O CONTO DO FIM ANUNCIADO
• ... E como eu estava dizendo, não apenas os cangurus, mas também os coalas são classificados como marsupiais. Já os paquidermes...
• Sei, sei...
• O que é ? Já perdeu o interesse ?
• Na verdade nem me lembro de ter tido algum. Acho melhor pararmos por aqui.
• Não vai dar não. Temos que continuar.
• Ora, mas porque ?
• Por que caso contrário esse conto acaba sem sentido.
• Como se já não houvesse começado exatamente assim...
• É. Mas tem que continuar.
• É impressão minha ou você sabe de algo que eu não sei?
• Era só o que faltava. Algumas linhas de diálogo e já acha que me conhece bem.
• Vamos logo com isso !
• Tá bem, tá bem. O fato é que eu já li esse conto.
• Você está me dizendo que já leu isso que estamos dizendo nesse exato momento ?
• Eu sei que parece loucura mas se você olhar para baixo vai ver a quantidade de diálogos que ainda faltam para terminar este conto.
• Minha Nossa Senhora, é verdade !!!
• É por isso que temos que chegar até o fim.
• Mas e assunto ? O papo dos cangurus já mixou !
• Sei lá, temos que improvisar de algum jeito.
• Peraí ! Se você já leu este conto isso significa que já sabe o enredo.
• Sei mas é melhor não contar prá não tirar a espontaneidade.
• E tem mais: você já sabe até como será o final !
• Não me pressiona. Não estou autorizado.
• E depois ?
• Depois o que ?
• Depois que acabar. O que vai acontecer com a gente ?
• Deixa prá lá...
• Deixa nada ! Isso tem haver comigo e eu quero saber.
• Olha, nós acabamos de ser criados. Vê se não arranja confusão.
• Agora só falta você dizer que não existimos de verdade. E arranjar confusão com quem ?
• Pense desta forma: nós somos este conto.
• Isso significa que quando ele acabar nós vamos ficar presos aqui ?
• Mais ou menos isso. O negócio é aproveitar esse tempinho que nos resta e deixar de ficar especulando. Temos que tentar fazer uma estória agradável para quem está lendo.
• Especulando ? Especulando você disse ? Nós vamos ficar presos aqui para sempre e você preocupado com formalidades literárias.
• Não é isso. Você está vendo apenas o lado ruim das coisas.
• É ? E qual é o lado bom ?
• O lado bom é que cada vez que alguém ler esta estória nós vamos ter uma existência real... pelo menos na mente do leitor.
• E quem te garante isso ?
• O próprio escritor.
• Só me faltava essa.
• Te juro ! Ele mesmo me convocou para uma conversa depois de ter escrito este conto.
• E porque não me chamou também ?
• Nós somos produtos da imaginação do cara, por isso mesmo antes de escrever ele já sabia que você daria trabalho. Pediu para que eu te orientasse, sabe como é...
• Ele queria que você “fizesse a minha cabeça”, não é isso ? Pois pode dizer pra ele que não deu certo.
• Quem você acha que colocou esta sua última frase no papel ? Fica tranquilo, ele já sabe.
• Olha aqui, nós dois estamos no mesmo barco. Precisamos unir forças, achar uma saída !
• Posso te garantir que não há saída. O negócio é se conformar.
• E se a gente esticar esse conto. Enquanto ele não terminar a gente fica livre ! Vai, começa a falar de novo dos cangurus !!!
• Sem chance. Esqueceu que eu já li este conto ?
• Tem que haver um meio. E se eu for falar com ele ?
• Ele não vai te receber. Além do mais eu só tive acesso porque ele me chamou.
• Quer saber de uma coisa: eu vou ficar aqui nem que seja através de um monólogo infinito !
• Se quiser ficar tudo bem, mas é perda de tempo. Eu já vou embora. Nos encontramos depois.
• Depois quando ?
• Ora ! Quando outra pessoa for ler este conto.
• Pode ir, mas eu não vou deixar de lutar por aquilo que acredito.
• Ele tá chegando...
• Quem, quem ?!?!?!
• O “FIM”, quem mais poderia ser ?
• Como é que você sabe ?
• Dá uma olhada prá baixo.
• Aiiiiiii, meu Deus !!!!!!!
FIM
Gui Desantana