A MENINA - Uma história insólita
Um homem sentado no banco da praça, absorto com o seu jornal, não se deu conta quando aquela mulher se aproximou dele,
sorrateira, com um bebê nos braços e de mãos dadas com ela, uma menina de pouco mais de cinco anos. A mulher tocou-lhe suavemente no ombro dele e disse em voz definhada e meio rouca:
- O senhor poderia olhar essa menina, enquanto eu vou até aquela farmácia? – Apontou para o outro lado da praça, estendendo a mão mirrada.
O homem concordou e a mulher sorriu-lhe com a face escaveirada, um sorriso trêmulo com ânsias de fadiga.
- Não demore muito, senhora. – Disse ele.
Ela apenas sorriu-lhe outra vez - um sorriso doce e breve - denotando que lhe fugiu antes do tempo, desta vida airada, a mocidade.
A menina, tímida e em silêncio, sentou-se ao lado do homem, que lhe afagou a cabeleira alourada.
- Obrigada, moço. A mamãe não demora. – Disse a menina.
O homem ficou um tanto incomodado e aflito com aquela criança sentada ao seu lado.
Não era bom, nos dias de hoje, um homem com a idade dele – já passando dos sessenta – ser visto com uma menininha, sem que ela fosse aparentada dele. Já havia lido sobre casos de velhos pedófilos que se aproveitavam de crianças que brincam nas praças. Sentiu um calafrio, só de se imaginar numa situação semelhante. Olhou com o rabo do olho para ver se a menina continuava sentada ao seu lado. A menina o olhou com os olhos fixos e com um singelo sorriso.
O tempo passava e a mulher não voltava. Aquela situação já estava terrivelmente incômoda. Foi quando ele tomou uma decisão de um homem decente e chamou um policial que passava por ali. O policial prontamente o atendeu.
- Senhor policial, a mãe dessa menina que aqui está, pediu-me para que eu tomasse conta dela enquanto ela iria até aquela farmácia e já se passou mais de meia hora e ela ainda não voltou. Não sei o que eu faço.– Falou visivelmente aflito, apontadando em direção à farmácia do outro lado da praça.
- De que menina o senhor está falando? – Perguntou o policial.
- Dessa garotinha aqui, senhor! – Apontou para a menina que permanecia sentada no banco ao seu lado.
- Não vejo nenhuma criança aí, senhor. – Disse o policial, já um pouco duvidando daquela história.
- Como o senhor não está vendo? Ela está aqui sentadinha. – Apontou para a menina que permanecia sentada no banco, com um sorrisinho maroto.
- O senhor está querendo brincar comigo, senhor? – Bravejou o policial já irritado – Que tipo de brincadeira é essa?
Quando se virou outra vez, o homem não mais viu a menina. Desculpou-se com o policial umas mil vezes, por assim dizer. Provavelmente, a mãe já teria vindo buscar a criança sem que ele notasse. Só pode ter sido isso, pensou consigo mesmo. Decidiu ir para a casa e sentiu um calafrio gélido, quase morrendo de susto, ao ver que a menina vinha atrás dele.
- Cadê sua mãe, menina? – Perguntou o homem bruscamente, visivelmente irritado.
A menina sorriu-lhe ternamente, com os olhos negros e brilhantes, a pele avermelhada por causa do sol e a cabeleira alourada, presa num laço de fita vermelha. Ela então aproximou-se dele e encaixando a sua mãozinha pequenina na mão dele, num aperto desmedido para uma criança e disse quase num sussurro, pondo a outra mãozinha em concha na boca:
- Agora vou morar com você.
O desgraçado empalideceu. Tentou desvencilhar-se da mão da menina, e em vez disso, sentiu outra vez um aperto forte e tenaz, agarrando-o com firmeza descomunal.
A partir dali, daquele dia, a menina não o deixou mais. Onde quer que ele fosse ou estivesse, a menina o seguia. O mais notável e assustador é que ninguém via a menina, por mais que ele mostrasse ou tirasse alguma foto. Os amigos e familiares já duvidavam de sua sanidade mental.
Varava as noites sem conseguir dormir e quando adormecia, tinha terríveis sonhos inquietantes e pesadelos intermináveis, cheios de angústias e pesadelos agonizantes. Muitas vezes, acordava no meio da noite, sobressaltado e se deparava com a menina em pé e estática ao lado de sua cama, como se fosse um fantasma, a fitá-lo insistentemente. A menina não comia, não bebia nem dormia e sequer trocava de roupa.
Às vezes, ouvia a menina paralisada, fitando um ponto qualquer na parede, sussurrando palavras ininteligíveis. O mais assustador era aquele sinistro sorriso dela.
O homem começou então a definhar e adoecia visivelmente. Tinha febres e delírios constantes. Sentia-se fraco e andava como um vulto melancólico saído das profundezas do inferno. Sua magreza excessiva causava espanto e repugnância. E assim se passavam os dias longos e as noites insones.
Em torno daquele homem, eram noites após noites de angústias e sofrimentos que se acercavam sobre ele, até que um dia, um raio de sol entrou por uma fresta da janela, e de repente, ocorreu-lhe uma ideia.
Era uma ideia simples, que há muito deveria ter tido. Chamou a menina e disse que iam passear no parque. A menina saltou de alegria e agarrou bem forte a mão dele. Caminharam lentamente pelo parque, até que o homem avistou um rapaz sentado em um banco da praça, entretido com o celular.
Ao vê-lo com a criança, de mãos dadas, o rapaz sorriu e acenou para a menina. O homem então se aproximou e, tocando-lhe no ombro, perguntou:
- Você poderia olhar essa menina, enquanto eu vou até aquela farmácia?
O rapaz concordou e a menina, tímida, sentou no banco ao lado dele.
O homem então saiu dali a passos largos, sem olhar para trás.