Berto.
Naquela noite vazia, de ruas e pessoas preenchidas de não sabia-se do quê. Berto estava lá, ou aqui, de tão perto, íntima e comum que é sua matéria ambulante que respira, de cansaço; as suas costas doíam, sua cabeça latejava, diante e no interior dele perturbava a preocupação. Ele nem pensava nela em si, pois pensamento é algo que vem, deslocado. No caso de Berto é que esse cisco de agonia já ficava preso na carne do cérebro, que não se retirava: a massa cinzenta, na verdade, ficava escura. Berto fingia que não sentia dor, de dentro ou de fora, era-lhe indiferente, tudo era dor e insatisfação; e não era por conta dos outros que ele encobria, era por si, porque se ficasse consciente ia sucumbir, achava. Berto era do fluxo, do fluxo pulsante, da dor que se tornava amorfa à pulso. Berto era estranho para outros e para si; ele pensava, e olhava para o nada, quer dizer, para algo à toa no mundo, e a completude ficava dispersa ao redor. Ele sentia, ou melhor… não, não!, ele sentia-é, ele não sentia por parecer, mas porque era deveras, podia-se ser sofria-é, também. Berto tinha um olho esquisito, o globo ocular às vezes ficava bastante avermelhado, como se fosse uma poça de sangue dentro, que não vertia porque tinha uma película oleosa, de lágrima, que não deixava escapar. Acho que isso o incomodava. Porém, Berto se acostumou a ser assim, assim assim; o assim como síntese do que é. Do quê? De poça, de dor, de nada.