Drogas

É uma linda manhã de domingo, os pássaros gorjeiam, vizinhos insones passeiam seus cachorros com pedigree que saltam serelepes pelas ruas sem muitos automóveis pelo horário atípico, porém recomendado pelos coaches petlovers.

Consequentemente, os vira-latas próximos latem até perderem o fôlego e acordam seus tutores que se levantam da cama a contragosto e vão colocar água no fogão para passar o café enquanto secretamente pensam em usá-la para ferver a pele de evangelistas que se atrevam a bater no portão.

Falta açúcar.

Nosso cidadão comum olha o relógio da parede azulejada e sebosa da cozinha e lembra que, como todo bom domingo, é dia de descanso de nosso Senhor e portanto a padaria fecha na hora do almoço pra só voltar na segunda-feira.

Vai ao banheiro, tira as remelas dos olhos, esvazia a bexiga, come um pouco de pasta de dente e enxagua a boca.

Trajado com uma bermuda de Tactel, chinelos de dedo e uma camiseta regata desbotada, ganha a rua.

Conta mentalmente as parcas moedas que fazem barulho em seus bolsos enquanto caminha; não dá pra garapa, não vai sobrar pro pastel de queijo da feira e nem pro maço de Derby azul. O jeito é comprar um kilo de açúcar refinado e ver se dá pra pendurar um pacote de queijo ralado até o quinto dia útil.

Na fila do pão fixa os olhos na tevê de tubo e divaga na imagem que de colorida só apresenta tons de azul e verde entre chuviscos na tela.

O plano deu certo. Com um pacote de açúcar e um outro de queijo na sacola plástica gira a chave da porta de casa orgulhoso. Os cães ainda ladram e os outros outros moradores preenchem o ambiente com discussões, caixas de som desreguladas e sons de martelo enfiando pregos em paredes de concreto.

Ainda bem que ainda há aspirinas, café e açúcar...

Pensando melhor era mais negócio ficar devendo o maço de Derby, não há macarrão onde colocar o queijo.

Rodrigo Margini
Enviado por Rodrigo Margini em 05/02/2024
Código do texto: T7992358
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