ARRODEIA!

Mais cedo bateram em minha porta.

ARRODÊA! Gritei.

Bateram de novo. Três batidas.

ARRODÊA! Gritei.

Pela janela olhei o corredor que rodeia a casa e dá na rua, ninguém vinha.

Bateram mais uma vez. Três batidas, firmes.

FALEI PRA ARRODEAR, É SURDO? FILHO duma...

Não é que era, o infeliz? Uma plaquinha de papel plastificado pendurado no pescoço afirmava.

Vendia bíblia.

Dispensei, não queria, tinha muita em casa, muita, muita, viu?

Falei alto, fechando e abrindo os dedos. Mentindo descaradamente.

E sorrindo pra mim lá se foi bater noutra porta.

Coitado! Vendendo bíblia? Em pleno sol do meio dia, coitado!

O resto do dia bateram em minha porta insistentemente. Eu não abri nem disse mais nada.

Com que cara eu ia olhar pra outro vendedor surdo? ou outros? Sabe lá quantos estavam aí, espalhados, batendo de porta em porta, trazendo uma pesada bolsa no ombro, falando em gestos e apontando a plaquinha de papel plastificado? Quantos como eu deviam ta gritando arrodêa e os coitados ali, habitando o silêncio e batendo insistentemente, na espera?

Mal sabendo, sendo xingados e sem direito a se defender, coitados.

Quando caiu a noite e as batida não cessaram tive certeza que não era gente e sim o próprio Demo, me esperando lhe receber pra perguntar, negasse ajuda aqueles coitados? Vendendo bíblias debaixo daquele sol, e surdos ‘inda por cima!

Pois bem, vim aqui lhe levar não, viu? Sossegue! Vim aqui lhe oferecer o inferno, aceite!, lhe parece mais apropriado que a mim. E assim seria: Eu com a chave na mão e lá ia o Demo, humilhado, sozinho debaixo daquela lua, que nem tiveram os pobres homens mais cedo, debaixo do sol.