TRAGÉDIA NO FIM DA NOITE
Tragédia no Fim da Noite
São dez horas da manhã de uma primaveril sexta feira, o telefone toca na sala 211, no segundo andar do velho prédio da Avenida Estados Unidos, onde funciona o Departamento de Arrecadação Federal, no bairro do comércio, na velha cidade do Salvador.
Arnaldo atendeu o telefone e dava para se perceber a desenvoltura e contentamento com que falava com a interlocutora.
Do outro lado da linha estava Leila, Fiscal de Arrecadação Tributária que trabalhava em uma agência fora de Salvador.
Leila ligara para falar com algum colega que pudesse lhe tirar uma dúvida de trabalho, pois estava levando a cabo uma auditoria-fiscal em uma grande empresa do polo petroquímico e necessitava conversar com algum colega que já houvesse estudado em profundidade o assunto em que estava insegura.
Arnaldo logo se dispôs a tirar a dúvida de Leila e, com a ajuda do supervisor, para quem em dado momento passou o telefone, chegou a colocá-la relativamente entendida do assunto.
Quando pegou o telefone de volta, teceu vários elogios à colega e prometeu recolher farto material sobre o assunto e entregar para ela.
- Que tal um chopinho no final da tarde? - Perguntou Arnaldo e complementou - Eu te entrego todo o material, temos muita coisa sobre esse assunto, e podemos discutir mais um pouco.
- Não, deixemos para outro dia, tenho que voltar para o interior ainda hoje.
Mas a insistência de Arnaldo foi tanta, prometeu até que levaria com ele o supervisor do grupo com quem ela havia falado ao telefone, que Leila consentiu em ir ao happy hour.
A promessa de levar o supervisor animou muito a Leila, ela havia gostado muito da voz dele, uma voz grossa e sensual, parecia um locutor de rádio. Leila acabou até por ficar feliz, gostaria de conhecer esse carinha, dormiria na casa da tia.
Arnaldo não cabia dentro de si de alegria, iria sair com a Leila, levaria o supervisor porra nenhuma, inventaria uma mentira qualquer, diria que a mulher dele não permitiu que ele saísse.
Compraria uma camisa nova, colocaria um perfume bem masculino, forte, ela não iria resistir. Pedacinho de mal caminho, rostinho ovalado, lindo, olhos vivos e claros, lábios carnudos e mais aquele lindo sinal, no lado esquerdo do rosto, próximo ao queixo – pensava Arnaldo em desvairado desejo.
Passaria toda a noite ouvindo aquela voz doce e meio rouca, talvez ela não se lembrasse dele, - Pensou - mas ele se lembrava muito bem dela, tinham participado te uma assembleia do sindicato e ela sentou-se bem à sua frente.
Ao sair do trabalho Arnaldo passou em uma loja e comprou uma bonita camisa: quadriculada, com dois bolsos, como sempre foi do seu gosto, e partiu para casa, um banho rápido, colocou seu perfume polo, vestiu a camisa e saiu, disse a Ranilda, sua esposa, que iria para um jantar de negócios.
No caminho, passou em uma farmácia e comprou um envelope com quatro ENGOV, não sabia das potencialidades alcoólicas de Leila, talvez tivesse que beber muito para derrubá-la, e assim estaria protegido. Comprou também rosas vermelhas. Pensou com um sorriso de felicidade: toda mulher gosta de rosas.
Haviam marcado de se encontrar no restaurante e bar BARRAVENTO, situado no bairro da barra; foi a condição imposta por Leila: porque o restaurante ficava pertinho, quase em frente ao apartamento de sua tia.
Poucos minutos após Arnaldo haver chegado, às 18:30 horas, Leila chegou; como sempre, estava muito sedutora, vestia calça jeans azul e uma blusa branca. A blusa era transparente e um sutiã meia taça permitia que se vislumbrasse uma mostra dos seios sedutoramente descobertos e o umbigo, cuidadosamente esculpido.
Arnaldo entregou-lhe as rosas e beijou-lhe no rosto. Leila corou, não esperava aquela recepção tão amável, afinal, para ela, era um encontro de trabalho.
Antes que Leila pudesse lhe questionar, Arnaldo logo antecipou que Pitanga não poderia comparecer, não conseguira da mulher o vale night – explicou ele - forma carinhosa com que apelidaram a permissão das esposas para se reunirem a beber após o expediente das sextas feiras.
Leila mal conteve o desapontamento e pensou.
“Quer dizer que “o linda voz” é casado...” Que pena, deve ser bonito. Mas tudo bem.
- Trouxe o material sobre a reserva oculta da correção monetária do balanço. Indagou Leila.
- Trouxe sim. Respondeu Arnaldo.
- Aqui estão as apostilas. São todas de um curso que fizemos a pouco tempo atrás, este ano ainda.
Leila tomou do material, começou a compulsar e concluiu para si mesma:
“Porcaria”. Não mais se falou do assunto.
A mesa em que estavam era bastante agradável, debruçada para o mar, guarnecida do vento da tardinha, início de noite, por um toldo plastificado, mas era bem fresco o local, onde se podia apreciar a passagem de navios de turismo que a este momento do ano começam a frequentar o litoral brasileiro, vindos da Europa.
Leila concluiu para si mesma, esse Arnaldo não era aquele bom profissional que esperava. Talvez de tanto o mesmo elogiar-se, passou para ela essa certeza de que era ele um profissional competente.
Mas fazer o que, pensou ela, a vida é cheia de decepções, de ilusões e não valeria nada ficar zangada, curtiria seu happy hour em paz. E o supervisor, melhor com ele, o Pitanga, bem que poderia ter vindo, como seria ele? Casado!!! Nem pensar, Deus me defenda.
Comeram deliciosos petiscos e beberam vinho tinto, e Leila se tornou bem descontraída.
Ao final Arnaldo já tentava acariciar, levemente, as mãos de Leila, e esta, por vezes permitia, outras vezes não, o que não dava a Arnaldo a certeza de estar sendo aceito.
“O álcool ainda não havia sortido efeito em Leila” pensou Arnaldo.
Pediu outra garrafa de vinho, do mesmo anterior, desta vez sob os protestos dela.
No que Arnaldo retrucou com provérbios populares sobre o vinho.
- "Afoga-se mais gente em vinho do que em água"
-” Não critiques o homem e nem o vinho, sem antes prová-los de noite e pela manhã”.
Leila nada respondeu, apenas esboçou um sorriso fingido.
De fato, após duas garrafas de vinho Leila ficou bastante alegre e suscetível a curtir uma boa noitada, já olhava Arnaldo com bons olhos a esta altura dos acontecimentos.
Olhando-o bem, - pensou Leila – ele é bonito sim, deve medir 1,80 m e pesar uns 80 quilos. Moreno de olhos verdes, a que se deve? Cabelos lisos e pretos penteados para trás. Podia ter um nariz menor, algo menos arabesco, quanta mistura meu Deus, lábios carnudos, se ele me der um beijo eu deixo, mas só um selinho, que não se atreva a mais.
Nesse devaneio, apreciando as ondas a quebrar na praia, sentiu a mão macia de Arnaldo tomar levemente da sua e em seguida colocar a outra por cima.
A quanto tempo não tinha um contato carinhoso com um homem, bem um ano, concluiu para si própria.
Foi interrompida pela voz de Arnaldo a lhe propor ir para um local onde pudessem dançar.
- Onde seria este lugar - indagou Leila.
- Há um restaurante e bar na praia de Piatã, explicou Arnaldo, - O Veleiro, tem uma boa música e os frequentadores são pessoas de classe, a meganha não frequenta; seleção feita pelos preços dos pratos e das bebidas, bem como do couvert artístico.
- Que bom, podemos ir, mas não devo voltar tarde, estou na casa de minha tia, pessoa maravilhosa, não devo decepcioná-la.
- Sim, sim, dançaremos um pouco, tipo uma hora, está bem? Depois lhe levo para a casa de sua titia, intacta e feliz.
Levantaram-se de mãos dadas e se foram para dançar.
Sentaram-se no Veleiro e logo Arnaldo pediu uma cerveja bem gelada: “ela já está quase no ponto” - pensou Arnaldo.
As estas alturas já estavam bem à vontade, beijinhos nos lábios e outras carícias típicas de um início de relacionamento.
Na metade da cerveja Arnaldo sentiu que não estava muito bem, a cerveja não descera bem, logo providenciou tomar o ENGOV que havia comprado. – Providencial! – Pensou.
Aproveitou uma saída de Leila à toalete e, distraidamente, já pensava na bela nudez da colega, abriu o envelope e engoliu logo dois comprimidos, “teria que ficar bem, uma oportunidade dessas não aparece todos os dias”.
A noite estava divertidíssima, um vento agradável circulava constantemente pelo local. Astral maravilhoso. Dançaram soltos e de preferência agarrados, de rostos colados.
Por volta das três horas Leila o convidou para irem embora, Arnaldo contestou que estava cedo, porém logo cedeu ao pedido. Poderiam ir para o carro e convencê-la a ir para um motel, quem sabe ela toparia. – Tudo se com carinho se resolve – Pensou feliz.
Insinuações neste sentido foram lançadas, inclusive com a citação, outra vez, do provérbio sobre o vinho:” Não critiques o homem e nem o vinho, sem antes prová-los de noite e pela manhã”.
Mas Leila sempre o lembrando da necessidade de ir para casa, teria que estar bem para conviver com a família no dia seguinte.
- Quem sabe outro dia? - Esquivou-se sutilmente com a falsa promessa.
Ao ouvir tão bela promessa Arnaldo achou que ainda tinha chances naquele mesmo dia, poderia convencê-la.
Sem nada combinar dirigiu-se para um motel nas proximidades, entrou sob as veementes reclamações da parceira que de fato já estava bastante irritada e ameaçava saltar do carro e retornar para casa sozinha.
Foi aí que a noite que tinha tudo para ser totalmente bela tornou-se uma grande tragédia.
Arnaldo começou a sentir dores abdominais, uma vontade incrível de defecar, prendia, mas logo o intestino se fazia agitado qual um mar tempestuoso, melhorava um pouco e logo em seguida vinha novamente a dor com maior intensidade, maior pressão, suava frio, já estava arrependido, mas não podia sair, havia dois carros em sua frente aguardando vagar um apartamento no motel e um outro estacionada atrás, de formas que já não podia desistir.
Leila não sabia o que fazer: entre irritada, constrangida e agora penalizada com a situação de Arnaldo.
Logo saiu o primeiro carro, e cerca de cinco minutos depois o segundo.
Mas já era tarde, não deu para esperar sua vez: a dor de barriga veio agora com toda a força, e definitivamente o nosso conquistador foi atropelado, por uma enxurrada de merda, um tsunami, tripas abaixo.
O fedor de merda misturado com o cheiro, ainda vivo, do perfume POLO e das rosas ofertadas a Leila, causava um terrível mal-estar para ele próprio, que completamente envergonhado implorou a Leila que pegasse um taxi para ir para casa, ele não teria condições física nem psicológicas para levá-la. Tinha vontade de morrer.
- Que papelão. Pensou.
Leila totalmente constrangida foi ajudada pela portaria do motel que providenciou um taxi rapidinho, e nosso herói foi-se desolado para casa.
Em lá chegando, aproveitou que todos estavam dormindo, foi ao banheiro, fez a devida limpeza que merece casos como este. Apenas a camisa ainda prestava para vestir, o resto enrolaria para jogar no lixo imediatamente, inclusive as meias e o sapato. Ninguém poderia ter conhecimento deste fato.
Foi aí que revistando o bolso da bela camisa encontrou ainda os dois restantes comprimidos de ENGOV, olhou atentamente para o envelope e não acreditou: não era ENGOV e sim LACTOPURGA.
- Miserável aquela balconista da farmácia, ainda me pagará com juros e correção monetária – consolou-se Arnaldo.