Vômito Florido
Lembro-me do começo: Um barulho tão estrondoso quanto fogos de artifício. Vivo, alto e claro. Senti-me única em meio ao seu olhar estrelado, cheio de detalhes luminosos que me estragaram por inteira.
Nós havíamos saído para jantar neste dia e, quando olhei para seu rosto ele me abraçou apertado. Tão apertado, mas tão apertado que quase, quase fiquei sem ar. Sentamos na mesa, pedimos a comida e engatamos numa conversa.
Seu tom, ao verbalizar, era autoritário. Eu achava tão bonito. A voz gritante que adentrava meus ouvidos e alegrava todo meu espírito. Ficava meio surda a medida que o falatório se sucedia, só escutava unicamente aquele belo som.
Quando os pratos chegaram deixei ficar com a maior parte. É claro, ele merecia. Ainda deixei pegar algumas das minhas batatas fritas, pois sua fome era inigualável. Era tão bonito vê-lo comendo.
Irritou-se comigo porque agradeci ao garçom. Perdão, foi um deslize meu. Não era para falar com homem nenhum. Homens não são confiáveis. Então, para agradá-lo, segurei sua mão e me calei pelo resto da noite. Dessa maneira, o satisfiz. Minha pele arroxeou com seu aperto, mas não havia problema porque era sua cor favorita.
Ao finalizar a janta, levou-me para casa, já altas horas. Para minha surpresa, estendeu-me um buquê de flores. Lindas flores. Vermelhas, grandes e cheirosas. Fiquei tão, mas tão feliz que havia de falar. Agradeci-o. Seus olhos novamente me circundavam, agora calejados. Perguntou-me “Onde errei com você?”
Não entendi. Mas eu estava tão feliz. Será que não feliz o suficiente?
E continuou: “Sou uma pessoa horrível, não é?”
Não. Nunca. Neguei um milhão de vezes. As vezes errava, mas errar é humano. Quero dizer, eu errava mais. Eu quem me dirigia a outras pessoas, eu quem não dava a devida atenção, eu quem sempre gerava discussões. Eu quem deveria ser perdoada.
Comecei a chorar, desesperada, com um medo sem cabimento. E se ele for embora? Mas, cheio de delicadeza, passou sua mão em meu rosto e limpou as lágrimas que escorregavam com um belo arranhão. Agora eu sangrava e era belo. Nossa união era bela.
Logo em seguida arrancou as rosas de mim, abriu minha boca e, sorrindo, retirou as pétalas. Eu as senti descendo pela garganta. Gritava, não queria aquilo, mas ele continuava. “Você deve aceita-las.” Começou, “Pelo nosso amor.”
Como sempre, estava certo. Eu devia fazer de tudo pelo nosso lindo amor vermelho, tão vermelho e vivo quanto as rosas que engoli e o sangue que ainda deslizava por meu rosto.
Com os cabos das flores vazias fez uma pulseira para si. “Estaremos eternamente juntos”, explicou-me. “Você com as pétalas, e eu com os espetos.”
Nos despedimos com um beijo romântico e, ao entrar na casa, corri para o banheiro, abri a tampa do vaso e vomitei por horas. Um vômito cheiroso e todo colorido. Eu estava meio vazia e meio completa, de tal forma que o coração golpeava no peito. Era tudo isso o que eu poderia querer, correto? Um amor avassalador que me entregasse rosas e me protegesse de todo o mal.
Acontece que, quando adormeci, tive pesadelos horríveis. Com ele. Seu rosto sempre aparecia com fogos de artifício em sua volta, porém pareciam mais com bombas muito destrutivas. Foi em uma dessas explosões que acordei assustada, ainda no banheiro, com a cabeça enfiada no vaso. O mundo a minha volta parecia estar em preto e branco, com excessão do vaso sanitário lambuzado. Desse modo, feito num piscar de olhos, despertei: O abraço não era apertado, mas sim violento. Os toques não eram cuidadosos, mas feriam meu rosto. A mão deixava hematomas. As palavras calavam. As atitudes faziam chorar. E As flores, as belas e lindas flores que me entregou, eram na realidade mórbidas. Não havia nenhum único espinho no cabo que ele jurou lhe espetar. Quando ergui a cabeça e olhei para dentro do fundo buraco só havia uma gosma verde, terrivelmente malcheirosa. Pois, até mesmo meu vômito florido era só vômito. E as bombas eram aniquiladoras demais. Mas, todo o estrago que havia feito também caía por terra: não era bonito, romântico ou avassalador. Era só um estrago. Assim, percebo que seu amor nunca foi amor. Nossa união agora torna-se uma lembrança de que guerras começam com pequenas estrelas diferentes no céu.