A VISITA
Era um final de tarde ensolarada de um dia qualquer.
Na ruazinha da comunidade os poucos pedestres transitavam ociosamente e sem pressa.
Um ambulante com uma caixa de isopor velha e malcuidada vendia salgadinhos na esquina.
No folder colado em um poste liam-se os dizeres: “Mãe Mariana das Sete Tábuas de Oxóssi: traz mais dinheiro e o amor da sua vida em três dias!”
Duas senhoras gordas trocavam palavras e riam prazerosamente na calçada.
E a vida passava mansa e despercebida naquela maloca...
A parca cruzou aquele largo. E, invisível e sorrateira, foi ter-se com a moradora do barraco verde-amarelado que ruía aos pedaços já quase no finzinho da ruela.
Bateu palmas na porta.
A resposta vinda lá dos fundos da tapera ecoou em fonema incompreensível e tosco.
Ouviu-se o arrastar dos chinelos pelo chão batido daquela habitação, denotando tratar-se de caminhar trôpego e cansado dos decrépitos.
– Boa tarde!
– Boa tarde, vizinha!
– O que deseja?
E a visita:
- Ora, não te lembras de mim? Já há muito lhe faço companhia! Tenho sido complacente com você ao longo dos anos, dada as suas aventuras com o acaso! Aguardo sempre à espreita um descuido seu ou mesmo imprudência, mas, até agora, a sua insignificância me fez tolerar suas mazelas com a vida. Finalmente, a minha benevolência chegou ao limite! Tenho outras coisas que fazer!
E ficaram ali na porta a se entreolhar.
Provavelmente na tentativa de reconhecer e ser reconhecida.
É verdade que não tivera uma vida regrada de cuidados e com moderação.
Todas as noitas maldormidas, as festas, o cigarro e o vício do álcool lhe adiantaram alguns bons anos de juventude. Ademais, as condições de moradia, alimentação e subemprego também não lhe eram favoráveis.
Tudo isso lhe custou caro, pois apesar da idade real bem menor, além da visão e mobilidade comprometidas, cobria-se de cútis paquiderme, o que lhe trazia aparência de senilidade octogenária.
Tinha poucos amigos. Três ou quatro talvez. Eram amigos da mesma laia.
Mas a vizinhança não lhe nutria muitos amores.
O mau humor constante e a truculência no trato diário e contumaz lhe rendia predicativos dos mais chulos possíveis.
A maledicência e o pessimismo também eram amigos cotidianos.
Coçou a cabeça. E, olho no olho, o semblante tornou-se pálido.
Os olhos de horror lhe completaram a aura.
Lembrou-se da velha “amiga”.
E retorquiu:
– O que queres de mim, desgraçada??!!
Mas era tarde demais!