UMA MARIPOSA NA COZINHA

Meu nome é Joana. Tenho vinte e oito anos e moro sozinha desde os vinte e quatro. Sozinha é apenas uma forma de apresentar-me, pois estou sempre em contato com os meus pais. É uma questão de costume, ou dedicação a eles. Por isso achei natural procurar os dois naquela noite, quando em meu apartamento entrou uma mariposa do tamanho de um morcego que se pregou no alto da parede da cozinha. Liguei para os meus pais pelo meu smartphone e declarei o tamanho do meu medo, mostrando o bicho pela câmera do aparelho.

Não sou tão empoderada ainda. Quis resolver o problema sozinha, mas era impossível. A mariposa dominava o ambiente apesar de estar parada, sem nenhum movimento que comunicasse as suas intenções. Não era comer. Talvez fosse descansar. Talvez fosse maravilhar-se pela luz da cozinha que deixo acessa porque fico mais tranquila quando durmo com ela acessa. Liguei para o meu pai e minha mãe e pedi salvação. Meu pai, sempre falante, contou que, quando ele era pequeno no casarão do seu avô, entrou um morcego que ficou parado, na parede do seu quarto em frente a sua cama. Falou do seu medo na hora, mas o sono foi mais forte, meu pai acabou dormindo e quando acordou o bicho já não estava lá. Como o morcego saiu, meu pai não sabia, mas foi apavorante ter no quarto um animal que suga o seu sangue. Mariposas não sugam o sangue de ninguém. Elas talvez comessem insetos. Que eu fechasse a porta da cozinha e fosse dormir. A mariposa iria embora do mesmo jeito que chegou. Minha mãe foi mais prática e disse que se a mariposa não fosse embora, até o dia seguinte, que eu chamasse o zelador e pedisse para ele a providência de tirar o monstro da parede. Eu disse que não queria matar a mariposa, queria apenas que ela fosse embora, não se grudasse ali, atrapalhando o meu café da manhã, atrapalhando a minha vida. Mas na hora não havia outra coisa a fazer senão desligar a luz, fechar a porta da cozinha e rezar para que a mariposa lembrasse como havia entrado e, de madrugada, saísse do apartamento.

Fui dormir com o coração na mão. A mariposa talvez tivesse amigas, talvez chamasse outras mariposas para se pregarem na parede, avisando que a dona do apartamento era medrosa. Todas elas abririam a geladeira. Iriam procurar iogurtes. Mariposas provavelmente gostam de produtos derivados do leite como iogurtes e queijos. Fui deixar esses derivados na geladeira e agora elas aprontariam a festa. Mas talvez fosse outra coisa: a mariposa estava sozinha. Procurava companhia. Alguém que pudesse brilhar os olhos e dizer o quanto entendia de solidão amorosa. Eu entendo de solidão amorosa. Trabalho em casa. Uso o meu notebook e está tudo bem. A solidão é uma praga. Eu não procuro pensar assim. O silêncio noturno, a cozinha com a luz acessa, a luz do corredor acessa, um abismo em todo o resto e está tudo bem. Tenho os meus pais que surgem em vozes pelo smartphone. Isso também é um contato, embora um contato amoroso, mulher e homem esteja faltando agora em minha vida. Roberto também foi uma mariposa. Esteve pregado na parede, enquanto eu morria de medo de perdê-lo Um dia ele foi embora pelo mesmo caminho no qual entrara. Não fez um discurso de despedida. Falou rapidamente sobre os nossos desencontros e não viu os meus olhos brilharem. Eu quis dizer na hora que nunca houve desencontros, aconteceram sim pequenos choques, mas isso é que faz um casal acontecer. E um casal acontecer tornam o homem e a mulher mais próximos um do outro. Os dois determinados a esperar qualquer inverno e eu sempre estive pronta para isso. Pronta também para perdoar qualquer suposição de um outro amor. Vivemos tão perto de mentiras. Eu quis dizer para ele que a mentira é um mundo e eu não iria querer alcançá-lo porque dentro de mim estava a coragem. A coragem entrara em mim quando eu o conhecera e ele, Roberto, me ajudara também em outros quebra-cabeças que eu aprendera a organizar. Tentei falar tudo isso quando nos separamos. Nada saiu e agora surge uma mariposa em meu apartamento. Vou dormir. A mariposa e Roberto estarão aqui quando eu acordar e finalmente compreenderão tudo.

Acordei, me dirigi com cuidado até a cozinha. Abri a porta e ninguém estava lá.