UMA MARIPOSA NA COZINHA
Se nome era Joana. Tinha vinte e oito anos e morava sozinha desde os vinte e quatro. Sozinha era apenas uma forma de apresentar-se, pois estava sempre em contato com os meus pais. Era uma questão de costume, ou dedicação a eles. Por isso achou natural procurar os dois naquela noite, quando em seu apartamento entrou uma mariposa do tamanho de um morcego que se pregou no alto da parede da cozinha. Joana ligou para os pais pelo meu smartphone e declarou o tamanho do seu medo, mostrando o bicho pela câmera do aparelho.
Joana não era tão empoderada ainda. Quis resolver o problema sozinha, mas era impossível. A mariposa dominava o ambiente apesar de estar parada, sem nenhum movimento que comunicasse as suas intenções. Não era comer. Talvez fosse descansar. Talvez fosse maravilhar-se pela luz da cozinha que Joana mantinha acessa porque isso a deixava mais tranquila quando dormia. Ela ligou para o seu pai e sua mãe e pediu salvação. O pai, sempre falante, contou que, quando ele era pequeno no casarão do seu avô, entrou um morcego que ficou parado, na parede do seu quarto em frente a sua cama. Falou do seu medo na hora, mas o sono foi mais forte, seu pai acabou dormindo e quando acordou o bicho já não estava lá. Como o morcego saiu, seu pai não sabia, mas foi apavorante ter no quarto um animal que suga o seu sangue. Mariposas não sugam o sangue de ninguém. Elas talvez comessem insetos. Que ela fechasse a porta da cozinha e fosse dormir. A mariposa iria embora do mesmo jeito que chegou. Sua mãe foi mais prática e disse que se a mariposa não fosse embora, até o dia seguinte, que a filha chamasse o zelador e pedisse para ele a providência de tirar o monstro da parede. Joana disse que não queria matar a mariposa, queria apenas que a monstra fosse embora, não se grudasse ali, atrapalhando o seu café da manhã, atrapalhando a sua vida. Mas na hora não havia outra coisa a fazer senão desligar a luz, fechar a porta da cozinha e rezar para que a mariposa lembrasse como havia entrado e, de madrugada, saísse do apartamento.
Joana foi dormir com o coração na mão. A mariposa talvez tivesse amigas, talvez chamasse outras mariposas para se pregarem na parede, avisando que a dona do apartamento era medrosa. Todas elas abririam a geladeira. Iriam procurar iogurtes. Mariposas provavelmente gostam de produtos derivados do leite como iogurtes e queijos. Joana foi deixar esses derivados na geladeira e agora elas aprontariam a festa. Mas talvez fosse outra coisa: a mariposa estava sozinha. Procurava companhia. Alguém que pudesse brilhar os olhos e dizer o quanto entendia de solidão amorosa. Joana entendia de solidão amorosa. Trabalhava em casa. Usava o seu notebook e estava tudo bem. A solidão é uma praga. Ela não procurava pensar assim. O silêncio noturno, a cozinha com a luz acessa, a luz do corredor acessa, um abismo em todo o resto e estava tudo bem. Ela tinha os pais que surgiam em vozes pelo smartphone. Isso também é um contato, embora um contato amoroso, mulher e homem esteja faltando agora em sua vida. Roberto também foi uma mariposa. Esteve pregado na parede, enquanto Joana morria de medo de perdê-lo Um dia ele foi embora pelo mesmo caminho no qual entrara. Não fez um discurso de despedida. Falou rapidamente sobre os desencontros e não viu os olhos de Joana brilharem. Ela quis dizer na hora que nunca houve desencontros, aconteceram sim pequenos choques, mas isso é que faz um casal acontecer. E um casal acontecer tornam o homem e a mulher mais próximos um do outro. Os dois determinados a esperar qualquer inverno e ela sempre esteve pronta para isso. Pronta também para perdoar qualquer suposição de um outro amor. Viviam tão perto de mentiras. Ela quis dizer para Roberto que a mentira é um mundo e ela não iria querer alcançá-lo porque dentro dela estava a confiança. A confiança entrara nela quando o conhecera e ele, Roberto a ajudara também em outros quebra-cabeças que ela aprendera a organizar. Tentou falar tudo isso quando houve a separação. Nada saiu e agora surge uma mariposa em seu apartamento. Foi dormir. A mariposa e Roberto estarão ali quando ela acordar e finalmente compreenderão tudo.
Joana acordou, dirigiu-se com cuidado até a cozinha. Abriu a porta e ninguém estava lá.