MPVC

Uma mão no bolso. Outra no queixo.

Pego-me olhando fixamente pra ela.

Quem diria. Entre tantas tecnologias futuras: carros voadores, casas inteligentes, robôs... Criaram a Máquina Pra Vender Cigarros ou como preferem chamar: MPVC.

Santo Deus! Dos mesmos ideólogos de “chamem câncer de CA e a mãe do vizinho escroto soletrando P-U-T-A vem aí a MPVC...”. Por que não?

Que vontade de mandar o idealizador disso “tnc”.

Olho fixamente. Analítico. Uma coisa sem graça, uma grande caixa vermelha. Lembra aquelas máquinas de refrigerante dos filmes estadunidenses (pessoalmente, nunca vi uma); estampado em vermelho vivo sobre o vidro fosco que serve de vitrine, através do qual as carteiras espiam, enfileiradas como condenados, leio:

MORRA UM POUQUINHO HOJE. PAGANDO!

Nenhuma advertência ou foto desmotivadora. Curto e grosso.

Gente mesquinha. Hipócritas que são, inventaram máquinas pra colher os ingredientes, fabricar, empacotar e ainda vender os cigarros, fingindo limpar as mãos e a consciência. Cigarrinho de palha? Máquinas de varejo que vendem e enrolam; abrace a tradição, eles dizem. Capitalismo selvagem, não tem outro nome. Os índices de câncer de pulmão, boca, esôfago e sabe-se lá mais o que estão lá em cima, dizem. O governo proibiu por um lado e afrouxou por outro. As vendas do cigarro devem pesar no PIB. E o mundo vai se enxameando se com essas coisas vermelhas. Antes havia uma a cada 10 quarteirões. Hoje ocupam cada esquina. Não vai demorar pra termos a versão portátil. Os antigos fabricantes de cigarro agora ganham o dobro fabricando essas belezinhas. Pergunta: eles usam máquinas pra fabricar essas máquinas?

Sim, máquinas de carne.

Tiro a mão do bolso: umas moedas; me compram meia carteira. Melhor que nada.

Despejo-as pela garganta do maquinário. Ela tintilam num chilreado que ressoa como uma risada metálica.