Odradek
Quem é Odradek? Diz que é um sujeito de domicílio incerto. Mas não sabe responder muito bem. Parece que trabalha em uma fábrica, mas alguns já o viram vendendo livros nas ruas. Claro que ninguém os compra, por mais baratos que sejam.
Alguns dizem que os livros são de sua própria autoria, outros acham que isso é mentira; os títulos são muitos, só que sem o nome do autor na capa. Uma florista, que uma vez comprou um deles, ficou espantada quando disseram a ela que Odradek poderia ser o escritor… que pudesse haver um escritor! E alguém como ele? Há os que imaginam fábricas de livros. E há quem diga ter visitado o jardim da casa de Odradek, onde se ouve um constante farfalhar de folhas caídas. Os ventos são calmos. Mas as nuvens no céu são escuras e ouve-se o trovejar. O jardim conversa com seus visitantes. A grama e as flores estão longe de ser indiferentes, revoltando-se em silêncio contra aqueles que as pisoteiam.
Pessoas teriam subido ao sótão da casa. Outras descido ao porão. Há teias de aranha nos cantos. Uma gaiola no alto do escuro: os que alegam ter visto um pássaro não ouviram seu canto; há os que apenas o escutaram; e há os que não tiveram coragem de se aproximar da pequena sombra, que certos visitantes negaram que se tratasse de uma ave, mais parecida com uma pequena estrela sem luz.
Odradek nunca se desgasta, mesmo quando rola escada abaixo. Os degraus de madeira são duros, mas reluzem de tão polidos. Um reflexo segue o outro. Disparam os fios de um estranho carretel. Na eternidade da mente, Odradek tenta encontrar seu descanso, mas é sempre interrompido.
Alguns alegam que o senhor Franz é o seu pai. Mas quem é esse tal de Franz? O senhor Gregor diz que é ele o verdadeiro pai, resmungando sem parar sempre que resolve tirar a poeira de seus livros, prisioneiros de uma prateleira repleta de insetos. A mãe é uma completa desconhecida. Parece que trabalha na mesma fábrica.
Odradek talvez seja um imigrante; ou um exilado. O que se sabe quase com certeza é que não é daqui. “Ele tem um sotaque esquisito!”; “Olha como ele anda! É muito estranho.”; “Ele me dá um pouco de medo.”; “Pra onde será que ele vai todos os dias?”; “Nunca o vi com nenhuma namorada.”; “Ele não tem filhos, pelo menos eu nunca vi.”; “Como ele parece sozinho! Às vezes tenho pena.”, comentários como estes circulavam pela vizinhança, havendo alguns mais ácidos e ofensivos, de gente que sequer suportava a existência do pobre Odradek, sem qualquer motivo lógico, que preferimos omitir.