A música e eu

Eu estava começando a me sentir inquieta, mas a mulher do Recursos Humanos, sentada à minha frente do outro lado da mesa, quebrou o gelo ao abrir o meu currículo.

- Eu não sei se vou saber pronunciar corretamente o seu nome... - confidenciou de modo simpático, me encarando.

- Ko-lai-ah - pronunciei em alto e bom som. Era um nome sólido. Minha mãe havia escolhido bem.

- Ah, sim... Kolaiah - repetiu, para se certificar da pronúncia correta.

- Isso mesmo - balancei a cabeça em aprovação.

- E você veio de uma comunidade Amish - disse em tom declaratório, mas sem deixar de me encarar.

- Sim, Gode Reis'.

- É um nome em dialeto?

- Sim, significa "boa viagem". Por causa de um ancoradouro, onde até o início do século XIX as pessoas pegavam um barco, que as levavam até a cidade mais próxima, onde havia uma estação de trens...

Ela me pareceu genuinamente interessada pela história.

- Que pitoresco! Mas imagino que isso não ocorra mais hoje em dia...

- Não, hoje há uma estrada interestadual que passa próxima da comunidade. A gente vai de Greyhound mesmo...

- Certo, mas... ah... como é que eu vou perguntar isso...

Olhou para o teto.

- Como uma garota Amish está se candidatando à uma vaga na sua empresa? - Ajudei-a.

Ela voltou a olhar para mim, expressão de alívio.

- Bem, é quase isso... pelo que ouvi dizer, vocês são avessos à tecnologia. Mas no seu currículo, há vários cursos na área administrativa, em sistemas de contabilidade...

As conversas sempre chegavam àquele ponto, eu já estava conformada.

- Eu saí da comunidade aos 16 anos, durante a Rumspringa - anunciei, mãos entrelaçadas no colo.

- A... o quê?

- Rumspringa - repeti. - É um período em que os adolescentes Amish podem ter contato com o mundo exterior... e decidir se querem deixar a comunidade ou se batizar e continuar nela. No meu caso, decidi sair.

Ela me encarou com curiosidade redobrada.

- Desculpe se vou parecer invasiva, mas... por quê?

Isso não era exatamente um segredo, felizmente. Pelo menos, a parte que eu podia contar sem receber olhares de reprovação.

- Por causa da música - redargui. - Cheguei à conclusão de que não podia mais viver sem música. Amo minha comunidade, mas sempre me pareceu algo extremamente sem sentido que proíbam a todos de tocar ou mesmo de ouvir música.

A mulher agora parecia genuinamente aliviada.

- Caramba! Eu nunca poderia imaginar... música? Mas sequer é uma invenção moderna, não é? A humanidade faz música, sei lá, há centenas de milhares de anos, talvez.

- Pois é, que mal pode haver em música? - Repliquei.

- Creio que você poderá unir o útil ao agradável trabalhando para nós - disse a mulher, colocando o meu currículo numa bandeja de saída de correspondência, sobre a mesa dela. - Nos nossos escritórios, tocamos música o dia inteiro.

Foi só então que eu soube que havia sido aprovada na entrevista.

- Mas a senhora prefere trabalhar sem música? - Indaguei, já que o assunto havia sido levantado.

Ela abriu um sorriso condescendente, como quem ouve o comentário de uma criança.

- Ah, eu trabalho sozinha... preciso me concentrar - respondeu, erguendo-se. Ergui-me também.

- Naturalmente, você irá passar por um período de experiência - anunciou, me estendendo a mão, que apertei. - Você começa amanhã, no escritório da rua Springer.

Springer era um sobrenome Amish. Poderia ser só coincidência, mas achei um bom sinal.

No dia seguinte, compreendi finalmente a razão pela qual a música havia sido banida em minha comunidade. E, sim, era uma razão perfeitamente fundamentada, conforme constatei.

- [Continua em "Programação musical"]