“E o homem conheceu Eva e ela concebeu e deu a luz Cain, e disse; “Adquiri um homem com a ajuda do Eterno”- Gênesis, 4;1 

 

 

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Essas coisas foram ditas por Deus quando Adão e Eva estavam deixando o jardim da sua inocência perdida e Adão, ao ver que sua carne estava alterada, sem aquela luminosidade primeva, chorou amargamente. E Eva ainda mais porque fora ela que primeiramente dera ouvidos à promessa do Dragão, de que eles ficariam iguais ao Senhor se comessem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. E mais ainda se amarguraram ao saber que o Dragão os enganara injetando na centelha luminosa que constituía suas almas as sementes do mal. E assim a célula de energia luminosa que Deus inoculara no molde de barro com a pronúncia do seu Verdadeiro Nome, para que ele se tornasse uma alma vivente ficou contaminada pela semente de Samael, o anjo caído, o Dragão da morte, que também, como Deus, tem muitos nomes, mas o seu verdadeiro nome é Ego. E essa semente, que foi chamada de conhecimento do bem e do mal passou a guiar o pensamento dos seres humanos a partir daquele momento. Por isso o homem tem em si essa dupla personalidade que ora o leva para o bem, ora para o mal. 

 Mas depois de ouvir a palavra de Deus e a promessa que ele fez de um dia a sua posteridade poderia ser redimida se eles usassem bem o conhecimento que adquiriram ao comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, eles se acalmaram e deixaram o jardim depois de ver que o anjo rebelde, que se apresentara para Eva na figura de um belo mancebo, havia se transformado numa feia e asquerosa criatura rastejante, com uma língua bífida e presas afiadas, que injetava uma gosma venenosa em tudo que mordia. E viram também que a árvore do conhecimento havia secado porque agora toda a virtude que havia em seus frutos, que eram os atributos de Deus, tinham sido transferidos para os seres humanos para que eles fizessem deles o que bem entendessem

E assim eles caminharam por aquelas paragens desérticas e assustadoras até chegarem a terra de Havilá, onde habitaram a Caverna dos Tesouros, em cuja parede brilhava ouro e pedras preciosas em abundância. E ao olharem tudo aquilo Adão lamentou-se e disse a Eva: "Olha para esta caverna que será doravante a nossa morada neste mundo. Porque ela será um lugar de castigo. Do desejo pelos bens do mundo será difícil nos libertarmos. Por eles viveremos e por eles mataremos e morreremos. Ainda que o Senhor nos tenha dado o livre arbítrio para fazermos nossas próprias escolhas, a voz do Dragão estará sempre em nossa cabeça para não nos deixar que nos lembremos da Palavra com a qual ele nos deu a vida. Vê como o ouro e as pedras preciosas atraem os nossos olhos a ponto de não podermos desviar nossa visão deles. E seremos sempre atraídos pela imagem da beleza e o poder da riqueza. Será que um dia conseguiremos escapar desta prisão dourada onde viemos morar?”

E disse mais Adão. "Que é isto comparado com o jardim de onde fomos expulsos? Que é esta estreiteza comparada com o espaço daquele lugar maravilhoso? De que é feito o ouro que está incrustado nessas rochas e porque esses cristais brilham tanto que até ofendem os nossos olhos? Porque a nossa intuição nos diz que eles serão motivo de guerras, morticínio e grandes malfeitos que darão ao Senhor motivo para nos castigar ainda mais? E estas trevas que existem dentro desta caverna e essas sombras que a luz do sol, brilhando lá fora, projetam nas suas paredes? Serão essas sombras o mundo real ou apenas projeções do mundo verdadeiro, que os nossos olhos só podem ver na escuridão? Que é essa escuridão comparada à luz diáfana do jardim onde nascemos? E essa lápide de rocha suspensa que nos abriga do frio, do vento e da chuva comparada ao abrigo natural que o Senhor nos dera em nossa própria pele, que era impermeável ao calor, ao frio e não sofria dores nem quaisquer outras moléstias que o desfrutar da existência exige de todas as espécies vivas? Que é o solo pedregoso desta caverna comparado à terra daquele jardim? Esta terra pálida e arenosa, onde nenhuma planta nasce, e aquela que tinha uma cor deliciosa, era suave ao toque das mãos e cheia de árvores frutíferas?"

E Adão disse a Eva: " Porque agora não vemos mais os anjos no céu louvando ao Senhor e cantando deliciosas canções ao som da lira que ele toca, tirando dela as notas sonoras que dão origem a todas coisas; agora nós não vemos como antes víamos. Os nossos olhos são de carne como os olhos de todos os outros animais. E o nosso corpo, hoje comparado ao que era em dia passados, quando habitávamos no jardim? Agora, vestidos com estas peles nos tornamos outros tantos animais, ainda que nosso querer e nosso pensamento alcancem mais longe do que o deles.”

Assim falando Adão hesitou em ficar morando naquela caverna. Mas Eva desta vez foi mais ponderada e disse-lhe: "Já fomos desobedientes aos preceitos do Senhor. A não ser que habitemos nessa caverna e cumpramos os desígnios que ele nos prescrever, seremos considerados novamente rebeldes. Uma vez demos ouvidos ao Dragão e violamos os estatutos que ele nos deu. Ouçamos agora a voz do Senhor e que ela prevaleça sobre a voz dele." Então Adão e Eva entraram na caverna e permaneceram em pé orando, em sua própria língua, desconhecida para nós, mas que eles bem conheciam e falavam porque era a única língua falada pelos seres humanos naqueles tempos. E enquanto oravam, Adão ergueu os olhos e viu acima de sua cabeça a rocha e o teto da caverna que o cobria, de maneira que não podia ver nem o céu nem as criaturas de Deus que lá habitam. E dentro da caverna só podia ver as sombras do mundo lá fora que refletiam nas suas paredes. Então ele chorou e golpeou com violência o próprio peito até que caiu e ficou no chão como se estivesse morto. E Eva sentou-se ao seu lado, chorando. Mas logo ela ergueu-se estendeu suas mãos para o céu, e pediu a Deus misericórdia e piedade, dizendo: "O Deus, perdoai o meu pecado, o pecado que eu cometi, e não o volteis contra mim nem contra o vosso servo Adão. Porque fui eu quem provocou a queda de vosso servo, e foi motivo de tê-lo expulso do jardim para este lugar perdido no meio do nada; nós saímos da luz para esta escuridão pensando que o conhecimento do bem e do mal era sabedoria. Mas vimos agora que todo esse conhecimento que adquirimos nada mais será que escuridão se não o soubermos usar.  E que se não aprendermos a usá-lo ele será, ao invés de motivo de liberdade, uma terrível prisão. " "Ó Deus ― continuou Eva ― "olhai para este vosso servo assim caído e animai a sua alma, para que ele possa obter mérito aos vossos olhos e assim expiar sua culpa segundo a medida de seu arrependimento. E fazer vossa vontade antes de devolvê-la a vós, que a deste. E porque vós nos fizestes responsáveis pela forma e pela utilidade que todas as coisas terão no mundo, deixai Senhor, que saiamos desta caverna, para a luz do sol, para que possamos ver o mundo como ele de fato é e nosso pensamento fazer parte dele, criando o que for necessário para que ele exista e dando imagem à tudo que nele nasce, para que ele reflita a vossa vontade. Vós nos fizestes construtores do mundo, Senhor. Deixai-nos então fazer parte dele e exercer o poder que nos deste sobre ele.”

Então o Senhor disse a Adão e Eva: "Desobedecestes-me por vossa livre vontade, por isso saístes do jardim aonde vos havia colocado para que eu tivesse uma consciência que comigo pudesse se comunicar. Pois que eu me sentia muito sozinho na minha existência ignorada. Vós fostes feitos para ser o corolário da minha existência conhecida. Mas por vossa própria e livre vontade me desobedecestes. Vosso desejo de divindade, grandeza e condição sublime, tal qual é a minha, vos colocou em oposição a mim. Destes ouvidos ao meu opositor e rebelastes conta mim. Por isso vos privei da natureza luminosa na qual estáveis revestidos e vos mandei habitar esta terra rude e cheia de sofrimento. Porque preferistes ouvir a voz do meu adversário e deixastes que ela coabitasse na vossa alma junto com a Palavra Sagrada que eu vos dei para que vivesses. A  terra se tornou maldita por vossa causa."

Então Adão disse: “Explica-me Senhor como é isso. Pois fostes vós mesmo que colocaste aquele Dragão para guardar a árvore do conhecimento. Não era ele vosso servo e aliado? Porque teria ele cometido tão horrível traição, subvertendo a vossa criação de forma tal que a tens que castigar com trabalho, sofrimento e horrores tais como aqueles que falastes quando nos mandou sair do jardim? Pois disseste que guerras, conflitos, peste e sofrimentos indizíveis aconteceriam à nossa posteridade e elas não passariam até que aprendêssemos a usar bem a ciência que adquirimos com o nosso pecado. Porque deixastes que ele fizesse isso, vós que sois o Senhor e tendes o supremo poder sobre tudo que há mundo, porque tudo é fruto da vossa Potência, que espalhais no cosmo através da vossa ilimitada luz?”

Deus respondeu a interpelação de Adão dizendo: “ Esse segredo posso vos revelar porque nenhum mal fará à vossa alma. Ao contrário poderá ajudá-lo a compreender porque as coisas aconteceram e acontecerão na vida da tua descendência." “ Eu sou o Senhor. Eu sou incriado, eterno e incognoscível. Nada havia antes de mim e nada haverá depois. Eu Sou o que Sou e de nada nem de ninguém dependo para existir. Ao contrário, todas as coisas dependem de mim para existir. O tempo infinito e o espaço imensurável; a vida do universo e a sua morte. Eu decido o que, quando e como tudo deve existir, acontecer e desaparecer. Eu sou pura Potência.

“Enquanto eu era apenas pura Potência, na minha existência negativa, eu tinha pleno controle sobre o meu poder. Mas de nada me servia todo esse poder por que eu estava sozinho num espaço sem tempo que pudesse ser medido. E ninguém sabia da minha existência. E poder que não pode ser exercido de nada vale. Por isso eu concentrei toda a minha energia num espaço de ínfima dimensão para que ela, premida pela pressão da minha própria Potência concentrada num ponto único de infinita densidade energética, pudesse extravasar para além de si mesma. Foi dessa forma que eu criei o universo. Quando eu gritei “Eu Sou”, essa pequena esfera de energia onde eu havia me concentrado explodiu e lançou no espaço sem fim que eu havia criado antes dessa concentração, incontáveis centelhas de energia luminosa que se transformaram nas coisas que povoam o universo."

“ Todas as estrelas que tu vês no céu são condensações dessas centelhas da minha energia. E todas as coisas que na terra nasceram e nascerão também são derivações de cada grão da energia que eu espalhei pelo espaço cósmico.” “ E se queres saber porque Eu fiz isso, eu vos digo: nenhuma Potência para nada serve se não se converter em Ato. Eu era Potência. Ao fazer o universo me converti em Ato.” “O universo, com tudo que nele existe é a minha existência positiva. O universo é o meu corpo físico. E tu, Adão, que fostes gerado do barro da terra e tu Eva, que foste tirada de uma costela dele, fazem parte dessa minha experiência. Por isso, quando desobedecestes ao meu comando eu me aborreci e vos expulsei do jardim onde vos havia colocado para que me fizésseis companhia, mitigando essa solidão que eu sentia na minha existência ignota.”

“ Porém, ao criar para mim uma existência positiva, tive que colocar nesse mundo da matéria leis naturais que permitissem a sua própria evolução. Porque não teria sentido continuar controlando tudo que acontecia no mundo se eu sabia o que deveria acontecer a cada minuto e a cada instante e quando me apetecesse faria o  quisesse, de acordo com a minha vontade. Eu sou Deus, e tudo sei, tudo vejo e tudo posso. Mas quão inútil e tedioso é qualquer poder que não tem sobre o quê, nem sobre quem exercê-lo. Eu era um rei sem reino, uma existência inexistente porque ninguém sabia que eu existia. Assim, logo que vos fiz, dei a ti uma vida e uma alma, para ter com quem me comunicar, alguém para me prestar culto, alguém que pudesse me amar e temer, como filhos que amam e temem o seu pai. Depois disso eu descansei, porque então já tinha alguém que poderia continuar o trabalho de construir o mundo das realidades visíveis sem que eu mesmo tivesse que estar à frente desse trabalho.”

“ As leis naturais que eu coloquei no mundo fariam com que ele crescesse e se organizasse naturalmente” ― continuou Deus a sua aula, que o casal humano ouvia atentamente, embora seja duvidoso que estivem entendendo. “Uma delas faria com que as centelhas da minha energia espalhada pelo espaço infinito se juntassem em volta de um núcleo e formassem conjuntos; tudo que concentrasse mais energia atrairia para a sua órbita os corpos de menor potência. Assim seria com os astros no céu e assim seria com as criaturas na terra. Os mais fortes submeteriam ao seu poder os mais fracos, os seres humanos seguiriam lideranças, as sociedades se reuniriam em torno de interesses comuns.”

Aqui cabe um parêntese: Quer nos parecer que com esse discurso Deus estava falando da lei da gravidade, essa estranha propriedade que tem o universo de fazer juntar em torno de um núcleo maior as coisas menores, da mesma forma que faz pessoas se aglutinarem em torno de outras que parecem ter imantação mais possante do que elas. Justifica-se assim a existência de planetas girando em volta de um astro, elétrons que giram em volta de um núcleo, nações que aglutinam outras nações em volta do seu poder, pessoas que seguem outras outras pessoas e assim por diante. Por outro lado, identifica-se também, nesse discurso, a chamada lei da relatividade, mediante a qual o universo se amplia e cresce em medidas de tempo e espaço, fazendo com que a energia nele existente se condense e produza a matéria que preenche o mundo real. Dito isso, continuemos ouvindo o discurso de Deus a Adão e Eva.   

"Pois Eu sou Deus, o Criador, aquele que quando criou as criaturas, não tencionou destruí-las. Mas depois de terem provocado grandemente minha ira, eu as puni com castigos atrozes, para que se arrependessem" continuou Deus e aqui, como se vê, ele estava revelando ao casal humano as coisas que iriam acontecer no futuro, considerando ademais, nesse caso, que ele era Deus e tudo podia fazer, inclusive puxar o futuro para o presente, o passado para o futuro e o presente para outro lugar qualquer, porquanto hoje sabemos que a nossa terra é apenas um fragmento de memória no tempo infinito, que pode inclusive já estar morta para alguém que esteja nos observando há milhões de quilômetros luz daqui.

 

Por apócrifas fontes, cujas informações não sabemos como foram coletadas, ficamos sabendo que quando Adão e Eva ouviram estas palavras de Deus ambos choraram muito porque a culpa espremeu seus corações e escorreu pelos olhos em copiosas lágrimas; porque sentiram que tudo aquilo iria acontecer por causa deles. Culpa também fazia parte do cabedal de conhecimento que eles adquiriram ao comer do fruto do conhecimento do bem e do mal, e da mesma forma que o mérito que faz bem ao Ego estava contido nessa tabela, também a culpa, que o incomoda, era um desses arquétipos que foram incorporados à alma do ser humano quando ele deixou de ser igual aos anjos do céu.

A se crer nas apócrifas versões dessa história, obtidas não por canônicas vias, mas por outras que a inteligência vencedora censurou e procurou delegar ao eterno ostracismo, a maior culpa, quem sentia era Eva, pois fora ela quem sucumbira à sedução do Dragão e levara, com ela, a consciência de seu marido Adão a participar do seu erro, se erro consentirmos que foi esse ato rebelde do casal humano.

E daí concluirmos essa primeira parte do nosso relato com a não menos canônica informação de que Eva, ao deitar-se com Adão pela primeira vez para experimentar com ele todo o prazer que Samael havia ensinado a ela obter do seu corpo, ela já hospedava em seu ventre o primeiro filho do casal, que seria chamado Cain. Mas claro que ela não disse nada a Adão, e nessa ignorância o manteve até o fim dos seus dias, que foram novecentos e trinta anos, medida a qual hoje não se tem acesso, mas que certamente não corresponde às que modernamente usamos para contar os nossos próprios anos de vida.

 

(continua)