando a época da qual se fala, que era praticamente a aurora da humanidade. Tinha já as suas casas e palácios feitos com tijolos de adobe, alguns até com dois pisos e mais, a mostrar que ali habitava um povo de alta ciência, o que de resto também se justifica pela solução de Hitler, ou seja, que não temos necessidade de saber como as civilizações começaram; basta saber que elas começaram de algum modo. Dito isso, veremos que bem no centro da cidade onde Cain agora estava havia um edifício escalonado, de vários andares em forma de quadrados, uns menores erguidos em cima de outros maiores, formando uma torre imensa que parecia tocar no céu. Zigurate era o nome desse edifício, que a Cain foi informado ser um templo erguido em homenagem ao deus da terra, chamado Enki naquela cidade, e em outras cidades daquele país Erudu, Marduk e outros nomes mais. Alí, no palácio que lhe ficava conjugado, oficiava a sacerdotisa principal da cidade, que por sinal era também a sua rainha. E nessa terra todo mundo falava uma mesma língua, que não sabe qual era, entre as tantas que se falam hoje naquela parte do mundo, mas que devia ser a única falada na terra naqueles tempos, o que inferimos porque Cain, mesmo vindo de lugares distantes daquele e sendo de outro povo, a entendia perfeitamente e com os habitantes daquele sítio podia bem se comunicar.

Cain logo soube que aquele povo era formado pelos descendentes dos amores da rainha daquela cidade, que se chamava Lilith, com um ser que tinha descido do céu, cujo nome era Enki, que aliás era o Deus adorado naquela cidade. Ao saber que Cain tinha vindo da terra de Avilá, ao oriente do Éden, onde ela fora feita e dada a Adão como esposa, Lilith chamou Cain ao palácio para saber das notícias que ele tinha sobre seu antigo marido Adão, de quem ela sabia que ganhara de Jeová uma nova esposa e fora expulso do jardim do Éden por desobediência aos preceitos do Senhor. Cain então lhe contou toda a saga vivida por ele desde o assassinato do seu irmão Abel, a sua expulsão da terra onde seus pais viviam e a sua jornada errante e peregrina pelo mundo até chegar na terra de Nod, que eles chamavam de Senaar, e naquela cidade que eles chamavam de Uruc, onde Lilith oficiava como sacerdotisa e governava como rainha.

Lilith mostrou a Cain a Casa da Cura, que ficava no alto da pirâmide escalonada que também servia de templo onde Enki era adorado como um deus. Na Casa da Cura, experiências com embriões gerados a partir do esperma dos chamados nefilins, ali conhecidos como annunakis, seres que vieram do espaço e cruzaram com espécies primitivas que habitavam a terra, um misto de símios com seres humanos, eram realizados pelos sacerdotes de Enki. E tudo isso era registrado em tabuinhas de argila, com letras em forma de cones, muitas das quais pode ainda ser lidas nos museus de hoje.

Reconheçamos a bizarrice dessa revelação porquanto ela sugere uma miscigenação entre seres humanos e celestes, entremeados por outros, meio humanos, meio animais, a mostrar que a raça humana é tão mestiçada que nenhum motivo de orgulho cabe a povos que se  julgam de sangue puro. E de quebra, fica também o fato, ainda mais estranho, de que essa informação mostra a existência de um laboratório de pesquisas e experiências genéticas nessa aurora da criação, a provar que tinha razão aquele pressuposto de que nada de novo existe sobre o sol. E para quem se sentir abespinhado pelo teor dessa narrativa há que se informar que ela não saiu do nosso bestunto nem se origina de apócrifas narrativas pois pode ser encontrada não só nas ditas tabuinhas de barro em que esses povos ancestrais gravavam as suas informações, mas também do próprio livro que metade da humanidade acredita ter sido ditado pelo próprio Jeová. Porquanto ali se diz que naqueles tempos, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra e nasceram-lhes filhas, os anjos viram como elas eram formosas e as tomaram para si como esposas gerando a referida raça dos nefilins.

Se se acredita em uma fonte de informações há que se dar crédito a outra que informa a mesma coisa ainda que use palavras ou linguagem diferente; até porque, neste caso, nem isso se pode invocar em desabono a essa narrativa, porquanto a língua falada no mundo, de acordo com essas mesmas fontes, era única e recurso linguístico conhecido como tautologia, que cuida de dizer a mesma coisa de forma diferente para confundir os ouvintes, ainda não tinha sido desenvolvido.

Porém, mais importante do que todas as informações que Cain recebeu nessa entrevista com Lilith, nas quais ele ficou sabendo o segredo da sua origem, sendo ele, também, um ser gerado por conúbio entre um anjo caído e uma mulher da raça humana, foi o fato de ele ter encontrado, nessa terra, o seu destino. E por conta disso passou ele a entender o motivo do comportamento de Jeová ao recusar as suas oferendas e depois expulsá-lo da sua presença em razão do assassinato do irmão; e ao saber que tinha o seu pai biológico uma origem supraterrestre, o que dava a ele também uma aura dessa qualidade, sentiu-se engrandecido por dentro e nem estranhou quando, depois de tudo isso, ele mesmo foi parar na cama de Lilith para, pela primeira vez sentir aquele prazer que um homem sente quando se junta, pela carne, a uma mulher. E para quem estranhar e indignar-se por esse comportamento, que sugere a prática de um incesto, já que, por foros de vínculos familiares Lilith seria madrasta de Cain, diremos que nesses vetustos tempos essas formalidades não eram muito observadas porquanto o próprio Jeová as admitia já que orientou o seu povo escolhido para que um irmão mais novo dormisse com a viúva do seu irmão para nela gerar os filhos que o defunto não conseguiu fazer. Destarte há muitos outros exemplos que mostram que a moral familiar, nesses tempos primevos não era lá muito rígida, de sorte que não vemos nenhuma imoralidade no fato de Cain dormir com sua madrasta e nela fazer um filho a quem deram o nome de Enoque.

(continua)